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Este seria o sentimento geral da atualidade caso vivêssemos em 1955. Felizmente estamos em 2015, a sociedade evoluiu qualquer coisa e chegamos ao ponto em que o piropo é criminalizado. Na verdade, "piropo" nem é referido na lei recentemente aprovada em Assembleia e reporta-se às diferentes formas de importunação sexual. Então de onde vem tanta celeuma com a "lei do piropo"? Simples: a comunicação social, sempre em busca do próximo frenesim, apropriou-se da expressão e apelidou assim a nova lei - ainda que esta se refira claramente ao assédio sexual. Mas todos os olhares se fixaram na palavra "piropo" e choveram críticas, piadas e lamentos. Todas, sem exceção, vindas de elementos do sexo masculino.
E todos sabem que nós, homens, temos uma infinita capacidade para sermos umas bestas quadradas.
"Então e o meu direito de liberdade de expressão para mandar uns piropos, umas piadas - quiçá até com algum teor sexual porque elas até gostam? Que vai ser dele?!" -- pergunta o bronco da esquina. Meu caro, ninguém te impede de fazer nada. Podes mandar a cantilena que quiseres da maneira que quiseres a completas estranhas na rua. Apenas tens de te aguentar à bronca, se for caso disso. "Ah, mas existem piropos inocentes!" -- não, não existem. Como é o destinatário a determinar se a tirada é (ou não) ofensiva e não há forma de saber isso de antemão, então não existem piropos inocentes. E vamos lá deixar de sermos ingénuos e achar que o que está em causa aqui é um simples "Oh, boa!" (que já é ridículo que chegue). É o desrespeito, a ofensa, a objetificação sexual da mulher, o assédio puro e duro vindo de qualquer parte e a qualquer momento. Minimizar esta discussão é perpetuar uma mentalidade que, em última instância, legitima violações e agressões.
"Mas há coisas mais importantes a tratar de momento!". Com o tempo fui-me apercebendo que qualquer tentativa de avanço social é sempre alvo de reparos e ressalvas. Sempre. Ou é porque o timing não é o melhor (nunca é), ou porque se criminaliza o "piropo" e o Ricardo Salgado anda aí feliz da vida (aparentemente não é possível ficar satisfeito com uma coisa e revoltado com outra ao mesmo tempo), ou porque a economia está um caos (como se o cariz social do Estado não fosse igualmente importante). Foi assim com a despenalização do aborto e com o casamento e a adoção homossexual. Para quem não quer dar o flanco quanto a preconceitos, "não é relevante agora" é a desculpa a ter em conta.
Eu confesso que também lamento esta lei. Ela não deveria ser necessária. Mas é. Porque está visto que o bom senso não impera na população e, mesmo que ela não resulte, ao menos trouxe um assunto tristemente quotidiano e grave para a discussão pública -- e todos aqueles que foram na cantiga do "ai, o meu piropo!" sem perceberem (ou não quererem perceber) o real alcance desta conversa só estão a mostrar a verdadeira face. Hoje mesmo tive uma enorme discussão com duas pessoas próximas e queridas (homens, claro) sobre este assunto e os argumentos delas na oposição ou minimização deste tema, embora nada de novo para mim, deixaram-me triste e revoltado (e é por situações destas que estou a ponderar abandonar o Facebook).
Eu abraço as causas feministas, mas não me posso considerar um feminista. Não consigo. Eu não sei o que é levar com estranhos a despirem-me com os olhos, de ser importunada com "piadas", bocas, apalpões e ameaças nojentas de desconhecidos, de andar na rua sozinha com receio que num minuto poderei estar a ser espancada ou violada. Esta é a realidade das mulheres nos dias de hoje e é isto que se discute.
E não que alguém, no alto da sua estupidez e posição privilegiada por ser homem, esteja proibido de berrar um "Oh, boa!" enquanto dá umas risadas junto dos amigos imbecis que aplaudem tamanha "coragem".
Vitória inglória e uma amarga despedida.
- Fizemos a nossa parte; se os alemães tivessem dado uma ajuda...;
- Se os convocados fossem outros...;
- Se a condição física fosse outra...;
- Se Ronaldo estivesse no seu melhor...;
- Se Paulo Bento não fosse o selecionador...;
- Se Raúl Meireles aparasse a barba e deixasse crescer o cabelo...;
- Se o Veloso fosse um jogador de jeito...;
- Se o Nani deixasse de se querer mostrar...;
- Se o meio-campo fosse este desde o início...;
- Se o Pepe não fosse expulso...;
- Se o Bruno Alves não tivesse paragens cerebrais...;
- Se a Alemanha não nos estivesse espetado quatro no lombo...;
- Se não fossemos em digressão pelos Estados Unidos antes do Mundial...;
- Se Hugo Almeida, Postiga e Éder não fossem tão fraquinhos...;
- Se o Varela jogasse de início...;
- Se...
Escolham a vossa desculpa. Quanto a mim, é um até já em França, daqui a dois anos. Com Paulo Bento (parece que lá terá de ser...) ou outro qualquer, será um escândalo se Portugal não marcar presença nos 24 participantes (por oposição dos 16 usuais até aqui).
Ugh!
Acho que ainda estamos a pagar a afronta de, com uma equipa de suplentes e com um Sérgio Conceição on fire, termos espetado três secos nesta Alemanha. De lá para cá, só derrotas. Mas hoje foi mau demais.
Tudo bem que a Alemanha tem melhor equipa, seria sempre favorita e o mais certo seria ganhar, mas a ideia que ficou é que nem precisaram de carregar muito para lançar o pânico na defesa lusitana que, geralmente, é o setor mais estável e hoje fartou-se de meter água. 11 contra 11 já seria difícil, então com a burrice de Pepe tudo ficou irremediavelmente perdido. Não é tanto pela derrota em si já que nunca acreditei que Portugal pudesse vencer (com aquele meio-campo amorfo e a crónica ineficácia atacante, só mesmo um camelo), mas são os números que poderão fazer mossa num eventual desempate por diferença de golos, a forma física longe do ideal de pedras basilares (com Ronaldo à cabeça), a lesão de Coentrão e, claro, o castigo de Pepe.
Antes que atirem com a arbitragem, aqui vai o que penso: a grande penalidade a favor da Alemanha é forçadíssima; Pepe é bem expulso e não pode fazer aquilo ao adversário (ainda por cima com a estupidez alarmante de realmente ter havido falta na disputa de bola anterior e o árbitro ter deixado seguir); há um penálti sobre Éder que não é assinalado - mas que pouco mudaria o andamento da partida.
Como é que vai ser, Paulo Bento? Mundial 2002 ou Euro 2012?
Agadir, sul de Marrocos, verão de 2002. Estava de férias com a minha família. A certa altura, aproxima-se de nós um vendedor ambulante que logo nos topou como turistas e que, pelas nossas características físicas, percebeu que éramos do sul da Europa. "Espanhóis? Italianos?" – perguntou. "Não. Portugueses." – respondemos. "Ah, Portugal! Figo, Benfica, Eusébio!" – exclamou com um imenso sorriso. Reparem só: estávamos em 2002, Figo brilhava no Real Madrid campeão europeu, o Benfica penava na lama há anos e Eusébio reformara-se há uns 25 anos.
É com histórias como esta que percebemos a dimensão dos símbolos. Tal como muitos que hoje escrevem, eu não vi Eusébio a jogar, mas conhecia o legado, nutria admiração e respeito. Nenhum dos meus avós era benfiquista, mas a maioria dos meus tios (tanto da parte da mãe como de pai) é adepta do Benfica – e tudo graças à fabulosa geração de 60 que contava com o Pantera Negra nas suas fileiras. Mesmo os meus familiares simpatizantes de outras cores afirmam, sem complexos, o prazer que foi ver Eusébio a espalhar magia por mil e um relvados e a semear o pânico com aquele portentoso remate de pé direito. A sua luz era tão brilhante que conseguia ofuscar os seus valiosos companheiros de equipa, mas os mitos funcionam assim mesmo: a figura cola-se no imaginário coletivo e é alçada ao divino. Tudo o resto (até o homem) é secundário.
O que Eusébio fez por um Portugal cinzento, pobre e ignorado é imensurável, mas o que ele fez pelo Maior é indizível. O Benfica não seria metade do que é hoje sem ele. Muitos de nós somos orgulhosos benfiquistas graças a Eusébio.
Numa altura em que se criam verdadeiras batalhas com discussões inúteis sobre se Cristiano Ronaldo é o melhor jogador do Mundo e quiçá o melhor jogador português de sempre, o Rei deixa-nos com a certeza que até podia não ser o Melhor para todos, mas era Enorme todos os dias. Os mitos são assim: intocáveis. Maradona até pode ser o melhor, mas antes dele houve Pelé. E antes dele houve Garrincha. E isto só para pegar nos exemplos mais básicos e objetivos, já que a discussão daria pano para mangas. Por mim, todos terão sempre lugar no Olimpo que, mais uma vez, desviou do mundo dos vivos uma nova contratação de peso.
Até sempre, Campeão!
Este vídeo de Luís Franco-Bastos resume bem o ponto a que se chegou com as recentes declarações de Joseph Blatter em relação a Cristiano Ronaldo. Não só é ridículo ver um famoso a tomar as dores de Ronaldo em relação a opiniões alheias como também está cheio de factos adulterados para defender a verdade universal que só as Ronaldetes conseguem discernir: Cristiano Ronaldo é o melhor jogador do Mundo e ai de quem pense o contrário. Para piorar, o vídeo acaba numa toada agressiva e insultuosa ao visar um terceiro sujeito que nada tem a ver com o assunto, como se Franco-Bastos pensasse "Se eu mandar o Platini para o cara***, provarei a minha argumentação e todos estarão comigo! Viva eu!". São quase 3 minutos que redefinem a expressão "vergonha alheia".
Vamos por partes: Blatter prestou-se a uma figura infeliz ao tecer comparações entre Messi e Ronaldo num programa televisivo, elogiando o primeiro e gozando com o segundo. Tentou ter piada e deu-se mal: timing cómico não é com ele. Já não bastava declarar preferências quando se pedia uma posição neutra para alguém que é presidente da FIFA, ainda por cima a forma como o fez foi desrespeitosa (e nada engraçada). Até aqui tudo certo. Se isto justifica o circo que se montou a seguir? De modo algum.
E chovem petições para tirar o homem do cargo porque "esta foi a gota de água!" (não foi com as suspeitas de corrupção; foi porque gozaram com Cristiano Ronaldo, vejam só!), porque não gostam de portugueses, porque o Messi também não é santo nenhum (e alguém disse que era? Ou que isto serve de parâmetro para avaliar capacidades futebolísticas?), porque Ronaldo é um injustiçado, blá blá blá. Até o Governo veio exigir desculpas, para verem o nível de surrealismo que isto atingiu. A resposta de Ronaldo não demorou e veio carregada de ironia e tom de ameaça ("Agora muita coisa está explicada.") que só veio dar mais razão a quem alinha nisto das reações desproporcionais, em mais um capítulo embaraçoso desta novela.
E claro que isto veio dar pólvora às Ronaldetes, sem capacidade de encaixe sempre que o seu ídolo é contestado, incapazes de apreciarem o duelo de dois génios em campo sem diabolizar um deles, que sacam dos "arroubos nacionalistas" para se defenderem (quem não prefere Ronaldo é mau português, pensam as Ronaldetes) e que fazem um berreiro porque um morcão qualquer teve uma tirada infeliz numa carreira recheada delas. Infelizmente o que não falta neste país são Ronaldetes.
Cristiano Ronaldo tem mais é que jogar à bola e calar-se. Joseph Blatter tem mais é que tratar do futebol e calar-se. Se não consegue tratar do futebol, apenas cale-se.
Alguns esclarecimentos:
Depois disto tudo, haveria alguém que objetivamente acreditasse que Portugal chegaria às meias-finais da competição, sendo eliminada nos penaltis pela Espanha campeã europeia e mundial? Por tudo isto, Paulo Bento está de parabéns: não se deixou abater pelas adversidades e pela desconfiança, incutiu um espírito coletivo no grupo (tínhamos grandes jogadores, mas não tínhamos equipa) ainda que com bastantes percalços pelo meio, confiou nos que tinha à disposição e estes não o deixaram ficar mal. Para mim, cujas expectativas eram pouco mais que zero, esta campanha é nada menos que excelente.
Esta Espanha pode não ter o fulgor dos últimos anos, mas não deixa de ser a Espanha que enfia no seu onze a força do Real Madrid e a magia do Barcelona. Portugal bateu-lhes o pé, anulou-lhes o jogo e fez 90 minutos sólidos em que o equilíbrio foi dominante. Depois veio o prolongamento e, aí sim, Portugal não teve pernas para os acompanhar, limitando-se a resguardar a baliza de Patrício enquanto a Espanha ia subindo e subindo no terreno. Sinceramente, a haver vencedor sem penaltis seria a Espanha: teve mais pulmão, mais cabeça e lutou mais para que o jogo não passasse do prolongamento. Portugal lutou muito e bem, mas foi inofensivo nos 30 minutos extra. Na lotaria final, alguém tinha de cair. Caímos nós. Acontece. Já estivemos do outro lado da barricada; alguma vez teria de ser ao contrário.
Não queria atirar pedras a ninguém, mas acho que alguns reparos devem ser feitos. Nani foi inconsequente durante todo o torneio. Nelson Oliveira foi pouco mais que uma aposta falhada (tem potencial, mas está na linha ténue que separa o sucesso do flop). Hugo Almeida é um inútil a atacar, mas ajudou nas tarefas defensivas e talvez tenha descoberto aqui a sua verdadeira vocação. João Pereira e Bruno Alves têm de ter mais calma a abordar certos lances (e isto não vem de agora). Paulo Bento podia ser mais ambicioso nas substituições, mas preferiu jogar em contenção e ele lá saberá. Desde o Sporting que João Moutinho não serve para marcar penaltis, mas... enfim.
E foi assim que acabou a participação no Euro 2012. Contra todas as críticas e olhares de soslaio (eu que o diga). Tudo o que espero agora é uma fase de qualificação tranquila para o Mundial 2014. Paulo Bento mostrou que há matéria-prima para isso. É que já chega da turbulenta calculadora e play-offs da treta para nos safarem.
Primeira parte positiva de Portugal: entrou a medo, virou o controlo do jogo, marcou dois golos (um deles de Postiga!!!!!) e recuou como é apanágio das equipas de Paulo Bento e... mamou com um golo como é apanágio das equipas de Paulo Bento. Segunda parte sofrível da Seleção, a roçar o anedótico: ninguém se entendia, foi só bombear bolas, recuar e sofrer muito. Ainda assim as melhores oportunidades até pertenceram a Portugal e Ronaldo falhou inacreditavelmente um golo cantado. Golo da Dinamarca logo a seguir e quando o empate já seria um mal menor, eis que aparece Varela a falhar o domínio, mas a acertar à segunda e garantir três preciosos e sofridos pontos que, a bem da verdade, Portugal viu-se e desejou-se sem necessidade nenhuma para os arrecadar.
Se no texto anterior referi que não podemos esperar o Ronaldo de Madrid visto que a Seleção não é o Real Madrid, hoje dou a cara à chapada e retiro o que disse. Em mais um jogo infeliz de um dos melhores jogadores do Mundo, Ronaldo só desiludiu aqueles que não prestam (ou não querem prestar) atenção ao que tem sido o seu percurso de quinas ao peito. As (poucas) esperanças lusas recaem sobre os seus ombros do seu melhor jogador, algo perfeitamente natural e legítimo. O que já não é tão natural é que Ronaldo corresponda tão pouco e tenha uma atitude tão apática em campo – o que contrasta com a sua influência no colosso espanhol. Não temos um coletivo forte, mas temos um jogador capaz de fazer a diferença e que vem embalado por uma das suas melhores épocas de sempre. Sem Ronaldo na sua melhor forma (física e principalmente mental), é praticamente impossível que Portugal faça um brilharete.
Paulo Bento repetiu o onze e os resultados foram irregulares. Se o ataque desenhou boas jogadas e o meio campo (até ao segundo golo) soube controlar as operações, a defesa cometeu erros infantis (embora Pepe tenha sido o melhor em campo) e o selecionador deixou Coentrão com dois jogadores sozinhos pela frente. Já que é para defender e ser conservador, por que não ousar um pouco e substituir Ronaldo? Ah, já sei... patrocícios e tal...
Alguns pensamentos de um jogo que não vi na íntegra já que, para além de estar num delicioso convívio entre amigos, fui prestando mais atenção ao Benfica x FC Porto em hóquei em patins:
Venha a Dinamarca para ver se ainda temos uma palavra a dizer ou se a palhaçada vai acabar tão cedo quanto o previsto.
Olhando para trás, a escolha de Paulo Bento para suceder o Carlinhos na... errr... liderança da Seleção Nacional foi o melhor que podia ter acontecido: numa situação delicada quanto ao apuramento para o Euro 2012, exigiam-se pontos e rápido. Ora, poucos treinadores portugueses conseguem ser tão pragmáticos e disciplinadores (para o bem e para o mal) como Bento, habituado a trabalhar com recursos limitados (quatro épocas seguidas naquele Sporting não foram por obra e graça do Espírito Santo) e a conseguir bons resultados ainda que à custa de bom futebol.
Hoje não houve nada disso: Portugal goleou, jogou muito bem, dominou, humilhou, deu recital, deu para Postiga bisar (!) e está no Europeu depois de fazer picadinho destes pobres bósnios que, esforçados, nunca pareceram ter arcaboiço para a Seleção (nem lá, nem cá). É certo que Bento não terá a exclusiva culpa de Portugal ter ido parar ao play-off, mas uma derrota hoje (ou um empate) seriam da sua inteira responsabilidade – e ver um crápula como Amândio de Carvalho afirmar o contrário causa repulsa, mas não surpresa, pela pessoa em questão. Eu percebi a ideia de querer aliviar a pressão sobre os jogadores e o selecionador, mas não seria necessário ginástica mental para imaginar possíveis situações onde o verme iria morder a língua caso a coisa desse para o torto, como já aconteceu. O silêncio ainda é de ouro.
É isto que me apoquenta: a cretinice que reina na Federação Portuguesa de Futebol. Estava tudo a correr tão bem, goleada para o povo, apuramento no bolso, adeptos em festa e as câmaras focam a tribuna VIP do Estádio da Luz e lá estão aqueles escrotos, com o boneco Madaíl à cabeça (finalmente vai-se embora!) e pensei: "pfffff... estragaram tudo!". E não deixo de pensar que quando tudo corre bem, lá estão eles a dar a cara, a brindar, a dar palmadinhas nas costas uns dos outros pelo trabalho feito; quando corre mal, é arranjar o bode expiatório mais à mão e sacudir os ombros uns dos outros por que, afinal, fizeram tudo o que (não) estava aos seus alcances. Se Portugal é uma selva e o futebol é um pântano, então a FPF é o lodo.
Isto pode soar a conversa de aziado que quer o mal da Seleção. Nada mais falso: eu desejo o seu sucesso, mas um sucesso sustentado, vigoroso, cativante e duradouro. As camadas jovens são o que se vê, os campeonatos ditos profissionais são o que se sabe. É ridículo achar que estes momentos fugazes de alegria poderão mudar alguma coisa no curto prazo. É ridículo ver um caramelo como Vieirinha, convocado às pressas, dizer que temos das melhores seleções do Mundo (do Mundo!). É triste ver a comunicação social elevar os jogadores a heróis nacionais, a entrar em euforia total com rankings duvidosos e a publicar manchetes escusadas e lamentáveis que soam a brejeirice pegada ou a sobranceria injustificada. Mas ter os pés assentes no chão nunca foi da natureza cá do burgo, pelo menos no que à última década diz respeito.
Venha de lá o Euro para o depressivo povo que este ao menos merece alguma alegria nestes tempos conturbados. Tudo o mais são tretas, já cantava o Tordo. E das grandes, digo eu!
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.
Como todos saberão, não nutro especial simpatia pela nossa classe política (a começar por Aquele que Habita em Belém e a acabar no Presidente da Câmara de Espinho – coincidentemente ambos do PSD), tanto que votei em branco nasúltimaseleições. Na altura, dividiram-se as trincheiras políticas em pró-Sócrates e pró-Coelho como se o futuro imediato do país estivesse em jogo.
Pois bem, esse "futuro" foi-nos atirado à cara em 19 minutos num discurso imponente onde Passos Coelho traçou um cenário medonho da situação actual, embora sem citar razões para tal (não que precisássemos de ser lembrados da incompetência deles), que o buraco é muito mais fundo do que eles pensavam (embora tivessem "estudos" que comprovassem tudo o que prometeram em campanha - logo, estavam errados!) e escudam-se na pesada herança que receberam do anterior Executivo, o típico comportamento do homo politicus para o qual já tinha alertado na altura em que Coelho se tornou o paradigma do "futuro" (ainda que pouco risonho).
Se isto faz de Sócrates melhor? Isto não faz nem do Cavaco melhor, pá! E olhem que o velho já deixou a Assembleia há 15 anos. Sem o lençol de medidas que escondia a cabeça e destapava os pés que valia ao nosso Licenciado Domingueiro, Coelho pegou na enxada que tão bem ficava àquela senhora e foi tudo a eito. Vão-se os subsídios, os feriados, as pontes, as deduções, os medicamentos, as ajudas e menos meia hora para a vida social; não há cá investimento que o dinheiro é emprestado e já tem dono; as reformas estruturais na função pública ficam na gaveta e tudo aquilo que ele prometeu na campanha é atirado pela janela por que, lá está, estamos muito mal (e porquê?), não devemos olhar para trás (o quê?!) e para a frente é que é o caminho (mesmo que a Luz seja um estádio e não um símbolo de salvação).
E, no meio disto tudo, eu até compreendo certas medidas (apesar de não justificar o assalto de mão armada que vai ser daqui em diante): é melhor cortar nos salários que despedir. Perde-se poder de compra, mas mantêm-se os empregos. No privado, que vai levar por tabela forte e feio, não há cá cortes: despede-se e adeus. Admiro que Coelho pinte o cenário tão negro como ele realmente é, embora apele para justificações tão vagas como "a situação é desesperadora" e num esforço de criar um inimigo comum que faria Bush Jr. roer-se de inveja. O que não me conformo são gestores de topo em empresas públicas receberem balúrdios seja em serviço ou em reformas (que acumulam!) e, muitas vezes, fazem gestão danosa e seguem incólumes e de bolsos cheios. Que as classes médias sejam chupadas até à exaustão; que as pequenas e médias empresas (a espinha dorsal da economia) estejam afundadas de encargos que mal dão para investirem nelas próprias, o que, obviamente, leva a meios ilícitos de facturação.
Andámos anos a chular a Europa para darmos o salto e nem o trampolim comprámos. Conclusão: sujeitamo-nos a tudo o que eles exigem para estancar uma ferida que não pára de sangrar. Passos Coelho corta a torto e a direito na esperança que ela estanque (ainda que momentaneamente) e, o mais deprimente, é que ele não parece ter noção do que o que está a fazer tem maior probabilidade de correr mal do que resolver tantos problemas em tão pouco tempo.
E Portugal já passou da hora de andar a dar tiros no escuro.