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The Hunger Games: Mockingjay - Part 1 (2014)
Realização: Francis Lawrence
Argumento: Peter Craig, Danny Strong
Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Elizabeth Banks, Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman, Jeffrey Wright, Stanley Tucci, Donald Sutherland, Sam Claflin, Jena Malone
Qualidade da banha:
A decisão de dividir o último livro da trilogia The Hunger Games em dois filmes é questionável - e há momentos em que A Revolta - Parte 1 arrasta-se em esforço para atingir a duração pretendida de quase duas horas. Por outro lado, é bastante provável que vários espectadores reclamem da falta de ação e do ritmo lento da narrativa que opta por sacrificar os embates físicos em nome dos jogos políticos em que a protagonista se vê mergulhada. Uma decisão que, quanto a mim, não só é bem-vinda como também se mostra corajosa, ainda mais por vir de uma super-produção de Hollywood voltada ao público jovem.
Escrito a partir do terceiro livro da série criada por Suzanne Collins, A Revolta - Parte 1 traz Katniss Everdeen (Lawrence) escondida nos restos subterrâneos do Distrito 13 após ter sido resgatada pelos rebeldes no final de Em Chamas. Atormentada por tudo o que passou nos filmes anteriores, Katniss une-se à presidente Alma Coin (Moore), ao relações públicas Plutarch Heavensbee (Hoffman) e restantes aliados para organizarem a luta contra o presidente Snow (Sutherland) que mantém Peeta Mellark (Hutcherson) em cativeiro. Para tal, Katniss é incumbida de protagonizar vídeos de propaganda de forma a agregar mais distritos no apoio à rebelião enquanto o Capitólio recorre a estratégias de desacreditação dos rebeldes.
Mantendo o tom opressivo e desolador já caraterístico na série, esta Parte 1 retrata uma guerra de informação que, mesmo disputada entre paredes, não deixa de ser menos impiedosa. Com isto, The Hunger Games ganha contemporaneidade já que cada fação tem o seu símbolo mensageiro - e basta que Peeta implore na televisão por um cessar-fogo para ser automaticamente apelidado de "traidor" e "vendido" ao mesmo tempo que Katniss é noticiada como uma "criminosa" e "terrorista". Assim, o filme dedica grande parte do seu tempo a discutir a mediatização e o simbolismo do indivíduo em prol do coletivo, uma vez que os atos heróicos de Katniss não são o suficiente: mais importante é projetar nas massas a imagem de uma heroína.
Isto não impede que Katniss se sinta desconfortável na pele de símbolo revolucionário - ainda que concorde com os ideais dos rebeldes. Mesmo a presidente Coin, sempre fria e calculista, tem os seus precisos discursos populistas ditados por Plutarch, o que, mais uma vez, distorce a fronteira entre realidade e propaganda. Enquanto isso, o presidente Snow, numa curta cena que adiciona mais lenha na discussão, prefere usar termos mais abstratos como "radicais" por ter noção que derivados de "crime" ou "rebeldia" poderiam levar a questionamentos por parte do povo. Desta forma, em vez de apostar no espetáculo gratuito de mostrar a revolução em marcha, A Revolta - Parte 1 mostra os bastidores que antecedem a mesma, visto que recolher apoios cada vez mais significativos é imperioso e controlar a informação é absolutamente essencial para atingir esse objetivo. Tanto é que, a certa altura, Katniss é constantemente seguida por uma equipa de filmagem sempre à espreita de um momento (fabricado ou não) em que a rapariga possa fazer ou declarar algo relevante para a causa.
Novamente no papel de Katniss, Jennifer Lawrence continuar a destilar o seu imenso talento ao injetar fúria e sensibilidade na sua interpretação: Katniss não é uma heroína por gosto, mas sim elevada a tal posto por força das circunstâncias e a sua dificuldade em abraçar essa responsabilidade, longe de ser um sinal de indiferença, remete ao seu maternalismo em proteger aqueles que lhe são mais chegados. Mesmo o triângulo amoroso é trabalhado apropriadamente para explorar a personalidade de Katniss, como no momento em que Gale (Hemsworth) consegue ser honesto o suficiente para lhe declarar que ela só repara nele quando este se mostra mais fraco.
Conduzindo a narrativa com segurança e fluidez, o realizador Francis Lawrence investe num clima desesperador e cria sequências que, aproveitando ao máximo o design de produção, parecem saídas de um filme de guerra e o terceiro ato, que envolve uma missão ao Capitólio intercalada pelo discurso sentido de uma personagem, é tensa precisamente por não sabermos ao certo o que se passa e de onde poderá vir o perigo.
Contudo, A Revolta - Parte 1 peca (e muito) por ser aquilo que é: uma preparação para o tomo final e por não ter história que justifique as quase duas horas de duração. Há sequências que nada acrescentam, há demasiado falatório (e alguns diálogos doem de tão expositivos) e o Distrito 13 lembra por vezes a infame Zion da trilogia Matrix. É um filme incompleto, mas não deixa de ser um bom "meio-filme".
Pirates of the Caribbean: On Stranger Tides (2011)
Realização: Rob Marshall
Argumento: Terry Rossio, Ted Elliot
Elenco: Johnny Depp, Penélope Cruz, Geoffrey Rush, Ian McShane, Kevin McNally, Sam Claflin, Astrid Berges-Frisbey
Qualidade da banha:
Johnny Depp sempre foi um actor respeitado, mas até ao primeiro Piratas das Caraíbas não era um nome sonante para arrasar nas bilheteiras. Com críticas favoráveis, nomeação para o Oscar no bolso e muitos milhões rendidos, Depp passou a ser sinónimo de dinheiro em caixa e a sua carreira disparou até à estratosfera. E tudo graças a Jack Sparrow, o pirata afectado, de andar trôpego, com uma lata descomunal e uma energia inesgotável que elevou a outro nível um entretenimento razoável como A Maldição do Pérola Negra. Como tudo o que faz dinheiro é para repetir, as sequelas não se fizeram esperar e se em O Cofre do Homem Morto a prestação de Depp já não tinha a mesma frescura do original, o filme ainda conseguia injectar mais espectacularidade e surrealismo à série, além de trazer novas e fascinantes personagens – e a qualidade da mesma só veio a decair com o terceiro capítulo, Nos Confins do Mundo, que trazia uma história desnecessariamente complexa, uma infinidade de personagens e uma overdose de efeitos especiais a inchar a película até ao insuportável. Uma queda que se verifica em maior grau neste aborrecido e desinspirado Por Estranhas Marés.
Sem incluir muitas das personagens da trilogia original, o novo Piratas das Caraíbas traz mais uma vez Jack Sparrow (Depp) em busca da mítica Fonte da Juventude que também é almejada por espanhóis e britânicos - além do pérfido Barba Negra (McShane), cuja alegada filha, Angelica (Cruz), é uma ex-amante de Sparrow. Ambos terão de unir forças (e trocar farpas) para atingirem os seus objectivos que também são partilhados pelo capitão Barbossa (Rush), agora um corsário ao serviço da Coroa Britânica, e que tem contas a ajustar com Barba Negra, responsável por arrancar-lhe a perna direita.
Cientes dos problemas das duas obras anteriores, os argumentistas repetentes Ted Elliot e Terry Rossio constroem um enredo mais simplista e directo e o incrível é que, nas mais de duas horas de duração, não há um único detalhe que não seja dissecado até à exaustão pelas personagens, num cansativo e repetitivo exercício de exposição de novas informações sobre a missão em causa. Chega a ser cómico: há uma sequência de acção a cada 15 minutos e, nos tempos "mortos", ocorre uma verborreia colossal sobre o que fazer, como fazer, quando fazer, o que evitar, que faz aquele, o que está ali, por que faz aquilo, por que não faz de outra maneira, o que pode acontecer, o que acontecerá, o que aconteceu (esta é fácil: escritores preguiçosos)... enfim, uma costura de dados relevantes a comentar o que acontece em vez de estabelecer a acção que não deixa margem de imprevisibilidade para o espectador. Inacreditável é que, no meio de tanto esforço para não deixar nada de fora, a dupla se esqueça de responder a questões importantes, tais como: quem é aquele indivíduo que surge no início, que profecia é aquela que reside sobre Barba Negra ou o porquê de "esquecer" a armada espanhola durante grande parte da história para os ir resgatar no momento mais conveniente ou o porquê de um soldado (preparem-se!) abandonar as suas armas numa mesa enquanto persegue Sparrow que prontamente pega nelas e segue a sua fuga.
Preguiçoso até nas cenas de acção, Por Estranhas Marés encena os duelos de forma burocrática, confusa e ofensivamente desleixada: quando Sparrow e Angelica se lançam contra vários oponentes, torna-se quase impossível perceber como eles derrotam os adversários ou como o pirata se desenvencilha tão facilmente de estar atado a uma árvore (as cordas parecem ter folga mais do que suficiente para... bingo!). Além disso, as coreografias das lutas surgem pouco imaginativas e com zero de tensão graças à direcção de Rob Marshall, um realizador sempre pronto a comprovar a sua falta de talento (já vista nos fraquíssimos Memórias de uma Gueixa e Nove). Incompetente ao ponto de deixar que o vilão vá amenizando com o avançar da narrativa, deixando de soar a ameaça que deveria, Marshall não aproveita nem as boas ideias presentes neste novo episódio (como os barcos engarrafados), cometendo ainda o erro de não extrair o mínimo de grandiosidade do trabalho do design de produção, já que o navio do Barba Negra empalidece comparado com o Pérola Negra ou o Holandês Voador.
A trabalhar no mais puro dos pilotos automáticos, Depp substitui a graça e a impetuosidade de Sparrow por trejeitos calculados e tiradas frágeis, num reflexo do filme em que está inserido, onde a genuína inspiração dos anteriores (Kraken, Davy Jones, a catarata do fim do mundo, a batalha entre o Pérola e o Holândes) deu lugar ao comodismo e ao enfado (a única excepção é a cascata invertida). Enquanto isso, Penélope Cruz não pode fazer mais do que estar bonita em cena, uma vez que o papel dela não vai além de ser a metade do típico casal que discute a toda a hora mas que se ama, e McShane, com uma entrada cheia de classe, parece ficar constrangido lá para o final, ao passo que Geoffrey Rush até diverte com os modos mais aristocráticos de alguém que responde a um monarca. Para ocupar as vagas deixadas pelo casal formado por Orlando Bloom e Keira Knightley, temos um casal chato até ao tutano formado por um pregador cristão e uma sereia cujas lágrimas activarão a Fonte da Juventude (não perguntem!) – e Sam Claflin revela-se um óptimo substituto para a inexpressividade de Bloom emparelhado com a jovem Astrid Berges-Frisbey num trabalho tão pobre que eu só pensava como o filme beneficiaria com a injecção de carisma e personalidade de Knightley.
Surpreendentemente longo e entediante apesar de ser o exemplar mais curto dos quatro e polvilhado de conceitos absurdos mesmo numa série que já viu um polvo gigante (agora temos sereias com toques vampíricos e algo que só posso apelidar de "zombies conscientes"), Piratas das Caraíbas por Estranhas Marés é como uma pastilha elástica mascada eternamente: o primeiro impacto é um sabor adocicado e refrescante mas, em pouco tempo, a mesma torna-se sensaborona e incomodativa.
PS: há uma cena adicional após os créditos.