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Prometheus (2012)
Realização: Ridley Scott
Argumento: Jon Spaihts, Damon Lindelof
Elenco: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Logan Marshall-Green, Idris Elba, Guy Pearce
Qualidade da banha:
Certos filmes almejam ser tão ambiciosos que acabam por dar um passo maior que a perna, espalhando-se ao comprido (o recenteCosmopolispoderá ser encaixado nesta categoria). Há outros, porém, que são eficazes em levantar questões profundas e que depois mostram as suas fragilidades ao não explorá-las a fundo – e, infelizmente, Prometheus, a prequela do seminal Alien - O 8.º Passageiro, faz parte deste grupo.
Trazendo de volta o britânico Ridley Scott ao universo e ao género que o alçou à fama, Prometheus inicia-se no planeta Terra, num passado distante, onde um alienígena humanoide comete suicídio ao ingerir uma substância líquida que o desintegra. Muitos milénios depois, no ano 2093, a nave que dá título ao filme viaja para o asteroide LV-223 com o intuito de seguir uma carta celeste descoberta pelos arqueólogos Elizabeth Shaw (Rapace) e Charlie Holloway (Marshall-Green) que preveem que a mesma os levará à origem da vida que, creem eles, terá sido arquitetada por uns seres denominados de “Engenheiros”. A tripulação, composta pelo robot David (Fassbender), a arrogante diretora Vickers (Theron) e outros que mais não são do que carne para o abate, decide então explorar uma estrutura que poderá conter as respostas que procuram, mas também perigos que eles não previram.
Dizer que Prometheus não tem ligação direta com a saga Alien não é bem verdade: para além de pegar na raça extraterrestre vista no início desse filme e dar-lhe uma mitologia própria, o filme é praticamente uma homenagem tanto ao nível do fabuloso design de produção como da fotografia que brinca com as sombras e é constituída por uma palete de cores dominada pelos tons de cinza. Além disso, repete a mesma estrutura: uma viagem a um território desconhecido e hostil, um encontro imediato e, posteriormente, a luta pelas vidas do grupo. Curioso é que, apesar de se situar muitas décadas antes do filme que deu a conhecer Sigourney Weaver, os equipamentos vistos aqui soam muito mais avançados e ergonómicos, o que é perfeitamente aceitável visto que acompanhamos uma expedição financiada pela obscura Weyland Corp. enquanto que a Nostromo de Alien era uma simples transportadora sem muitos recursos.
A nível temático, Prometheus envereda pelas grandes questões da humanidade: quem ou o que nos criou? Qual o nosso papel neste mundo? Será que temos alguma importância ou somos um ponto insignificante na imensidão do cosmos? Neste aspeto, é Elizabeth quem personifica estes questionamentos, uma vez que é a sua sede de poder que reboca a narrativa. Profundamente crente, a arqueóloga serve como contraponto à executiva Vickers cujo pragmatismo remete mais à Ciência e à constante luta para que esta se imponha sobre a Fé. É uma pena, portanto, que esta seja retratada por Charlize Theron no registo "sou fria, arrogante e má como as cobras" (culpa do argumento) quando é ela que toma as decisões mais sensatas ao longo do filme, como, por exemplo, não deixar embarcar um possível "infetado" na nave.
Por outro lado, Noomi Rapace continua a não exibir o mesmo carisma da trilogia sueca Millennium desde que pousou em Hollywood – e a sua Elizabeth, embora delineada como a nova Ripley, não possui a mesma força emocional, visto que os seus conflitos resumem-se a uma relação paterna (uma rápida aparição de Patrick Wilson) interrompida precocemente e que foi a origem para a sua personalidade devota. Claro que a figura de uma cientista que paradoxalmente se revela aberta à Fé poderia dar-lhe uma bem-vinda dose de complexidade, mas o máximo que o filme consegue é que sejam outras personagens a apontar a ironia da situação e logo esquecer o assunto, o que é uma surpresa vinda de Damon Lindelof que, como co-criador e showrunner da saudosa série LOST, soube trabalhar maravilhosamente estes tópicos. Neste particular, Michael Fassbender é o único a entregar uma prestação sólida e densa como o "sintético" David: desenvolvido à imagem do ser humano, ele é uma máquina e não possui uma "alma".
Mas o que é verdadeiramente uma "alma"? A nossa personalidade? A consciência? Algo que nos torna simultaneamente únicos e indiferenciados? Ora, David emula Peter O'Toole em Lawrence da Arábia, desenvolve gostos, consegue ser mordaz e até sorrir subtilmente quando as coisas correm como o previsto - aspetos nada característicos de uma máquina. É também por David que passam as grandes reflexões de Prometheus: vendo-se na companhia de semelhantes ao seu Criador que buscam a sua própria origem, o robot é, naquela situação, o ser humano consciente da sua evolução, algo que os tripulantes procuram a todo o custo. Assim, ele dá outra perspetiva à situação e, ao afirmar meio jocosamente que espera "não ser tão igual aos humanos", ele demonstra toda a sua desilusão pelas falhas de caráter da espécie que o criou – o que não invalida que o mesmo não possa acontecer a Elizabeth e companhia. É como se ele pensasse "como alguém tão falho pode ter criado algo supostamente perfeito e controlável?" e, assim, como esperar algo de diferente do suposto Criador do ser humano?
É triste, portanto, que Prometheus chegue ao seu ato final e deixe de aprofundar estas questões sensíveis e prefira dar espaço ao típico "corre e foge" que permeiam todas as banalidades do género. E ainda que Ridley Scott consiga manter um clima tenso ao longo de toda a narrativa (com destaque para uma aterradora cirurgia de urgência), o certo é que os últimos vinte minutos tresandam a covardia de argumentista que tem de respeitar a necessidade imperiosa de estabelecer uma franquia e futuras sequelas e, com isso, deixar as respostas pela rama ou, pior do que isso, interrompendo-as para serem abordadas futuramente. Com isto, o impacto da narrativa é posto em segundo plano para valorizar objetivos comerciais e isto é simplesmente reprovável.
Desta forma, Prometheus pode ser resumido pelo revelador diálogo entre David e Charlie, no qual o primeiro, após perguntar sobre o porquê da sua criação e ouvir um cliché como resposta ("Por que nós podemos!"), remata com um: "não seria uma desilusão ouvir algo semelhante do vosso criador?". Aparentemente, ele recomendaria que víssemos a(s) sequela(s).
Perdido algures num passado remoto e com uns fogachos aqui e ali (Thelma e Louise, Hannibal e Amigos do Alheio), o talento do realizador Ridley Scott tem servido uma carreira instável, para dizer o mínimo. O homem por trás de obras seminais como Alien – O Oitavo Passageiro e Blade Runner – Perigo Iminente atingiu o pico da montanha cedo na vida, há longos 28 anos, e, de lá para cá, entregou-se a obras menores numa filmografia que abrange diversos géneros. Em Robin Hood, percebe-se a intenção de repetir o efeito do premiado Gladiador (que acho bonzinho, mas só), não por acaso o filme que o trouxe de volta para a ribalta e deu o Oscar a Russel Crowe. Porém, de boas intenções está o inferno cheio e a obra recém estreada é mais um esforço meritório, mas inconsequente, numa carreira recheada deles. Em suma: um filme digno do seu realizador.
Desenvolvido como uma espécie de prequela das histórias conhecidas de Robin dos Bosques, Robin Hood pretende dar a conhecer o início da lenda. Assim, temos Robin Longstride, um soldado do exército do Rei Ricardo Coração de Leão, que aproveita a morte deste e o fracasso das Cruzadas para regressar a casa com os parceiros João Pequeno, Will Scarlet e Alan A’Dayle. Para isso, eles passam-se pelo batalhão encarregue de entregar a coroa na Inglaterra, o que o levará a conhecer Lady Marion e a conhecer a realidade dos barões falidos que se revoltam contra o Rei João, irmão do falecido Rei Ricardo. Ao mesmo tempo, intrigas no seio da Corte e a bancarrota da Inglaterra permitem uma planejada invasão por parte dos franceses.
Ridley Scott não é nenhum novato nestas andanças: Gladiador e Reino dos Céus são tecnicamente impecáveis e transpiram épico pelos poros. Por isso, uma das grandes surpresas de Robin Hood é que ele nem se dedicar tanto a batalhas, mas sim a tentar fundamentar a narrativa (unindo todas as pontas que levarão à história já conhecida) e dar novas dimensões a velhas personagens. Desta forma, Robin surge como um guerreiro mais preocupado com o seu bem-estar do que propriamente com os problemas do reino, ao mesmo tempo que o Rei Ricardo abandona toda a nobreza que o caracteriza, estando quase sempre ébrio e tomando medidas pouco prudentes. Por outro lado, o Rei João mantém a faceta arrogante e mimada de sempre, embora revele o desejo de cair nas graças do povo (o que é diferente de ser um bom monarca) e conseguir tão boa fama como o seu irmão, ao passo que Lady Marion condiz mais com os tempos modernos e surja como mulher determinada e de forte personalidade (o orgulho das feministas actuais), isto até ao desastroso acto final – do qual falarei mais abaixo.
A colaborar na tarefa de revelar novas dimensões das personagens vem o elenco encabeçado por Russell Crowe que dá a Robin Hood todo o ar de um Maximus mais bem-humorado, enquanto Cate Blanchett dá credibilidade (dentro do possível) a uma personagem fora do seu tempo e Mark Strong interpreta, pela terceira vez em seis meses, um vilão – aliás, basta vê-lo em cena para perceber que a sua personagem não é confiável, uma vez que ele não inova nada de filme para filme, o que não deixa de ser uma pequena proeza. Em contrapartida, são os secundários quem mais brilham, como William Hurt no papel do valoroso e dedicado William Marshal e o veteraníssimo Max von Sydow numa participação curta e marcante.
Ainda que os valores de produção sejam competentes, eles acabam por não impressionar muito devido à realização burocrática de Ridley Scott que não consegue imprimir o mínimo de energia às cenas de acção. Outro tropeço é a estrutura narrativa que parece incluir elementos de forma inorgânica, apenas para avançar a narrativa artificialmente: o casal que discute mas ama-se profundamente, o trauma do passado que se revela determinante (numa cena imbecil em que uma lembrança aparece do nada, praticamente inventando a psicanálise como tratamento médico) ou o facto de o tempo ser convenientemente relativo – não por acaso, o exército francês está a caminho de Inglaterra pelo Canal da Mancha, mas ainda há tempo de alertar a Corte, reunir com os barões a Norte, seguir para a costa e surpreender os franceses. Nada como a pontualidade britânica.
O grande erro de Robin Hood, porém, é o seu terceiro acto, que praticamente consegue destruir o que de bom se vinha feito anteriormente (mesmo com todos os percalços). A batalha final mais parece o desembarque das tropas Aliadas na Normândia e, se isto já seria pouco adequado num filme de época, a sequência ainda se torna mais constrangedora pelo facto da mesma ser encenada de forma pouco majestosa (económica, diria eu), com uma Lady Marion armada em Joana D’Arc – o que pode ser muito louvável nos dias de hoje, mas não deixa de ser uma facada na credibilidade do filme – e com um Robin Hood a revelar-se um canivete suíço do exército, já que ele ajuda os arqueiros, a cavalaria e, como não podia deixar de ser, a donzela em perigo.
Contudo, o que mais decepciona no filme é a própria preguiça com que ele foi produzido. O argumento original pretendia dar a conhecer um lado mais simpático do Xerife de Nottingham que apenas tentava cumprir o seu dever contra um Robin dos Bosques retratado como um fora-da-lei menos idealista. Infelizmente esta ideia não foi avante e preferiu-se jogar pelo seguro, subestimando a inteligência do espectador. Poderia ter saído daqui um filme muito mais interessante que este inconsequente, mas passável, Robin ‘Maximus’ Hood.
Qualidade da banha: 11/20