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Há pouco mais de um ano, eu era uma pessoa deprimida após o final de Breaking Bad. Ainda havia boas séries no ar, mas nada ao nível da excelência daqueles produtos que, não só nos põem a salivar pelo episódio seguinte, como também permitem que cada capítulo possa ser "saboreado" pelos seus valores narrativos, estruturais e técnicos. Até que The Good Wife lança o já mítico 5x05 - Hitting The Fan e o meu Twitter explode em elogios - e eu, apesar de conhecer a série e já ter-lhe posto os olhos uma ou outra vez sem grande entusiasmo, ativei o modo Maria-vai-com-as-outras e lá fui ao nosso amigo torrent sacar e ver o episódio. No final, só pensava que tinha de fazer uma maratona da boa esposa e já!
Em tempos que as séries mais comentadas têm entre 10 a 13 episódios, tratam assuntos polémicos, a violência (moral ou física) rola solta e o sexo é uma constante, The Good Wife chega sem pompa e circunstância e trilha o seu caminho de cabeça levantada mesmo tendo tudo contra si. Afinal, estamos a falar de mais um drama de advogados que é transmitido em canal aberto, obedece ao padrão de 22 capítulos anuais, o conteúdo é mais restrito, a fórmula reside muito no típico "caso da semana", o seu alcance e sucesso depende inteiramente das audiências e não permite, em teoria, grandes ousadias criativas que os canais por cabo oferecem sem problemas. Além disso, a série é transmitida pela CBS que, com os seus intermináveis enlatados de investigação e comédias imbecis como The Big Bang Theory ou Two And a Half Men, faz logo torcer o nariz a quem percebe da indústria e - heresia! - a protagonista é uma mulher quarentona rodeada por adultos da mesma faixa etária - óbvio turn off para a malta mais jovem sedenta de zombies esfomeados. Mesmo em Portugal, The Good Wife é praticamente uma desconhecida exceto pelos espectadores regulares da FOX Life que também não se inibe de culpas ao tratar a série com descaso demorando meses a transmiti-la e compactando temporadas em episódios diários que diluem o efeito das mesmas.
E, ainda assim, sem sangue, sexo, palavrões, mortes chocantes e reviravoltas dignas de Shonda Rhimes, The Good Wife assume as suas limitações e aborda-as como obstáculos a contornar com histórias absorventes, personagens fortes e marcantes e uma sofisticação que raramente se vê noutros produtos contemporâneos. Poucas são as séries que chegam à sexta temporada em tão boa forma, mas aí está The Good Wife a manter o pique depois de um brilhante quinto ano que, contando com o (intenso, fabuloso, magnífico) episódio supracitado, foi a única que vi bater de frente em qualidade com a reta final de Breaking Bad. Quem acompanha e percebe da poda, sabe que não é exagero.
(Spoilers de agora em diante, mas nada do outro mundo.)
O ponto de partida, admito, não é dos mais promissores: Alicia Florrick é a esposa de um State's Attorney (o equivalente ao nosso Procurador da República - cada Estado norte-americano tem um) que se vê obrigada a voltar a exercer advocacia após anos de dedicação à família assim que o seu marido é preso por conta de um escândalo sexual e suspeitas de má conduta, tráfico de influência e desvio de dinheiro. Caída em desgraça, Alicia consegue trabalho na firma Lockhart/Gardner e tenta refazer a sua vida profissional e familiar a partir do zero. A certa altura, o termo "the good wife" deixa de fazer sentido (e os próprios criadores já admitiram que o título não é dos mais felizes ou chamativos) já que o grande arco da série trata-se da transformação da "coitadinha" Alicia que tem de provar o seu valor para os seus superiores numa mulher independente e poderosa - uma trajetória que é construída com cuidado, sensibilidade, com avanços e recuos, e que por demorar o seu tempo e ser tão detalhada para alguém que tem de cumprir os papéis de mãe, esposa, advogada, funcionária, amiga e até amante e eventualmente patroa, é perfeitamente verosímil e agradável de acompanhar uma vez que as mudanças na narrativa raramente soam bruscas ou demasiado convenientes.
E isto é um dos pontos mais fortes de The Good Wife: a série está em constante evolução e, mesmo que tenha de responder ao requisito do "caso da semana", há toda uma história nos bastidores que avança, as personagens crescem diante dos nossos olhos e arcos que duram três episódios ou meia temporada dão lugar a novos eventos que vêm na sequência lógica de tudo o que está para trás. Claro que isto não deixa de ser uma série de advogados e, como tal, a Lockhart/Gardner e Alicia ganharão 90% dos casos, o que não significa que a vitória seja total. Há uma aura de ambiguidade que se instala naquele universo e guia aquelas personagens seja num caso em que os adversários pagam uma indemnização milionária, mas bem abaixo do que pretendiam, nas concessões que os empregados exigem dos patrões que, por sua vez, tentam aliciar trabalhadores para evitar uma greve ou nos casos que remetem para notícias atuais. E por falar em atualidade, nenhuma outra série aborda a tecnologia e os seus efeitos no quotidiano com a densidade e a criatividade de The Good Wife: aqui não há espaço para posições extremas como a tecnofobia ou a reverência à mesma; há, sim, uma discussão fascinante sobre as suas implicações no modo como vivemos e interagimos uns com os outros.
No entanto, The Good Wife destaca-se mesmo é na subtileza com que discute, nas entrelinhas, temas atuais na vivência de qualquer país industrializado: o conflito geracional no mercado de trabalho em que a classe mais velha, experiente e, por isso mesmo, privilegiada só tem olhos para o lucro, manda e desmanda a bel-prazer e, em tempos de crise, tem de manter o barco à tona enquanto os jovens e recém-chegados têm de galgar terreno ou ficarão para trás na escala hierárquica cujo topo é o prémio. Não admira que os jogos políticos e as intrigas da série atirem a um canto as lutas vazias por tronos de Game of Thrones: no mundo moderno, não há nada a fazer quando a influência e o dinheiro são mais fortes que a espada.
Tudo isto, porém, pode dar a impressão que a série é um poço de soturnidade e depressão. Nada mais errado: The Good Wife é divertidíssima, tem um humor invejável e uma galeria de secundários que é uma atração à parte num dos mais abençoados e acutilantes elencos que a Televisão já viu (os meus favoritos são David Lee, o inescrupuloso representante de direito familiar da firma, e Patti Nyholm, a advogada que usa gravidezes e bebés para ganhar vantagem em tribunal, sem esquecer o sensacional Eli Gold). O destaque, porém, pertence mesmo ao leque principal de atores com Julianna Margulies a mostrar o porquê de ser considerada uma das maiores estrelas da televisão norte-americana. O trabalho de Margulies com Alicia é dos mais completos que já vi: a atriz domina todas as facetas da advogada e brilha num esforço recheado de pequenos detalhes, nuances e expressividade contida. A série cria uma bagagem emocional ao longo dos anos que resultam em cenas nas quais o silêncio, as expressões e até a linguagem corporal de Alicia dizem mais do que um monólogo inteiro de Aaron Sorkin.
Também é de destacar o respeito com que os produtores de The Good Wife tratam as figuras femininas: para além de Alicia, temos a incrível Diane Lockhart que, focada na carreira, nunca, em momento algum, fica a lamentar da falta de "um homem" ou filhos - afinal, ela está demasiado ocupada a ganhar casos atrás de casos. E - aleluia! - haja um produto de Hollywood em que duas mulheres adultas se ajudam mutuamente para atingir interesses comuns e não se envolvem em disputas amorosas ou vinganças infantis. O nosso envolvimento, aliás, com todas as personagens é tanto que, quando a série comete a ousadia de os separar e pôr em lados opostos da barricada (que é o cerne do tal episódio que destaquei no primeiro parágrafo), não há como torcer contra algum deles. Queremos que Alicia vença, mas não queremos forçosamente que os seus patrões percam - e é esta ambiguidade que torna tudo tão fascinante e divertido. Tudo isto ao sabor de um texto refinado (a escrita da série é de topo) e interpretações dignas de aplausos.
Muitos têm reclamado da atual sexta temporada porque a mesma se tem dedicado à campanha política de Alicia para o cargo de State's Attorney. Eu discordo. As politiquices são tão relaxadas e divertidas que distanciam-se do tom quase macabro que a política consegue ter numa, digamos, House of Cards, para abordar o lado mais leve, trivial e caricato que a política também consegue ter. Já para não falar que a campanha contrasta com o drama quase irrespirável de Cary Agos estar em vias de ir preso devido a Lemond Bishop, o traficante mais famoso de Chicago e cliente da Lockhart/Gardner e posteriormente da Florrick/Agos. Depois de anos a brincar na corda bamba de defender um criminoso (ainda que com a desculpa dos seus negócios legítimos), The Good Wife pega nesse detalhe insignificante e agarra o touro pelos cornos, impondo às suas personagens (e aos espectadores) dilemas morais e éticos que rios de dinheiro toldavam.
Produto televisivo sobre e para adultos, The Good Wife é imperdível e merece a oportunidade. A primeira temporada é boa, as duas seguintes são muito boas, a quarta dá uma recaída, mas recupera lá no meio e vai em crescendo até atingir patamares excelentes - que é o ponto onde nos encontramos agora. Não se deixem levar pelo nome. Alicia Florrick veio para ficar e causar estragos.
Há dez anos um avião desaparecia no Pacífico Sul e dava início ao maior fenómeno televisivo deste jovem século. Misto de drama profundo com aventura, história de sobrevivência, ficção científica, filosofia e muitos (muitos!) mistérios, Lost capturou a imaginação do público com a história dos sobreviventes do fatídico Oceanic 815 e daqueles que se cruzaram nos seus caminhos. Durou 6 excelentes temporadas (sim todas, sem exceção!) e marcou um virar de página na forma como se produz e se vende em Televisão.
Surgida numa fase de grande experimentalismo e de proliferação de diferentes propostas e abordagens na Televisão norte-americana (em que as emissoras abertas começaram a ter de correr atrás dos canais do cabo), Lost ousou em desafiar aquilo que era regra nas narrativas serializadas: assistir ao piloto após tantos anos e com outros olhos é ver cada uma dessas leis atiradas janelas fora. Não há exposição para situar eventos e personalidades: sabemos exatamente aquilo que as personagens sabem, como se nós próprios também tivéssemos caído naquela Ilha - e, com isso, a tensão aumenta ao estabelecer-se desde logo uma atmosfera de urgência e perigo. A maneira como os flashbacks são introduzidos e incorporados organicamente na narrativa é genial: da Ilha saltamos para os últimos minutos do voo e experimentamos o pânico e a confusão da queda do avião. Mais à frente, descobrimos que Charlie é um viciado em heroína e que Kate encontrava-se algemada. Como chegaram àquele ponto? O que fez Kate para ser procurada pelas autoridades? É inocente? Cometeu um crime? Qual? Como? Porquê? E por aí fora à medida que a teia de enigmas se vai adensando e em que uma resposta longamente ansiada pode despoletar outra mão cheia de questões.
Nem só de flashbacks vivia Lost. Entre o núcleo de sobreviventes da cauda do avião, os flashforwards, as viagens no tempo, realidades paralelas, mais o misticismo, esoterismo, pseudo-ciência, teologia, etc., a série encontrava sempre novas e interessantes formas de contar a sua história, mantendo o espectador às escuras em relação ao que iria acontecer e como iria acontecer. Nada disto, porém, serviria de muito caso os dramas daspersonagens não fossem envolventes e esse era o ponto onde a produção mais se esmerava: se Lost se tornou tão memorável deve-se em grande parte à sua fascinante e multifacetada galeria de personagens que tivemos a oportunidade maravilhosa de os ver crescer diante dos nossos olhos. E os mistérios? O Monstro. O urso polar. A francesa louca. Os Outros. A Iniciativa DHARMA. O eletromagnetismo. 4 8 15 16 23 42. A Ilha desaparecer. Os saltos temporais. Jacob. Aquele desfecho.
No entanto, isto é somente a ponta do icebergue na experiência que foi acompanhar Lost ao longo dos anos e o seu sucesso deve-se a um timing perfeito com a popularização dos downloads de séries aquando a sua exibição original. A ABC, atenta ao hype que se foi gerando, nunca interferiu nesta questão e procurava formas de manter o interesse sem alienar a audiência mundial. Daí que a janela de exibição entre os EUA e o resto do Mundo tenha diminuído cada vez mais. Cabia na cabeça de alguém que, há meros dez ou cinco anos, pudessemos ver o final de uma série em simultâneo com os norte-americanos ou assistir ao mais recente episódio de Game of Thrones um dia após a exibição original? O paradigma mudou com os downloads e com Lost no topo das preferências da "pirataria online".
Revisitar Lost é também reavaliar-me. É ler textos antigos aqui do estaminé e ver outra pessoa, outra escrita (por vezes, terrível e de corar) e outra energia. De alguém que descobrira que a Televisão podia ser mais do que os CSIs da vida e pílulas de boa disposição em formato de 30 minutos. De uma excitação digna de uma criança na véspera de Natal - todas as semanas. De ler artigos por essa Internet fora (e quantos blogues e sites não surgiram graças à série?) e formular mil e uma teorias. De desesperar meses a fio entre temporadas.
Há muitas e boas séries ainda no ar, mas Lost era única. O prazer de ver a série começava quando o episódio acabava. Breaking Bad ensaiou algo parecido na reta final quando o Mundo abriu os olhos para o seu valor, mas foi algo ainda longe do fenómeno de culto que foi a primeira. Nenhuma série me desperta o mesmo grau de fascínio e viciação. Game of Thrones parei no final da terceira temporada e nunca mais retomei, The Walking Dead estanquei na primeira, desisti de Homeland, House of Cards vi dois episódios e "nhé",vi uns três capítulos de Hannibal e não me cativou. Podia pegar em True Detective, Sons of Anarchy, Fargo ou Masters of Sex, mas a verdade é que nunca vi essas séries nem as mesmas me puxam muito. Ainda tive Fringe (gostei muito, mas...), House (errrr...) e Dexter (cruzes, credo!). Claro que ainda tenho Sherlock (quando temos direito) e a cada vez mais incrível The Good Wife (que eu amo), mas Lost era... Lost!
O certo é que, gostando do final ou não, dos caminhos fantasiosos pelos quais se meteu e um ou outro engonhar da história, Lost merece ser recordada e celebrada como um dos mais originais, criativos, bizarros e admiráveis esforços que a Televisão já ofereceu. Que muitas outras tentem até hoje replicar o seu efeito é só mais um atestado de toda a sua qualidade.
Tenho saudades daquela maldita Ilha.
ALERTA DE SPOILER! Este texto contém informações relevantes, pelo que é aconselhável a sua leitura caso estejam a par da exibição norte-americana.
How I Met Your Mother - última temporada
Era uma vez uma sitcom que apareceu meio que despercebida em 2005. Na ressaca de Friends, tinha todo o clima desta última mas com uma engenhosa particularidade: a história é contada por Ted Mosby em 2030 aos seus filhos sobre como conheceu a mãe destes. Isto permitia que a estrutura narrativa assumisse o ponto de vista de Ted e tínhamos flashbacks, histórias paralelas, versões contraditórias, saltos temporais, enfim, uma miríade de coelhos na cartola na forma de como contar uma história. Era divertida, envolvente, carismática. Infelizmente, não era um estrondo de audiências. Mas, caramba, era realmente boa.
Até que algo engraçado aconteceu: a série tornou-se um sucesso – e como tudo o que faz sucesso é para manter (ainda para mais no canal que renova incessantemente coisas como The Big Bang Theory e CSI's e as suas crias), a série foi-se esticando, enfiou-se por caminhos erráticos, a qualidade caiu abismalmente e a piada inicial já era uma memória distante brevemente trazida à tona com um ou outro episódio bem esgalhado. Parecia que a tal Mãe nunca chegaria e não havia fim à vista.
É então que no final da 8ª temporada – quando eu estava pronto a desistir – eles decidem revelar quem é a dita cuja e o meu coração encheu-se de esperança. A mim não me bastava saber só como ela e Ted se conheceram: eu queria conhecê-la a fundo, queria vê-la a enturmar-se no grupo, perceber como Ted, após tantas aventuras e desventuras no campo amoroso, iria ver nela a recompensa por tantos dissabores e porque raios afinal ela seria a Tal! A aleatoriedade de poder ser qualquer uma não me satisfazia e eles teriam uma temporada inteira para preparar o terreno.
Nisto, os produtores decidem encapsular toda a derradeira temporada num único fim de semana – o do já anunciado casamento de Barney e Robin – e a série enterrou-se de vez. Sim, o final foi uma revoltante porcaria e seria-o mesmo que os 22 episódios anteriores tivessem sido brilhantes. Como o ano foi simplesmente terrível, este desfecho não fez muita mossa, pelo menos para mim. Prémio de consolação: não foi tão tenebroso como o final de Dexter.
A ideia do fim de semana já seria um erro à partida e não foram precisos muitos episódios para que execução da mesma se mostrasse pouco inspirada: Marshall passa metade do tempo afastado do grupo, Robin e Barney duvidam e duvidam e duvidam e duvidam e duvidam do passo gigantesco que é o matrimónio, a Mãe ficava capítulos sem aparecer, as participações especiais eram mal aproveitadas (o que fizeram – ou melhor: não fizeram – com a grande Tracey Ullman devia dar cadeia), e Ted, coitado, eternamente naquele limbo de ver os amigos a seguirem com as suas vidas e ele a ficar para trás. E não posso deixar de mencionar o episódio feito somente com rimas, um dos maiores lixos televisivos que já presenciei.
Enquanto isso, o pouco tempo de antena a que a Mãe tinha direito só acentuava a frustração do planeamento da temporada: desenvolvida como um "Ted com vagina" e atirada para anos de reclusão devido a um trauma terrível enquanto a sua alma gémea por encontrar divertia-se mesmo em depressão ou encalhado (um postura conservadora e machista dos produtores), a Mãe tinha a sua definição limitada a "mulher ideal para Ted" e mais nada. O que era uma pena já que quando ela e Ted partilhavam momentos em comum, Cristin Milioti inspirava simpatia imediata, tinha excelente química com Josh Radnor e bom timing cómico. Convinha ver mais dela, saber mais dela, que ela interagisse mais com o grupo, mas nada disso aconteceu. A esta altura, eu até já aceitava que eles investissem no velho cliché do "odeiam-se, mas amam-se no fundo", ao menos acompanharíamos a Mãe durante mais tempo.
Eles tinham a hora final para remediar isto. Ted ainda não se tinha cruzado com a "mulher da sua vida" (o que custa escrever isto agora, mas já lá vamos) e o casamento mais custoso da história da TV já se tinha realizado. E, mesmo com expectativas baixas, eles conseguiram estragar tudo.
Mais preocupado em atirar novos problemas para cima das personagens do que em fechar as pontas soltas, o final salta apressadamente ao longo dos anos para nos dar novas informações: Lily e Marshall estão de volta de Itália (e nem uma menção a isto) e ele, após ter perdido a oportunidade de ser juiz, vê-se encurralado num trabalho ingrato; Barney e Robin divorciam-se em três anos (Sim! O casamento que nos atiçaram durante anos e ao qual dedicaram uma temporada é desfeito aos 10 minutos do episódio seguinte!); Robin é uma estrela mundial das notícias e mal tem tempo para os amigos pois está sempre a viajar; e Ted vive pacatamente com a Mãe – cujo nome é Tracy.
Quando Barney reúne o grupo no bar e fica histérico com a possibilidade de reviver velhos momentos, confesso que não consegui conter um sorriso de nostalgia... apenas para este me saltar da cara e nunca mais voltar com o que veio a seguir: Barney volta a ser o mulherengo do costume e insiste para que o deixem "ser como ele é" numa negação clara e idiota do crescimento que ele sofreu nos últimos anos. Para mostrar, porém, que todos têm de crescer (embora isto já fosse estabelecido), Barney cumpre o desafio de dormir com 31 mulheres em 31 dias – e engravida a última, sendo obrigado a assumir a responsabilidade da paternidade. Reparem que isto foi feito estupidamente ao longo do episódio final: Barney amadureceu. Afinal, não. Ups, agora vai ter de se portar como crescido. Não tem piada. É triste, é imbecil e não faz sentido. Mas, acima de tudo, não tem piada!
O pior, claro, estava por vir. Ao longo do episódio percebi porque era imperativo (para os argumentistas, claro) que nós, espectadores, e o grupo não conhecêssemos a Mãe a fundo. A ridícula reviravolta final diz tudo. Não falo do facto de a Mãe estar morta no futuro: essa hipótese já fora levantada há uns dois anos e a própria série encarregou-se de atirar pistas nesse sentido. E até não seria mal de todo uma vez que daria a justificação perfeita para que Ted conte a história aos filhos e acabaria a comédia num tom agridoce, mas de dever cumprido.
Contudo, não é dessa "reviravolta" que falo: a Mãe nunca foi o amor da vida de Ted, mas sim Robin. Os filhos de Ted ouvem toda a saga e, de forma bem relaxada para quem acabou de saber a história da mãe defunta, instruem o pai a reatar com Robin. O crítico Alan Sepinwall relata tudo aqui. Muito resumidamente: este sempre foi o plano dos criadores. A cena com os filhos estava filmada desde o início da segunda temporada e eles decidiram ater-se ao plano inicial – mesmo que tudo o que tenham feito entretanto contradiga o que nos foi mostrado na hora final. A história nunca passou pelo encontro com a Mãe e as motivações do espectador são atiradas pela janela. A identidade da Mãe nunca interessou: ela é irrelevante na sua própria história. A própria jornada para a encontrar nunca interessou: por mais que tenham dito e mostrado que o binómio Ted-Robin estava ultrapassado, afinal nunca esteve – mesmo que estivesse. O que interessava é que Ted encontrasse a felicidade: ok, concedo esta, mas sempre ficou explícito que ele seria feliz ao lado da Mãe e que Robin estava fora da equação.
Fica a impressão que, como Robin não quer ter filhos (e, posteriormente, não os pode ter), a Mãe foi apenas a ponte para que Ted pudesse realizar o seu desejo de ser pai e, uma vez morta, pudesse voltar a insistir numa relação amorosa falida. A forma como os argumentistas manipularam as peças para chegar a este ponto roça o sadismo e a desconsideração pelos fãs – e não admira que a Internet esteja em polvorosa com todo o ódio dirigido ao final. Para quê insistir no casamento de Barney com Robin? Porquê dedicar toda uma temporada – e uma fraquíssima temporada – a algo que eles sabiam que não iria durar?
Mais sádico que isto só se tiver visto as primeiras temporadas recentemente – e foi isto que fiz após apanhar uns quantos episódios na Fox Life. Deu para compreender porque me viciei na série e a aguentei por tanto tempo, sempre olhando para o fundo do poço à espera que ela se reerguesse.
Se How I Met Your Mother se encerrasse naquela bonita cena da estação, talvez os produtores se safassem mesmo com todas as asneiras cometidas. Ao arrastarem Ted para a porta de Robin com a trompa azul, só cavaram mais fundo no buraco onde se enfiaram.
ALERTA DE SPOILER! Este texto contém informações relevantes, pelo que é aconselhável a sua leitura se estiverem a par da exibição norte-americana.
Há uma lei que não está escrita em lado nenhum, ninguém reclama a sua autoria e todos conhecem. Não foi algo estabelecido no tempo; foi-se aperfeiçoando ao longo dos séculos, passando por gerações e por variadas formas de suporte na técnica de "contar narrativas" (ou storytelling em inglês). A lei: quanto maior for o fator humano da narrativa, maior o impacto desta. Por muito elaborada que seja a história, por mais reviravoltas que tenha, por muito que os aspetos técnicos deslumbrem, nenhuma história se sustenta no tempo a menos que a identificação do espectador com o elemento humano (ou antropomorfizado) seja estabelecida e reforçada a um certo grau.
O ponto de partida é incrivelmente simples: por mais canalha que seja, o protagonista terá sempre algo com que nos relacionamos e é a nossa esperança no seu processo de humanização (e de o acompanhar) que nos leva a descartar as suas falhas em prol daquilo que ele tem de nobre – mesmo que o contexto lhe seja adverso (daí que a trajetória tenha mais importância que o desfecho). Um mafioso implacável com ataques de pânico; um brilhante médico quebrado física e emocionalmente; um assassino em série em busca da integração na sociedade; uma adolescente com superpoderes e piores problemas na transição para a vida adulta – premissas que, por mais fantasiosas que sejam, tornam estes indivíduos caros ao público e despertam o seu interesse. Há exceções, claro: basta ver como o quarteto de Seinfeld abraçava as facetas mais podres da natureza humana e não havia o mínimo esforço em torná-las mais simpáticas aos nossos olhos – e ele funcionava tão bem não só por ser contracorrente, mas principalmente por se inserir numa comédia. Levados a sério, Jerry, George, Elaine e Kramer seriam encarados como seres desprezíveis.
Mas... e se alguém invertesse o paradigma? Pegar num bom moço e transformá-lo num monstro?
Sempre mais disposto a experimentalismos, o Cinema faz isto há décadas: retratar a tragédia do processo de corrupção da índole individual ou coletiva. E fazer isto num meio mais limitado como a Televisão? Com os seus intervalos publicitários, a história fragmentada em episódios semanais, a necessidade de estabelecer temporadas que abarcam anos e sustentar o interesse comercial? Como fomentar a curiosidade do espectador típico que ao mínimo estímulo desvia a atenção (e nunca a Televisão teve tanta concorrência como agora) e poderá nunca mais voltar? Seria possível? Estaria o público disposto a acolher um conceito assim?
Pois bem: Breaking Bad tornou-o possível. E mais: fê-lo com mestria.
Criada por Vince Gilligan, Breaking Bad é a história de Walter White, um pacato professor de química que é diagnosticado com um inoperável cancro do pulmão e decide enveredar na produção caseira de metanfetaminas para assegurar o sustento futuro da sua família. Com o tempo Walter vai mergulhando no mundo do crime até se tornar uma lenda viva ao lado de Jesse Pinkman, um antigo aluno seu, e enfrentar uma série de situações de risco que o irão opor a gangues rivais, a brigada dos narcóticos e até a sua própria família.
Uma das surpresas que tive ao acompanhar a série depois de tanto hype foi perceber que Walter não se torna naquele badass todo que me apregoavam. Sim, ele diz umas frases de efeito ameaçadoras, consegue ter uma postura intimidante, é extremamente inteligente e cada vez mais seguro das suas decisões e dos seus atos enquanto escala a hierarquia do crime. O sujeito, porém, também hesita, comete erros, sofre na pele, depara-se com dilemas de resolução impossível e entra em pânico diante das adversidades. Isto diz muito da cuidada trajetória que a personagem percorre ao longo de cinco temporadas e é apenas um exemplo da imensa complexidade de uma série que funciona essencialmente como um belíssimo estudo de personagens.
Contudo Gilligan é um tipo esperto. Ele estabelece que Walter poderia ter uma escapatória – bastava querer. Quando os seus ex-sócios da Gray Matter oferecem-se para pagar os tratamentos, Walter recusa por orgulho. Quando já amealhou o valor estimado por si para garantir a sustentabilidade da sua família, Walter continua a produzir drogas já com a casa dos milhões de dólares em vista. Depois de eliminar Gus Fring e salvar todos os que lhe eram próximos, Walter teve a oportunidade ideal para saltar fora – e decidiu ir mais fundo, não pelo "dinheiro" ou o "negócio" mas pelo "império". Poderia ter preservado um aliado valioso como Mike, mas assassinou-o num acesso de fúria motivado pelo seu orgulho (claro) e sem necessidade (como ele constata logo a seguir). Desta forma, a desculpa da família perde sentido ao mesmo tempo que Walter se torna mais frio, distante e cruel. A sua tragédia é estar sempre no fio da navalha de perder tudo aquilo que – segundo ele - o levou a cozinhar cristais.
Claro que a vilania de Walter só é devidamente percecionada com os efeitos nefastos naqueles que o rodeiam. Jesse não consegue suportar o peso dos crimes nos quais participou e é uma autêntica marioneta nas mãos de Walter. A relação deles é fascinante: ora servem como apoio mútuo ora como um empecilho, a dupla desenvolve uma dinâmica de codependência que leva o espectador a compreender porque Walter não descarta o jovem ou porque este não se afasta da figura monstruosa de Heisenberg (o alter-ego de Walter no submundo do crime). O professor serve como a figura paterna que Jesse tanto necessita e Jesse é uma espécie de filho adotivo, o último pilar da humanidade decrescente e corrompida de Walter, além de que, como é facilmente manipulável, o rapaz é um parceiro de negócios de inegável valor – e Aaron Paul é impecável ao demonstrar todas as facetas de Jesse (a ingenuidade, a perspicácia, os remorsos).
Mas se há trajetória e personagem que consegue rivalizar com a de Walter – e sei que aqui vou ser um pouco polémico – ela é Skyler White. Inicialmente mostrada como demasiado controladora do marido (o que é compreensível dado o seu cancro), Skyler atravessa uma jornada emocional intensa ao saber dos negócios de Walter. Como Skyler ocupa a posição de esposa (não esquecer a "desculpa" da família) ela é também o maior obstáculo que Walter enfrenta. Ela, sim, faz o que faz para proteger a família. Até tornar-se cúmplice dos negócios e aconselhar Walter devidamente sobre como lavar dinheiro. Quando ela trai o marido com o patrão e atira-lhe isso de forma seca, toda a gente pensou "Que vaca!". Se Skyler é uma "vaca", Walter é o quê? Ela só faz isso como uma maneira agressiva de conseguir o divórcio de Walter e pôr os filhos a salvo e, só mais tarde, ela toma noção das proporções gigantescas dos negócios. E o que lhe acontece? Torna-se praticamente uma refém na própria casa e vítima de abusos psicológicos de Walter.
Juro que não percebo o desdém por Skyler. "Ah, mas ela bem que usufruiu do dinheiro!". Ora, quem não se aproveitaria das comodidades trazidas pela riqueza? Quantas vezes ela não alertou Walter do perigo que a família corria? Que o dinheiro era mais do que suficiente? Skyler é odiada por meio mundo porque ela é uma ameaça ao sucesso de Walter. Estamos tão condicionados a nos identificar com o protagonista que os fãs tomam-na como mesquinha e castradora do (anti-)herói – uma visão tristemente machista da realidade. Walter é o vilão, ponto. Quem se agarra à ideia de que "foi tudo pela família" não acompanhou a série com o devido olhar. Há muito que Walter estava além de qualquer tipo de redenção e nesta reta final pudemos presenciar as sequelas devastadoras da sua carreira no mundo das drogas. Mesmo que ele tenha abandonado os negócios com o regresso do cancro, o mal já estava feito.
Muitos, porém, não conseguiam assimilar isto. Os problemas tinham de ser solucionados, Walter tinha de dar a volta à situação. Era por ele que se torcia e Skyler, Jesse, Hank e outros tinham mais era que se dar mal porque cometeram o pecado de em algum momento o enfrentar – e automaticamente se transformavam num impedimento à consagração do "herói". Mas esta não era a história que Gilligan tinha em mente e o final transmitido esta semana veio comprová-lo. Depois de tantas mortes, de ser descoberto, de ficar sem a fortuna, de ver a sua família cair em desgraça e fazer com que Jesse se tornasse um escravo fabricante de metanfetaminas, só a morte esperava Walter. A morte e não a redenção – a própria personagem reconhece isso quando admite a Skyler que tudo o que fez foi "por ele", para alimentar o seu ego e o seu orgulho, e não pela família ou para encher os bolsos. De professor miserável e indivíduo patético, Walter tentou a ascensão com o seu génio para a química apenas para destruir tudo o que havia construído em 50 anos de vida. E deixar um rastro de sangue atrás dele.
Eu admiro Walter White... como personagem de ficção. É multifacetada, ambígua, tem um intelecto assinalável e é o papel da vida de Bryan Cranston (o que só me faz lamentar como o ator é tão desperdiçado nas escolhas que faz na sua carreira no cinema). Como ser humano, Walter White é um ser repugnante e com uma moral distorcida. Ninguém mentalmente são torce por uma pessoa assim. Na maioria das vezes, Walter é digno de pena: como alguém pode desperdiçar tanto o seu potencial?
E é por esta razão que Breaking Bad é ouro televisivo. Obriga-nos a ponderar, a pôr em perspetiva, a avaliar, a reavaliar, a achar que apanhamos tudo e no momento seguinte voltamos à estaca zero e repetimos o processo. Outra vez. E outra vez, e outra vez. No desfecho todas as pontas são amarradas, os conflitos são resolvidos (se é que havia resolução possível) e a história encerra-se exatamente onde teria de acabar. Se há um "defeito" (e uso o termo à falta de melhor) no final é este ser precisamente aquilo que se esperava, de não haver surpresas na última curva, é simples e direto. No entanto, o encerramento dá continuidade lógica aos acontecimentos; não poderia ser de outra forma. Até porque depois do turbilhão emocional do episódio 5x14: Ozymandias dificilmente se atingiria aquele pico de excitação e brilhantismo. Numa visão cínica, esse episódio poderia servir como um final mais do que apropriado. Mas Walter tinha de sofrer. Gilligan queria que víssemos e sentíssemos o seu sofrimento. E percebêssemos que este era mais do que justo. Redutoramente justo, entenda-se.
A série não é perfeita. Claro que houve coisas que não gostei. O arranque tem um ritmo demasiado "lento" para o que se espera da uma temporada de estreia; a parte de Marie ser uma cleptomaníaca era dispensável; detestei o clímax do segundo ano lá com a queda do avião a justificar toda uma temporada à espera do que significaria aquele urso rosa; os irmãos ou primos ou lá o que são com movimentos sincronizados eram ridículos (isto é Matrix Reloaded agora?). A série só me agarrou de vez a partir da terceira temporada (quando acontece o ataque ao Hank) e daí é sempre a crescer. Também não gostei da expansão dos negócios para a Europa ser retratada numa única sequência; achei o regresso do cancro e a mudança de Walter brusca; também torci o nariz quando Hank, sempre mais sagaz do que supúnhamos, descobre o segredo numa cagada. E, óbvio, há umas quantas cenas que põem à prova a nossa suspensão de descrença (mesmo no final com aquela metralhadora rotativa).
Todavia isto são pecadilhos perfeitamente desculpáveis diante de tudo aquilo que a série consegue alcançar. Eu poderia abordar os fartos simbolismos da história, a imagética irrepreensível, os planos de câmara inusitados, o esquema de cores, o design de som, a tensão quase palpável de certos momentos, as atuações, os diálogos, a estrutura narrativa altamente cinematográfica e muito mais, mas para isso existem centenas de sites e milhares de artigos que dissecam a produção de uma maneira que eu nunca ousaria fazer. Basta dizer que Breaking Bad é digno de todos os elogios e um dos mais gratificantes e fascinantes entretenimentos que já passaram pelo pequeno ecrã.
Como nunca vi todos os episódios ou todas as séries já produzidas, incomodam-me questões do tipo... mas vale perguntar: será Breaking Bad a melhor série já feita? Talvez. Será a minha favorita? Não. Há uma certa ilha no Pacífico Sul que ainda me arranca suspiros de saudade.
Mas não se enganem: isto foi História a ser escrita. Quem não descobriu está a passar ao lado de uma dos mais portentosas obras do universo do audiovisual.
Como foi bom acompanhar a queda de Walter White.
ALERTA DE SPOILER! Este texto contém informações relevantes, pelo que é aconselhável a sua leitura se estiverem a par da exibição norte-americana.
Dexter - última temporada
Dexter acabou ontem num final espetacularmente mau que veio coroar uma temporada absolutamente imprestável. Na verdade, a série já havia acabado há muito, mas só agora foi decretado o óbito. Outrora fascinante, Dexter virou uma piada. Comecei a acompanhar logo após a incrível quarta temporada. Hoje afirmo sem problema: antes nunca tivesse começado. Cada temporada conseguia ser pior que a anterior, os episódios tornaram-se testes de paciência e atentados ao bom senso, e as personagens viraram marionetas em cada decisão ridícula tomada pelos argumentistas – estes, sim, merecedores de irem parar à mesa do serial killer.
Se a execução das temporadas anteriores já deixava a desejar, ao menos havia potencial na história: sempre em busca da aceitação e integração plena do seu caráter psicopata, Dexter envolveu-se com alguém que vislumbrava algo de nobre nas suas matanças (Lumen), tentou abraçar a religião como modo de escape (na sexta – e pavorosa – temporada) e, depois, ter de lidar com uma Debra acabada de descobrir o seu segredo (ainda que com um ano de atraso) e que mergulha no desespero de ter de decidir em proteger o irmão ou ser cúmplice dos seus atos, numa sétima temporada tão podre e desinteressante que perdi a vontade de escrever sobre ela. Chegados ao último ano e com as expectativas a dar os últimos cartuchos para que a série ainda revelasse algum engenho, Dexter logo as destrói ao avançar seis meses no tempo e poupar o espectador das consequências imediatas da morte de LaGuerta ao mesmo tempo que apresenta Vogel (uma desperdiçada Charlotte Rampling), a psicóloga que, juntamente com Harry, desenvolveu o Código que guia (guiava!) o comportamento homicida de Dexter. O facto de Vogel nunca ter sido mencionada anteriormente e de a sua influência na conduta de Dexter ser supostamente enorme só nos leva a crer que, como estamos na derradeira temporada, há que incluir um elemento que remeta ao passado e se faça aquilo a que se chama "fechar o círculo".
O problema é que Vogel é um mero artifício cuspido na narrativa que nunca é desenvolvido de forma orgânica – e basta ver a temporada final de Breaking Bad e até outras séries para perceber que estes elementos só funcionam se enquadrados naturalmente para que haja a perceção de que as pontas estão ser amarradas satisfatoriamente e não convenientemente (a diferença é brutal, acreditem). Para isto também contribui a dinâmica errática estabelecida com Dexter que ora o apoia, ora o reprime, ou então tenta ajudá-lo em relação a Deb, mas não para injetar ambiguidade na psicóloga e torná-la tridimensional e sim porque é mais conveniente para as cabeças pensantes (?) que escrevem isto. Já as histórias secundárias inúteis que sempre foram um dos pontos fracos da série aqui ganham uma dimensão gigantesca com a filha do Masuka, a prova para detetive do Quinn, a vizinha do Dexter, Elway e o seu gabinente de investigação, o amor de Debra e Quinn (como este tipo sobreviveu a seis temporadas sem acrescentar nada?), Jamie e a sua função robótica de babysitter e, claro, Harrison – o pior ator infantil de sempre.
Não dá para perdoar uma temporada que tem uma cena tão vergonhosa como esta, pois não?
Mas há mais. As coisas são orquestradas de maneira tão trapalhona que não há como não ficar constrangido. O regresso de Hanna, uma das piores adições da temporada transata, é ridículo: uma fugitiva de renome que quer fugir para a Argentina com Dexter tendo de passar por um aeroporto – sem esquecer a questão dos vistos de residência – onde qualquer um a pode reconhecer já que esta nem a aparência altera (nem sequer pinta o cabelo de outra cor). Ou talvez ela já tenha percebido que a cidade de Miami é servida por instituições povoada por incompetentes visto que não bastava a Miami Metro e os seus oficiais imbecis, ainda tem o pior hospital da Televisão onde qualquer um entra e sai com um cadáver sem ninguém questionar nada. E não posso deixar de lembrar que esta é a série na qual Dexter rapta, mata (com quarto cheio de plástico e tudo) e foge com o corpo de um assassino... de um aeroporto!
Peguem neste último episódio e situações do género encontram-se em todo o lado. Notem a cena mal filmada e pior editada em que Dexter confronta Saxon no hospital: num momento aquilo está às moscas, noutro já se encontra a correria normal numa unidade de saúde. Ou quando Hanna injeta Elway com um soporífero para que este não a persiga. Mas como? Ele não morre, eventualmente vai acordar e sabe para onde ela se dirige – para a tal estância balnear chamada Argentina (juro que de cada vez que diziam Argentina naquele tom idílico só me apetecia esmurrar o ecrã). Recuem uns episódios e reparem na cena em que Debra faz com que ela e Dexter se despistem. O que foi aquilo? Quais as consequências? Ninguém diz nada? Não: Dexter amua e recrimina a irmã por quase ter deixado o sobrinho orfão. No final, Dexter abandona Harrison aos cuidados de uma fugitiva que assassina os maridos por frustação e num país estrangeiro. Astor e Cody devem estar a pensar: "Ei, nós não tínhamos um irmão?".
Nada funcionou nesta temporada: as visões de Harry só serviam para martelar informações; as narrações de Dexter só salientavam o óbvio; Debra aceita o regresso de Hanna com bastante facilidade; aquele aprendiz de psicopata era uma tristeza; e o The Brain Surgeon, o grande vilão, era patético com os seus olhos esbugalhados e expressão rígida como se estivesse numa infindável partida do jogo do sério. Nem para uma temporada final conseguiram criar o mínimo de clima de tensão pelo destino das personagens e, quando Debra morre, recebi tudo aquilo com frieza. Eu simplesmente já não me importava com nada de nada. Só queria que o tormento acabasse. Eu acredito que mereço cometer um delito por ter acompanhado tamanho lixo. Sei lá, insultar velhinhas na rua, roubar doces de uma loja, esbofetear putos birrentos, qualquer coisa.
Mas como não há nada que não possa piorar... o que foram aqueles minutos finais?? Quem é que se lembrou de tal ideia? Ao menos deixavam-no morrer naquela tempestade de péssimos efeitos especiais. Seria mais digno. Agora fazer de Dexter um solitário lenhador... hahahahaha!
Dexter é uma excelente série de 4 temporadas. As restantes só para quem sofra de prisão de ventre.
ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Há quase três anos, na ressaca do final de LOST, pedi que me aconselhassem uma nova série que preenchesse a minha necessidade de uma narrativa televisiva semanal inteligente. Indicaram-me Fringe avisando para ser paciente com a primeira temporada que na segunda a história começaria a carburar. Meu dito meu feito: ainda demorei a acabar o primeiro ano, mas devorei o segundo em poucos dias e os poucos episódios do terceiro que me faltavam até chegar à exibição norte-americana também foram despachados em pouco tempo. Fringe era um oásis numa televisão recheada de enlatados criminais e dramas clínicos: com personagens cativantes e uma mitologia riquíssima (algo que divide com a série da Ilha mais famosa da TV), a série era uma ficção científica de primeira categoria que não se acobardava diante dos desafios proporcionados pela sua narrativa - e quando a guerra com a realidade paralela se tornou uma realidade, a série tornou-se numa montanha-russa de emoções que espremia ao máximo as possibilidades dos seus conceitos absurdos.
O preço a pagar por não subestimar a inteligência dos espectadores foi o óbvio: audiências pífias e a ameaça do cancelamento nos últimos anos. Como a série não atraía as atenções de um Emmy ou de um Golden Globe e a base de fãs era pequena (embora fiel), é quase um milagre que Fringe tenha conseguido atingir cinco temporadas e a marca de 100 episódios – o que é ainda mais espantoso vindo de uma estação aberta (mais sensível ao impacto nas audiências) como a FOX, conhecida pelas suas decisões de fechar a torneira prematuramente a produtos de fantasia e ficção científica sem nenhum voto de confiança, algo que Fringe beneficiou várias vezes (apesar de, na minha opinião, isto ter influenciado negativamente os rumos da história). Assim, antes de mais há que congratular toda a equipa pelo esforço em manter no ar e conseguirem completar uma arriscada produção que, para salvar a pele, bem poderia basear-se em episódios isolados e personagens unidimensionais como acontece na maioria dos casos na televisão atual.
Antes de passar para o final propriamente dito, convém fazer uma recapitulação do ponto onde deixei de comentar a série semanalmente por absoluta falta de tempo: com a busca das cassetes com partes do plano para derrotar os Observadores em curso, Peter implanta em si o dispositivo que fornece aos vilões as suas extraordinárias capacidades, o que, claro, opera no sujeito uma crescente metamorfose que diminui a usa humanidade em prol de uma inteligência e perceção superior que o aproxima da apatia e frieza daqueles que deseja aniquilar. Isto trazia dois problemas: com Peter superpoderoso e capaz por si só de vencer os Observadores, todo o esquema das cassetes e o tempo perdido com elas tornar-se-iam redundantes. A solução encontrada foi trazer Peter de volta à normalidade através da sua relação com Olivia e, por mais que tenha gostado da maneira como isto ocorreu (quando Fringe apela para o lado emocional consegue ser bem lamechas, mas a forma como Olivia recorre ao luto de Etta para resgatar Peter foi simplesmente comovente), não posso deixar de ficar desiludido uma vez que preferia acompanhar a queda do nosso herói no lado negro pela salvação da raça humana do que ficar à espera das informações da cassete seguinte.
Voltámos, então, à rotina de antes: recuperar artefactos que pudessem auxiliar no plano final. Ao mesmo tempo, Walter lidava com a "regressão" da sua personalidade para o tempo em que a sua megalomania deitou tudo a perder; sacrifícios foram feitos (a despedida de Nina Sharp foi sensacional); soubemos mais sobre os Observadores, sendo que Windmark, o chefão, tem de responder a um superior muitos anos no futuro (e lança o interessante conceito de "protocolo temporal" que deve ser respeitado); e Michael, o rapaz observador visto na primeira temporada, revela-se como peça fundamental para a missão dos nossos heróis. Filho de Setembro (despojado das suas habilidades devido às suas interferências na linha temporal), o rapaz trata-se de uma anomalia genética na linhagem dos Observadores e que, para sua proteção, foi enviado para o passado antes que pudesse ser detetado e eliminado.
Mas o que tem Michael de tão diferente? Tal como o pai, ele alia o seu intelecto superior a uma compreensão das emoções que regem os comportamentos humanos – e se Setembro tinha alguma dificuldade em compreendê-las (embora não as negasse), o seu filho demonstra entendê-las na sua plenitude, tanto é que através de lembranças projetadas em Walter que este consegue descortinar que o obscuro Donald é o próprio Setembro, haja visto a amizade que cresceu entre os dois. Desta forma, Fringe continua a pavimentar o caminho que sempre guiou os seus rumos: a parentalidade como definidora do nosso caráter e catalisadora das nossas emoções mais extremas. O poder de Michael, aliás, vai muito além dos seus companheiros de espécie como visto na cena em que Windmark o tenta interrogar e acaba por sofrer dos efeitos secundários recorrentes da extração de memórias.
O plano em si sinceramente... deixou-me dececionado. Já se sabe que cada uma das partes teria a sua função, mas vê-lo a ser posto em prática por uma sugestão milagrosa de Astrid revela que o mesmo talvez não tivesse sido tão bem pensado quanto isso. E com tão pouco tempo até o encerramento, era óbvio que nada iria correr mal: enviar Michael para o futuro para demonstrar que esta "anomalia" pode ser uma bem-vinda evolução cognitiva dos Observadores e estes não precisariam de ser criados sem emoções e, deste modo, a invasão de 2015 poderá ser evitada. Walter acompanha o miúdo devido à morte sem sal de Setembro e também para não se tornar um paradoxo temporal capaz de pôr em risco todo o plano – confesso que esta parte não percebi muito bem. Se Walter redesenhasse a linha do tempo, por que raio se tornaria numa ameaça ao sucesso da missão? Ao reescrever tudo, nunca haveria invasão, cassetes, planos, mortes e afins e o cientista seguiria confortável a sua vidinha. A cassete com a revelação de Walter para Peter foi um momento poderoso entre os dois, mas não faz qualquer sentido já que, se tudo corresse como previsto, ela jamais seria vista.
Por outro lado, lembraram-se de algo com o qual me questionava há imenso tempo: o Lado B. É através dele que Olivia resgata Michael dos Observadores e como foi bom rever Altivia e Lincoln. Ao longo do episódio final, vários são os momentos que remetem para outros capítulos da série como a droga alucinogénia que simula borboletas mortais, os isótopos radioativos, balas de antigravidade e por aí fora. E, claro, o regresso do cortexiphan, cujas doses maciças injetadas em Olivia permitem-lhe não só cruzar os universos como também ter um acesso de fúria e matar Windmark antes que este se teletransportasse completamente. No entanto, a informação mais importante da conclusão foi sabermos que a expedição que incluía Setembro continha 12 Observadores (cujo nome de código refere-se a cada mês do ano), sendo que este grupo inicial afeiçoou-se de tal maneira à natureza humana (lembrem-se que Agosto morreu por se ter apaixonado por uma humana e Setembro salvou Walter e o jovem Peter do lago por compaixão) que acabam por conspirar contra o reinado de opressão chefiado por Windmark.
O plano corre bem: Michael e Walter vão para o futuro e a linha do tempo é reescrita. Tudo o que vimos referente à quinta temporada (mais o episódio 4x19) não aconteceu. A invasão foi impedida e os Observadores não existem... pelo menos não da maneira como os conhecíamos. Assim, como Peter pode estar são e salvo junto de Olivia e da pequena Etta a usufruir de uma tarde no parque? Duas hipóteses:
Não foi a melhor das temporadas (creio que até foi a menos boa de todas), mas foi um encerramento digno. Como já referi, ter chegado aqui foi um milagre: a indecisão do cancelamento criou uma abrupta reviravolta da terceira para a quarta temporada, originou um final insatisfatório a apressado para esta última e levou a uma temporada final mais curta que, mesmo sem os rasgos de criatividade de outrora, encerrou as pontas convenientemente. Olhando para trás, há que saudar a competência e coesão de Fringe (algo a confirmar numa futura maratona), com uma primeira temporada a plantar as sementes de forma cuidada e lenta (ah, os casos do Padrão!) para injetar fôlego num segundo ano a fazer a ponte para a explosão de ousadia e qualidade narrativas vistas na temporada 3 (ainda a minha favorita). A quarta começou devagar, mas depois arrancou de vez com mais mistérios, nós no cérebro e respostas ansiadas há muito. Esta temporada voltou a mexer na estrutura da série: foram-se os casos da semana e ficava a missão de derrotar os Observadores.
E, no meio disto tudo, o que não falhava era a fabulosa galeria de personagens e os seus dramas: Olivia e o seu distanciamento emocional devido a experimentos científicos e a um pai abusivo; Walter e o seu complexo de Deus transformado em remorso que o levou a operar o cérebro, o que lhe forneceu uma deliciosa infantilidade; Peter e a sua gradual e comovente reaproximação do pai. E, claro, os secundários: Astrid, Broyles, Nina, Setembro, William Bell, David Robert Jones, os metamorfos, e tantos outros que pontuaram a narrativa – sem esquecer as contrapartes que habitam o Lado B com os seus dirigíveis, as Torres Gémeas intactas e a sua Estátua da Liberdade de bronze. Mais os conceitos absurdos e divertidos, a mitologia única, e temas universais como a relação pais-filhos, Destino versus Livre Arbítrio, a Ciência como algo a ser simultaneamente contemplado e temido.
E agora?
Agora olho à minha volta e não vejo nada de bom. Vejo séries de investigação que já devem esgotado o stock de homicidas dos EUA, dramas clínicos cujo emparelhamento romântico de casais já devem ter usado todas as combinações possíveis com o elenco disponível, produtos formatados para um público jovem que os consome sem perceber que subestimam e até insultam a sua inteligência. Acabou-se Fringe e não vejo uma série que me desperte aquele fascínio de dissecá-la, discuti-la, de exercitar o meu cérebro com cambalhotas até ele quebrar, com aqueles momentos "WTF?" ou "PQP!". Não vejo ambiguidade ou engenho (ok, berram-me aos ouvidos "Breaking Bad! Breaking Bad!" e eu juro que hei de lá chegar). Houve uma altura em que estreava a série com o rótulo de "novo LOST". Fringe apareceu nessa altura, foi caracterizada como tal (embora deva mais a Ficheiros Secretos do que a LOST) e daquela fornada foi a única artisticamente bem-sucedida.
E para todos aqueles que estão a fritar massa cinzenta à procura de uma explicação para a tulipa branca que Peter recebe nos derradeiros segundos, não pensem muito nisso. Se é um furo ou se há realmente uma justificação para aquilo, essa é a herança que Fringe nos deixa. Erro ou não, se Peter percebe o seu significado ou se Walter conseguiu sabe-se lá como enviá-la, a tulipa vale pelo simbolismo que encerra em si. E nada mais justo que nos despeçamos desta fantástica série com ela.
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Sim, eu sei que tenho quatro episódios de Fringe em atraso, mas nada temam: não abandonei a série nem estou desiludido com a mesma – muito pelo contrário. Tirando o terceiro capítulo com aquela foleirada de povo que registava tudo naqueles cubos e tomava uma atitude passiva perante os acontecimentos (como qualquer historiador) e cujo sacrifício daquele pai ao ajudar a Divisão Fringe já se antecipava a milhas do fim, os rumos tomados nesta reta final estão a agradar-me e muito.
A questão das cassetes de vídeo ainda me causa arrepios (eu pensei que elas estariam espalhadas pela cidade e não que estariam todas presas no âmbar), mas quanto menos pensar nisso melhor. A morte de Etta nas mãos dos Observadores foi surpreendente por acontecer tão cedo e por ser o estopim da revolução que Peter opera em si mesmo. Como Olivia já referira em conversa com o marido, o desaparecimento da filha de ambos fez com que Peter se agarrasse à ideia de a reencontrar e Olivia, já sem esperanças, preferiu reunir forças pela Resistência. Assim, não admira que ela adote uma postura mais distante durante o luto (totalmente condizente com a sua personalidade) e Peter embarque numa jornada de vingança e fúria com consequências imprevisíveis – e potencialmente desastrosas.
Claro que isto faz com que Anna Torv ande meia apagada, o que é compensado pelo show dado por Joshua Jackson na sua cruzada contra os Observadores: ao implantar o dispositivo que os torna tão poderosos, Peter é provavelmente o primeiro de todos os Observadores, algo que reforça ainda mais a sua importância no "grande esquema das coisas" e justifica a sua salvação quando quase se afogava logo após Walter o ter raptado do Lado B e o facto de ter "regressado" na quarta temporada. Desta forma, Fringe parece investir numa lógica circular tão comum em narrativas que lidam com viagens no tempo (e que tanto me fascinam) e parece mesmo disposta a fechar as pontas soltas de maneira coerente (o que pode ser comprovado com o ressurgimento daquele rapaz visto na primeira temporada e que, sabemos agora, sempre era um Observador).
Sempre disponível para mergulhar em ideias intrigantes, Fringe introduz o conceito de um pocket universe (ou mundo compacto para quem, como eu, leu banda desenhada a mais), um universo inserido nos limites de outro maior, mas que não pode ser acedido pelos meios normais e onde as regras da Ciência não funcionam da mesma forma (um exemplo famosíssimo é a Ilha de LOST), embora escorregue na tolice de fazer-nos acreditar que Walter guardaria exemplos de casos arquivados e confidenciais na cave do laboratório, apesar de a ideia de os usar contra os Observadores tenha a sua piada. E ainda que eu ache que a busca pelas cassetes não funciona na perfeição, tenho de tirar o chapéu pelo facto de a série conseguir equilibrar a sua continuidade narrativa com um aspeto que sempre a caracterizou: os casos da semana que acabam por ter uma ténue relação entre si.
No entanto, é o lado humano da série que ainda se destaca e se Peter faz uma jogada perigosa para derrotar os Observadores, é provável que isso lhe custe a sua humanidade – o reflexo do próprio Walter que, ao recolocar as partes do cérebro que lhe faltavam, vê-se a voltar a ser o homem que tanto abominava. Mais do que isso: ao tornar-se no potencial primeiro Observador, Peter percorre o mesmo caminho que Walter que, por motivos passionais (a morte do filho), tomou uma decisão catastrófica e deixou dois universos em pé de guerra. É um Peter moralmente dividido entre a sua integridade e a possibilidade de salvar tudo o resto que acompanhamos agora – um lugar onde Walter já esteve tantas vezes e que demonstra um dos temais preferidos de Fringe: a relação entre pais e filhos. Peter, inadvertidamente, está em vias de cometer os mesmos erros do pai.
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Fringe 5x02: In Absentia
A distância e frieza de Etta sempre me pareceram uma postura herdada de Olivia que, como bem sabemos, adotava características semelhantes para ocultar os seus problemas de confiança e projetar o seu profissionalismo como agente do FBI. Agora percebemos as verdadeiras razões destes traços da personalidade de Etta – e eles não poderiam ser mais lógicos: criada num mundo dominado pela tirania dos Observadores e que dividiu a raça humana numa autêntica guerra civil, a agente da Resistência encara a brutalidade ao seu redor sem a mínima compaixão, o que a leva a atos de crueldade capazes de a deixar no mesmo patamar daqueles que ela combate.
Assim, a surpresa e quase repulsa de Olivia ao não se rever moralidade distorcida da própria filha faz com que Fringe resgate aquilo que tem de melhor: o estudo daquelas personagens e das consequências dos seus atos. Para lidar, despistar e lutar contra o domínio dos Observadores, Etta perdeu a sua humanidade; o contrário torná-la-ia num alvo fácil de ser atingido numa guerra sem inocentes. Ao capturar e torturar barbaramente um Legalista (humanos que se juntaram à causa dos vilões), ela transparece tudo o que perdeu e o que foi obrigada a transformar-se – e é no reencontro com os pais que ela descobre motivos para se tornar num ser melhor, capaz de confiar e de demonstrar emoções.
É certo que o esquema das filmagens perdidas como registos do plano de Walter e de Setembro não é das mais originais (e ficarei aborrecido se, por razão nenhuma, a equipa as encontrar na ordem correta uma vez que não há indício do paradeiro das restantes), mas neste episódio Fringe mostra que ainda tem fôlego para, mais do que uma boa ficção científica, ser uma excelente crónica sobre como as circunstâncias nos definem como indivíduos.
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Fringe 5x01: Transilience Thought Unifier Model-11
Findo o temor do cancelamento que pairou durante dois anos, Fringe volta para uma última temporada composta por 13 episódios e cabe-nos agora desfrutar da derradeira jornada até nos despedirmos de vez. Depois do insossofinalda quarta temporada, retomamos os eventos vistos emLetters of Transitde forma rápida e objetiva: em pouco tempo, os dissidentes da Divisão Fringe já libertaram Olivia e preparam-se para pôr em ação o plano que levará à derrocada dos Observadores que, em 2036, controlam a humanidade com mão de ferro com vista à sua extinção.
Simples e diretas são também as explicações que preenchem os vazios sobre o que aconteceu nos últimos 20 anos: o que era feito de Olivia, por que Etta não ficou presa em âmbar e como isto afetou Peter e Olivia (na cena mais estranha e desnecessária do episódio, já que os produtores não se contiveram em criar uma cena mais emocional num capítulo recheado delas - e bastante superiores). O plano, engendrado por Setembro e "disperso" na mente de Walter, requer que um aparelho recuperado por Olivia (o tal unificador de pensamentos) para que o cientista se lembre de tudo e, ao mesmo tempo, despistar os novos vilões. O problema é que Walter é capturado e torturado, o que faz com que o plano vá por água abaixo – uma sequência que me recordou Matrix e a semelhante tortura infligida a Morpheus.
E já que referi nas cenas mais emocionais, o reencontro entre Olivia e a filha foi tocante e mostra o quanto Anna Torv tem crescido como intérprete, sendo apenas superada pelo inigualável John Noble que, no subtil e belo final do episódio, comove com a redescoberta do prazer da Música e a agonia de perceber que a harmonia inerente a essa arte não encontrar paralelo na sua mente fraturada.
Como é bom ter Fringe de volta!
ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Game of Thrones: temporada 2
Insultem o quanto quiserem, mas esta segunda temporada foi um aborrecimento terrível. Só para clarificar: eu não li os livros, não sei o que está igual, diferente ou foi adaptado, acredito que não seja fácil a transposição para o pequeno ecrã, mas Game of Thrones é uma série de televisão e é na televisão que tem de funcionar. Trazer as obras literárias para a discussão não faz muito sentido, uma vez que é pelo produto televisivo que aferimos se o trabalho final resultou ou não. Infelizmente, este segundo ano até me fez sentir mal por ter reclamado tanto datemporada anterior: a série é bem-feita, linda, cara, é da HBO, carregada de hype, promete o mundo, mas simplesmente não cumpre.
Tudo o que eu criticara antes tomou proporções gigantescas: excesso de personagens e falta de foco da narrativa. Há que dar tempo a todas em cada episódio e isso dilui o impacto dos acontecimentos. Quando a história começava a empolgar, saltavam para outro candidato ao trono e assim sucessivamente. O pior é que cada uma das narrativas paralelas parecem caminhar para lado nenhum: se já não suportava Jon Snow, vê-lo a deambular pelas montanhas com a sua patrulha atingiu o ponto de saturação. Ou Robb Stark muito revoltado com a mãe (outra que não serviu para nada) e a descobrir o seu amor por uma enfermeira. Ou então ver o chato do Theon a regressar a casa e a ter de provar o seu valor ao conquistar Winterfell. E sexo, muito sexo! E violência, muita violência! Se limassem estas cenas e desenvolvessem as personagens, talvez não fosse tão entediante.
O mais deprimente, porém, foi ver o que fizeram com Daenerys, cuja trajetória emocional havia sido um dos destaques do ano anterior que, não por acaso, encerrava com uma cena importante envolvendo a pretendente ao trono e os dragões recém-nascidos. Seria de supor que ela ganharia mais relevância, certo? Errado! Ela não faz nada a não ser andar de um lado para o outro com a lengalenga do "sou a verdadeira Rainha e preciso do vosso apoio que depois pago em dobro, juro pelo meu sangue e pelos deuses XPTO e dos que virão!" e, pelos vistos, o seu arco resume-se a arranjar um barco para uma travessia qualquer. E já não há palavras para qualificar a tremenda lata dos produtores em usar os White Walkers para atiçar os espetadores: ora, depois de abrirem a série com eles numa cena impressionante, nunca mais foram mencionados até ao final da primeira temporada para serem sumariamente esquecidos até aos últimos minutos do segundo ano. E o que dizer do delicioso Jaime Lannister que, tudo somado, deve ter aparecido por uns 5 minutos?
Por outro lado, houve histórias que conseguiram contornar estes defeitos: as partes de King's Landing com os Lannisters e as de Arya com o patriarca deste clã davam continuidade às intrigas políticas e ao clima de ambiguidade que marcaram o ano anterior, mas também sofriam do ritmo apressado e do pouco tempo de antena a que tinham direito. Não é de admirar, portanto, que o nono episódio, Blackwater, viesse como um bálsamo para as minhas queixas: focado unicamente no ataque a King's Landing e ao reinado de Joffrey, este capítulo demonstra que a solução ideal passa por incluir uma ou duas narrativas distintas em cada episódio para que o ritmo seja mais fluído e nos possamos envolver no drama das personagens (além de que foi realizado pelo talentoso Neil Marshall que imprime o tom épico que tanto faltou na restante temporada).
Resta esperar que o próximo ano faça justiça às expectativas, já que este falhou em toda a linha. Game of Thrones ainda tem de comer muita sopinha se quiser ser mais do que uma porreira, mas sobrevalorizada, série.