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Les Misérables (2012)
Realização: Tom Hooper
Argumento: William Nicholson, Alain Boublil, Claude-Michel Schönberg, Herbert Kretzmer
Elenco: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Eddie Redmayne, Helena Bonham Carter, Sacha Baron Cohen, Samantha Barks, Isabelle Allen
Qualidade da banha:
Nos melhores momentos, Os Miseráveis consegue ser uma obra arrebatadora e emocionalmente poderosa; nos piores, não passa de um dramalhão cansativo no qual obstáculos são criados do nada para dificultar a vida das personagens e cujas trajetórias cruzam-se de forma preguiçosa e pouco credível. Em suma: uma telenovela.
Baseado na versão de língua inglesa do famoso musical francês que, por sua vez, é baseado na obra de Victor Hugo (ufa!), Os Miseráveis acompanha Jean Valjean (Jackman), um prisioneiro a cargo do carcereiro Javert (Crowe) que é posto em liberdade condicional após 19 anos de clausura por ter roubado um pão e inúmeras tentativas de fuga. Ostracizado pela sua condição de ex-presidiário, Valjean desrespeita a lei assumindo uma nova identidade e, anos depois, torna-se num próspero empresário. No entanto, o seu passado tende a persegui-lo e o encontro com a pobre Fantine (Hathaway) despoletará uma série de acontecimentos que marcarão a sua vida.
Tentando ser o mais fiel possível à peça que o originou, Os Miseráveis é, nas suas mais de duas horas e meia, praticamente todo cantado: não apenas os números musicais servem para avançar a história, como também as personagens abrem a boca a qualquer momento para expressar o que lhes vai na alma - o que, claro, dá um ar demasiado teatral à narrativa. Assim, o elenco abraça sem receio gestos e expressões convenientemente exageradas para ressaltar o clima de espetáculo que move o filme (contenção é algo nunca visto por aqui). Neste aspeto, a fabulosa galeria de intérpretes não dececiona e dá tudo o que tem (apesar dos dotes musicais de Russell Crowe serem algo duvidosos), com destaque para a transformação física e emocional operada no Valjean de Hugh Jackman e a arrepiante e marcante curta participação de Anne Hathaway cujo número I Dreamed a Dream mostra todo o rancor e sofrimento da sua Fantine, naquele que é o ponto alto da película.
A partir daí, Os Miseráveis começa a perder o interesse. Tom Hooper é bem-sucedido a estabelecer as motivações do trio Valjean-Javert-Fantine, mas a condução da narrativa é problemática: talvez por perceber a teatralidade do produto que tinha em mãos, o realizador mexe a câmara de um lado para o outro sem conseguir imprimir energia alguma e, quando o filme se torna numa espécie de "Movimento Occupy: O Musical", ele apela para uma edição rápida que o espetador mal consegue discernir o cenário, os seus ocupantes e a distância entre eles (toda a sequência da barricada é uma aula sobre como não editar cenas de ação). Além disso, Hooper não consegue contornar as limitações do texto original que, com as suas coincidências absurdas e conveniências do argumento (Javert vai de capataz a simples inspetor para acabar como um alto oficial militar – sempre em perseguição de Valjean – sem grandes justificações) não é mais do que uma pomposa novela épica. Tão épica que juro ter ouvido cantar ♫ I Dreamed of Oscars! ♫ OSCARS! ♫
Com mão pesada até no subtexto religioso (não basta Valjean ser profundamente católico, ele tem de ser apresentado como um quase Jesus Cristo nas suas últimas horas), Os Miseráveis é irrepreensível nos seus aspetos técnicos: aqui, Paris é uma cidade pobre e imunda, mas ainda assim com traços já característicos, o guarda-roupa é digno de aplausos e o envelhecimento dos atores é convincente. No entanto, o filme não tem brilho – o que é de espantar numa longa história sobre opressão, revolta, liberdade e redenção. Ao final, o festim visual e auditivo proporcionado pelo filme deixara-me cansado e nada extasiado.
Perdido algures num passado remoto e com uns fogachos aqui e ali (Thelma e Louise, Hannibal e Amigos do Alheio), o talento do realizador Ridley Scott tem servido uma carreira instável, para dizer o mínimo. O homem por trás de obras seminais como Alien – O Oitavo Passageiro e Blade Runner – Perigo Iminente atingiu o pico da montanha cedo na vida, há longos 28 anos, e, de lá para cá, entregou-se a obras menores numa filmografia que abrange diversos géneros. Em Robin Hood, percebe-se a intenção de repetir o efeito do premiado Gladiador (que acho bonzinho, mas só), não por acaso o filme que o trouxe de volta para a ribalta e deu o Oscar a Russel Crowe. Porém, de boas intenções está o inferno cheio e a obra recém estreada é mais um esforço meritório, mas inconsequente, numa carreira recheada deles. Em suma: um filme digno do seu realizador.
Desenvolvido como uma espécie de prequela das histórias conhecidas de Robin dos Bosques, Robin Hood pretende dar a conhecer o início da lenda. Assim, temos Robin Longstride, um soldado do exército do Rei Ricardo Coração de Leão, que aproveita a morte deste e o fracasso das Cruzadas para regressar a casa com os parceiros João Pequeno, Will Scarlet e Alan A’Dayle. Para isso, eles passam-se pelo batalhão encarregue de entregar a coroa na Inglaterra, o que o levará a conhecer Lady Marion e a conhecer a realidade dos barões falidos que se revoltam contra o Rei João, irmão do falecido Rei Ricardo. Ao mesmo tempo, intrigas no seio da Corte e a bancarrota da Inglaterra permitem uma planejada invasão por parte dos franceses.
Ridley Scott não é nenhum novato nestas andanças: Gladiador e Reino dos Céus são tecnicamente impecáveis e transpiram épico pelos poros. Por isso, uma das grandes surpresas de Robin Hood é que ele nem se dedicar tanto a batalhas, mas sim a tentar fundamentar a narrativa (unindo todas as pontas que levarão à história já conhecida) e dar novas dimensões a velhas personagens. Desta forma, Robin surge como um guerreiro mais preocupado com o seu bem-estar do que propriamente com os problemas do reino, ao mesmo tempo que o Rei Ricardo abandona toda a nobreza que o caracteriza, estando quase sempre ébrio e tomando medidas pouco prudentes. Por outro lado, o Rei João mantém a faceta arrogante e mimada de sempre, embora revele o desejo de cair nas graças do povo (o que é diferente de ser um bom monarca) e conseguir tão boa fama como o seu irmão, ao passo que Lady Marion condiz mais com os tempos modernos e surja como mulher determinada e de forte personalidade (o orgulho das feministas actuais), isto até ao desastroso acto final – do qual falarei mais abaixo.
A colaborar na tarefa de revelar novas dimensões das personagens vem o elenco encabeçado por Russell Crowe que dá a Robin Hood todo o ar de um Maximus mais bem-humorado, enquanto Cate Blanchett dá credibilidade (dentro do possível) a uma personagem fora do seu tempo e Mark Strong interpreta, pela terceira vez em seis meses, um vilão – aliás, basta vê-lo em cena para perceber que a sua personagem não é confiável, uma vez que ele não inova nada de filme para filme, o que não deixa de ser uma pequena proeza. Em contrapartida, são os secundários quem mais brilham, como William Hurt no papel do valoroso e dedicado William Marshal e o veteraníssimo Max von Sydow numa participação curta e marcante.
Ainda que os valores de produção sejam competentes, eles acabam por não impressionar muito devido à realização burocrática de Ridley Scott que não consegue imprimir o mínimo de energia às cenas de acção. Outro tropeço é a estrutura narrativa que parece incluir elementos de forma inorgânica, apenas para avançar a narrativa artificialmente: o casal que discute mas ama-se profundamente, o trauma do passado que se revela determinante (numa cena imbecil em que uma lembrança aparece do nada, praticamente inventando a psicanálise como tratamento médico) ou o facto de o tempo ser convenientemente relativo – não por acaso, o exército francês está a caminho de Inglaterra pelo Canal da Mancha, mas ainda há tempo de alertar a Corte, reunir com os barões a Norte, seguir para a costa e surpreender os franceses. Nada como a pontualidade britânica.
O grande erro de Robin Hood, porém, é o seu terceiro acto, que praticamente consegue destruir o que de bom se vinha feito anteriormente (mesmo com todos os percalços). A batalha final mais parece o desembarque das tropas Aliadas na Normândia e, se isto já seria pouco adequado num filme de época, a sequência ainda se torna mais constrangedora pelo facto da mesma ser encenada de forma pouco majestosa (económica, diria eu), com uma Lady Marion armada em Joana D’Arc – o que pode ser muito louvável nos dias de hoje, mas não deixa de ser uma facada na credibilidade do filme – e com um Robin Hood a revelar-se um canivete suíço do exército, já que ele ajuda os arqueiros, a cavalaria e, como não podia deixar de ser, a donzela em perigo.
Contudo, o que mais decepciona no filme é a própria preguiça com que ele foi produzido. O argumento original pretendia dar a conhecer um lado mais simpático do Xerife de Nottingham que apenas tentava cumprir o seu dever contra um Robin dos Bosques retratado como um fora-da-lei menos idealista. Infelizmente esta ideia não foi avante e preferiu-se jogar pelo seguro, subestimando a inteligência do espectador. Poderia ter saído daqui um filme muito mais interessante que este inconsequente, mas passável, Robin ‘Maximus’ Hood.
Qualidade da banha: 11/20