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Um desperdício de tempo e recursos. Um mau episódio esticado até aos limites do imaginável (mastodônticas duas horas e meia!) onde o que se vê nem pode ser qualificado de mau cinema, mas sim de má televisão. Nascida em 1998, Sexo e a Cidade contava com capítulos de meia-hora, formato ideal para a crónica de quatro mulheres trintonas, solteiras e independentes na solidão da grande metrópole. À medida que o tempo passava, o sucesso permitiu a invasão de grandes marcas no imagético televisivo ao mesmo tempo que se abandonava o tom episódico e se estabelecia uma cronologia coesa e um universo próprio. Carrie e as amigas amadureciam aos nossos olhos sem deixar a caricatura de lado, algo com que qualquer um se identificava facilmente. O burlesco era algo com que a série lidava normalmente, era a forma de salientar a proposta de puro entretenimento, mas não sem explorar as personalidades do quarteto, principalmente de Carrie, o nosso elo de ligação com a realidade.
O que temos agora? Um grupo de amigas que regridem mentalmente, que parecem esconder os anos às costas e as rugas na cara, superficiais ao extremo, histéricas, choronas, mais preocupadas em ostentar os seus bens e esbanjar dinheiro, e com preocupações de adolescentes. Já noprimeiro filmeera assim, mas ele funcionava como exercício de nostalgia e como celebração dos seis anos do produto televisivo, até porque avançava (pouco, admito) a trajectória de cada uma delas. Agora não. Carrie embarca numa crise matrimonial despertada pela rotina e logo revela a sua imaturidade por se sentir ameaçada por... televisores no quarto e comida encomendada! Charlotte, depois de ter passado o primeiro filme em claro, vê-se a braços com a difícil vida de mãe e uma ama voluptuosa, ao passo que Miranda dá o grito do Ipiranga e despede-se da empresa de advogacia onde trabalhava. Samantha, preocupada com a menopausa, decide pegar nas amigas e levá-las até Abu Dhabi para uma semana de compras, saídas, diversão e onde o choque de culturas será o prato do dia. Eram mesmo preciso duas horas e meia para isto? O filme parece acreditar que sim.
Pior que a duração de Sexo e a Cidade 2 é o seu tom ofensivo para com o Médio Oriente e o sexo feminino em geral. Revelando-se ingénuas, carentes, neuróticas e impacientes, Carrie, Miranda, Charlotte e Samantha parece que provocam os próprios problemas e equívocos culturais em Abu Dhabi. É como se elas (o filme, na verdade) procurassem situações onde pudessem doutrinar a emancipação feminina e a dedicação a causas vitais como... moda e festas! Depois de passarem metade do filme a satirizar a cultura muçulmana, nada como fazer as pazes ao som de I Am Woman, numa cena embaraçosa onde as mulheres islâmicas dançam como se estivessem num ritual de libertação. E isto depois de sermos brindados com uma sequência descartável onde Liza Minnelli, prestes a explodir de tanto botox, canta e dança Single Ladies. Mas se Liza Minnelli aparece pouco (sempre faz mais do que Miley Cyrus e Penelope Cruz), o que dizer das quatro protagonistas que, sob quilos de maquilhagem, tentam a todo o custo parecer mais jovens do que realmente são? Mulheres que me estão a ler: sejam maduras, admitam a idade, mas tentem forçosamente ter uma aparência jovial porque isto é que é socialmente aceite!
Enquanto o circo de aberrações toma conta do ecrã (Oscar de Melhor Caracterização, portanto), o filme tortura-nos com dilemas como o impasse de Carrie ao rever o ex-namorado - isto a meio Mundo de distância! - e que logo decide convocar uma tertúlia para resolver a sua "tragédia", numa cena a fazer lembrar uma festa de pijama organizada pelas fãs de Twilight. Nesta altura, apeteceu-me invadir o filme, esbofeteá-las a todas e berrar "Vocês são quarentonas! COMPORTEM-SE!". Outra cena vergonhosa é aquela em que várias muçulmanas auxiliam as nossas heroínas e, retratando-as como modelos a seguir, mostram-se fãs de moda e de Nova Iorque. E obviamente que num filme tão "liberal" como Sexo e a Cidade 2, um possível homossexual muçulmano terá todos os trejeitos associados a essa orientação, numa demonstração não só de preconceito, mas também de ingenuidade, uma vez que dificilmente alguém passaria despercebido numa cultura tão repressiva para com os homossexuais.
O certo é que há poucos momentos dignos da série, como na conversa entre Miranda e Charlotte sobre o esforço de ser mãe, onde é resgatada a velha dinâmica entre as amigas e cuja tirada final é excelente. De resto, acompanhar o grupo pelo Médio Oriente é um tédio infernal: é tudo tão pomposo, estiloso e festivo, como se nos obrigassem a invejar a vida daquelas mulheres. Como homem, sentir-me-ia desesperado de conhecer seres que se revelaram tão fúteis; como mulher, sentir-me-ia envergonhada por ver aquilo como um reflexo do sexo feminino e da mulher moderna. Se eu disser que o melhor momento de Sexo e a Cidade 2 pertence a Uma Noite Aconteceu (de 1934!) e não a este produto ofensivo, estúpido e aborrecido, já dá para ter uma pequena ideia do desperdício, não?
Qualidade da banha: 4/20
Sexo e a Cidade foi a última série que acompanhei na íntegra pela televisão. Num tempo de downloads limitados, em que torrents era coisa de geeks e era complicado confiar séries inteiras no E-Mule, eu fazia trinta por uma linha para poder acompanhar as aventuras de Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda. Ah! E Nova Iorque já agora, que era quase como o quinto elemento do quarteto. Deixando ao longo dos episódios os "casos isolados" relacionados com o sexo e os depoimentos de nova-iorquinos figurantes (diminuindo a componente universal dos assuntos abordados), passando a investir mais nas relações de cada uma delas (ou seja, criando uma cronologia própria), a série nunca perdeu o fulgor inicial, surpreendendo sempre com as abordagens frontais, honestas e muito cómicas em relação ao sexo e às relações interpessoais. Quatro anos depois do final da série, chega agora aos cinemas a transposição para o grande ecrã, algo que encarei com muitas reticências. Sempre achei que Sexo e a Cidade fosse um produto que resulta melhor no pequeno ecrã, com as suas pequenas histórias e a sua curta duração, permitindo que a narrativa se torne mais compacta e fluída.
Este é o principal problema do filme: há pouca história para quase duas horas e meia de duração. Parece um episódio esticado ao máximo e a partir da metade o ritmo cai, e muito. Só para dar um exemplo e sem revelar nada de importante (embora o trailer do filme revele a história praticamente toda) Charlotte passa a primeira hora sem fazer grande coisa, até que lhe dão uma story-line metida a martelo, só para dizer que, no caso dela, também há algo para contar para lá da série. Outro grande pecadilho é o abuso de clichés que a série já andava a acusar, nomeadamente na última temporada: a reacção de Carrie ao receber uma noticia dolorosa (queda do telemóvel em slow-motion, falta de ar com direito a berro Tirem-me daqui!!!!, tudo acompanhado de música melancólica); a assistente que cai do céu para organizar a vida (profissional e amorosa, pois claro) de Carrie que chega a Nova Iorque em busca do amor (blargh!) e, claro, partilha dos mesmo gostos da nova patroa; e a resolução do conflito de Miranda com Steve que é um cliché tão grande que não é digno da personagem cínica e madura que é a advogada. Por último, o filme preocupa-se muito mais com o drama do que com a comédia, tendo muita mão pesada quando investe nos momentos melodramáticos.
Porém, para cada uma destas falhas, há alguns e bons acertos. Começando o filme com um rápido resumo do ponto em que ficou cada uma das personagens (recorrendo a imagens da série), o argumento é eficaz ao revelar que ainda há algo para contar para lá de tudo o que se viu nas 6 temporadas: Carrie e Big decidem casar, Samantha está do outro lado dos EUA, em Los Angeles, fazendo de agente do seu namorado e estrela de Hollywood, Smith Jerrod; Miranda anda às voltas com a vida de esposa, mãe e advogada; e Charlotte parece satisfeita com a filha adoptiva e com o marido judeu. A amizade e cumplicidade delas continua intacta e, neste aspecto, os fãs vão ficar satisfeitos. É quase como rever velhas amigas (o almoço em que a palavra "sexo" é substituída por "colorir" é hilário hilariante; é série puro) e é óptimo ver que a personalidade de cada uma é respeitada pelo argumento e que os problemas que lhes vão surgindo são consequência natural de decisões passadas.
Não fazendo concessões ao puritanismo que invade a indústria de Hollywood hoje em dia (uma postura que é de louvar), o filme continua a abordar e, principalmente, a mostrar o sexo como algo natural e de maneira a não soar gratuito. O realizador Michael Patrick King conhece bem as águas onde navega, ou não fosse ele argumentista e produtor da série, e é uma aposta segura, embora não surja assim nada de inovador na sua realização ao transpor uma série televisiva para a linguagem cinematográfica. A única excepção fica por conta da cena em que se mostra a passagem do tempo com a corrida diária de Charlotte, mas mesmo assim não é algo que já não se tenha visto antes.
Mas o grande trunfo do filme é mesmo Kim Cattrall e a "sua" Samantha Jones. Quando parece que o filme vai resvalar para um momento piegas, lá surge ela com um comentário certeiro e hilário hilariante, prendendo a atenção do espectador com o seu dilema que vai sendo construído aos poucos, conseguindo, dessa forma, ser a mais genuína de todas as personagens em cena. Realce para a cena em que Samantha vai confortar Carrie e com apenas um piscar de olho, ela demonstra que está lá para a amiga e que só quer o bem dela (aliás, esta é a única que ainda assim consegue uma reacção de Carrie naquele momento). Kim Cattrall assenta como uma luva no papel conseguindo fazer de uma personagem estereotipada (as quatro não deixam de ser estereótipos bem trabalhados: a predadora, a sonhadora, a problemática e a sarcástica) uma mulher forte, decidida e bem sucedida, mas à qual falta algo mais e isto é um feito e tanto, algo que é válido tanto para a série como para o filme.
Mesmo não sendo uma obra excelente, também não é descartável, conseguindo tornar-se numa boa adição à série. Este é, realmente, o fim que a história das quatro amigas merecia, sendo, ao mesmo tempo, uma homenagem à série que, de certeza, revolucionou a vida sexual de muitos, bem como a televisão norte-americana.
Qualidade da banha: 13/20