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Sherlock – temporadas 1 e 2
Eu não gosto de acompanhar séries britânicas. Não me refiro a assistir, mas sim a acompanhar. Talvez condicionado pelo método de produção televisivo norte-americano de 24 episódios por temporada (ou 12 nas redes privadas), ser espectador assíduo de uma série britânica é um suplício. Como as temporadas são curtíssimas (se chegar à dezena é uma sorte), extremamente espaçadas (um ano e tal é a regra) e o calendário não tem um padrão, então mais vale esperar que acabe para ver tudo de uma vez. Claro que isto traz outros benefícios: uma produção cuidada, não há racionamento de recursos, cada temporada é pensada como um núcleo isolado e não se esticam ou encurtam consoante as audiências (um método com muitas semelhanças aos das estações por subscrição norte-americanas). Além disso, como a indústria britânica não é tão avançada como a de Hollywood, a primeira produz pouco, mas bem – e não é por acaso que é comum dizer-se que as séries de terras de Sua Majestade têm mais “qualidade”.
Nada disto, porém, me levava a acompanhar uma série britânica. Isto até me suplicarem a ver Sherlock na mesma medida em que eu gritava aos quatro ventos para todos veremHomeland (estão à espera de quê?!). Sabia que era transmitida no AXN, que era uma atualização da figura mítica do detetive para o século XXI, que tinha poucos episódios, mas nada disso me puxou. Até que decidi dar uma oportunidade. Não devorei-a em pouco tempo por razões que explicarei adiante, mas confesso-me rendido: a série é um buraco de criatividade, engenho, estilo e diversão como poucas vezes vi.
Desenvolvida por Steven Moffat e Mark Gatiss, dois argumentistas da longeva Doctor Who, Sherlock é uma reimaginação da personagem vitoriana para os dias de hoje, com toda a tecnologia ao seu alcance e os adesivos de nicotina no lugar do característico cachimbo (uma valente alfinetada no politicamente correto contemporâneo). Na primeira temporada vemos como Sherlock e Watson se conhecem e, desta vez, a figura do médico é alterada para um veterano da guerra no Médio Oriente que tem de procurar casa onde morar: nem mais nem menos que a famosa morada do 221B em Baker Street. As investigações são resolvidas com recurso à Internet e ao constante envio de SMS que surgem no ecrã de maneira criativa e tornam a narrativa mais ágil (já para não falar nas rocambulescas deduções lógicas do protagonista).
No entanto, a essência da personagem mantem-se inalterada: Holmes continua à margem da sociedade, é olhado com desconfiança pelas autoridades e consegue ser altivo e inconveniente com aqueles que os rodeiam – e isto é apenas o ponto de partida para desenvolver a sua personalidade. Aqui não posso deixar de referir o episódio 2x01, A Scandal in Belgravia, uma pequena obra-prima e um dos melhores episódios de qualquer série que alguma vez assisti. Se antes Sherlock era apresentado como uma "máquina" em busca de casos que pusessem à prova o seu intelecto, aí vemos como ele foi capaz de estabelecer laços com uns poucos afortunados (Mrs. Hudson, Watson), chegando ao ponto de se preocupar com eles e até se desculpar pela sua arrogância. Além disso, o episódio estabelece a sofisticada e inteligente Irene Adler como alguém capaz de bater-se taco a taco com Sherlock sem se esquecer de brincar com aspetos da sua sexualidade (a castidade autoimposta, uma possível homossexualidade reprimida).
Visualmente cativante e com um ritmo imparável, Sherlock divide-se em seis capítulos de 1h30 que não aborrecem o espectador, embora eu demorasse bastante a ver cada um, já que a melhor forma é encara-los como telefilmes e saboreá-los com tempo e tranquilidade. Até por que a próxima temporada está prevista para ser gravada em 2013 e lançada, o mais tardar, em 2014. Eu não disse que séries britânicas eram um suplício?