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The Hunger Games: Catching Fire (2013)
Realização: Francis Lawrence
Argumento: Simon Beaufoy, Michael Arndt
Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Elizabeth Banks, Lenny Kravitz, Philip Seymour Hoffman, Jeffrey Wright, Stanley Tucci, Donald Sutherland, Sam Claflin, Jena Malone
Qualidade da banha:
Um erro comum em sequelas é repetir tudo aquilo que fez sucesso no original. Em vez de apostarem numa história nova que aprofunde o universo e as relações já estabelecidas, a maioria dos produtores prefere jogar pelo seguro e dar uma nova roupagem que, a rigor, não altera nada. The Hunger Games: Em Chamas, continuação do ótimo Os Jogos da Fome, não comete este erro: apesar dos heróis serem levados de volta à arena para combaterem entre si sob uma desculpa meio esfarrapada, o filme mergulha nas tensões políticas resultantes da vitória dos protagonistas na 74ª edição dos Jogos ao mesmo tempo que explora aqueles amargurados indivíduos.
Passando-se pouco tempo depois dos eventos do capítulo anterior, Em Chamas estabelece desde logo um clima cinzento e opressivo no qual Katniss (Lawrence) e Peeta (Hutcherson) deverão participar na ronda dos vitoriosos e visitar cada um dos 12 Distritos e fomentar uma farsa do romance entre os dois como forma de aplacar as sementes de revolta criadas pelas suas ações. Encarada como uma ameaça pelo ardiloso Presidente Snow (Sutherland), Katniss deve manter-se apática às mudanças que ocorrem à sua volta sob pena da sua família e o seu amado Gale (Hemsworth) serem mortos. É então que Snow, juntamente com o novo diretor dos Jogos, Plutarch Heavensbee (Seymour Hoffman), decidem alterar as regras para a edição especial dos 75º Jogos da Fome: os concorrentes serão selecionados consoante os vencedores anteriores de cada Distrito e, assim, Katniss e Peeta estão de volta à arena em que só um poderá sair vivo.
Distanciando-se do primeiro filme na maneira como retrata um Capitólio mais militarizado (mas, ainda assim, burlesco), Em Chamas não perde grande tempo com o triângulo amoroso da narrativa uma vez que há assuntos bem mais urgentes a tratar no momento (como Katniss clarifica para Gale) e os pretendentes da moça posicionam-se para auxiliá-la e não para fazer birrinhas e declarações de amor (o que dispara The Hunger Games para muitos degraus acima da péssima saga Twilight). Da mesma forma, o filme dá continuidade à sátira aos reality shows com o culto da celebridade, o voyeurismo mórbido em acompanhar detalhes da vida privada de alguém que tem uma objetiva sobre si e, claro, o facto de estes programas fabricarem uma realidade quando argumentam que estão meramente a "retratá-la" (e até o modelo da nova edição – uma espécie de “Big Brother All Stars” – toca no tema da arbitrariedade das regras destes programas onde novas decisões são tomadas pelos organizadores com o intuito de "melhorá-los").
Assim, Em Chamas não tem medo de abordar temáticas fortes e adultas para um blockbuster voltado ao público jovem: opressão, revolução, autoritarismo, segregação, controlo de informação (quando Katniss deixa de ser uma aliada valiosa aos governantes, estes não hesitam em apostar numa campanha de desinformação para denegri-la aos olhos do povo), o filme serve como alegoria onde cada um poderá projetar as suas convicções políticas – e, aqui, a mensagem de Em Chamas surge mais focada do que em Os Jogos da Fome no qual Katniss teria de basicamente sobreviver à disputa na arena e, agora, os riscos são bem maiores já que ela, mesmo não querendo, tornou-se no símbolo de uma luta. Daí que acompanhar a sua trajetória entre a submissão às ordens de Snow como forma de se proteger até à sua revolta com o totalitarismo dos governantes torna-a ainda mais complexa visto que ela abraça a luta por se aperceber do que o que está em jogo é algo bem maior do que ela.
Interpretada com entrega total por parte da talentosíssima Jennifer Lawrence, Katniss é uma figura feminina forte e determinada que não depende do sexo oposto para realizar as suas ambições pessoais. Pragmática e inteligente, ela atravessa a projeção com os olhos inchados de melancolia pela realidade triste que não consegue abandonar e pela fúria subjacente que cresce nela com o avançar dos acontecimentos. Sempre que Lawrence não está em cena (o que ocorre poucas vezes), Em Chamas sofre: há uma cena que alguém próximo quase morre e é pela atuação da atriz que a sequência comove e deixa um nó na garganta. Já Hutcherson constrói um sujeito digno do amor de Katniss e torna-se mais ativo na disputa (em Os Jogos da Fome ocorria uma inversão de papéis uma vez que Peeta era a "donzela em perigo"), Sutherland cria um vilão ameaçador somente com os seus olhares e inflexões e pausas do discurso e Philip Seymour Hoffman aposta num indivíduo ambíguo que deverá ter o devido destaque nos próximos capítulos.
Curioso por alterar a dinâmica dos próprios jogos já que os vencedores, ressentidos por terem de voltar à arena após a promessa de um resto de vida em paz, firmam alianças com os adversários, Em Chamas conta com uma realização mais cuidada da parte de Francis Lawrence que conduz as sequências de ação sem a irritante câmara tremida que prejudicou o antecessor e desenvolve um clima de urgência e perigo que assalta o espectador e nunca mais o larga. Interessante também por apostar num final em aberto do género de O Império Contra-Ataca que deixa uma vontade louca que acompanhar o que se seguirá, o filme só peca por ser mais longo que o ideal – e há um tópico de gravidez atirado lá para o meio que depois não é desenvolvido e poderia ter sido limado sem grande prejuízo.
Melancólico e sombrio, Em Chamas prova que a saga (esta sim!) The Hunger Games ainda tem bastante por explorar, mas que, para lá de toda a pirotecnia, da sátira e das mensagens políticas, o seu ponto forte é mesmo as suas personagens carismáticas com a admirável Katniss à cabeça.