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Ted

por Antero, em 23.07.12


Ted (2012)

Realização: Seth MacFarlane

Argumento: Seth MacFarlane, Alec Sulkin, Wellesley Wild

Elenco: Mark Wahlberg, Mila Kunis, Giovanni Ribisi, Joel McHale, Patrick Warburton, Matt Walsh, Sam J. Jones
 

Qualidade da banha:

 

Ted é um filme de uma piada só: um urso de peluche que dispara piadas porcas e bebe e droga-se que se farta. Infelizmente, depois de estabelecer a sua premissa, o filme não sabe o que fazer com ela e limita-se a esticá-la até ao ponto de saturação. Tem a sua graça ver um urso fofo ser tão asneirento, mas depois da quarta ou quinta vez o efeito dissipa-se – e a falha na base da história acaba por abrir caminho para que outros erros sejam detetados, como a narrativa burocrática, as personagens desinteressantes e o facto (fatal numa comédia) que Ted simplesmente não inspira sonoras gargalhadas.

 

Escrito a seis mãos, Ted inicia-se com a infância solitária de John Bennett (Wahlberg) que guarda apenas um único amigo: Ted (voz de Seth MacFarlane), o seu ursinho de peluche. Uma noite, o seu desejo ardente de dar vida a Ted concretiza-se e eles torna-se companheiros de todas as aventuras. Assim, os anos vão passando e eles crescendo lado a lado, dividindo alegrias, tristezas e o apartamento. Porém, aquela amizade quase perfeita tem um grande entrave: Lori (Kunis), a namorada de longa data de John, que considera Ted, e os seus modos bruscos, um entrave ao bom funcionamento da sua relação. E é assim que parece ter chegado o momento de Ted assumir a sua independência e viver a sua própria vida.

 

Ao empregar acertadamente um tom de fábula subversiva nos seus minutos iniciais, Ted faz um trabalho eficaz a desenvolver a convivência de anos entre John e o seu brinquedo, bem como as suas rotinas boémias e sem responsabilidades. Criado através da técnica de captura de movimentos, o urso digital é extremamente convincente na interação com os elementos humanos e com os seus gestos fluidos e plenos de naturalidade. No entanto, ele é uma personagem unidimensional: ele ocupa o lugar do melhor amigo que leva uma vida despreocupada e fornece ideias pouco aconselháveis tantas vezes visto em comédias do género – e o facto de que se trata de um urso de peluche é realmente a única coisa que o distingue e o define por inteiro.


Assim, temos um urso que poderia ser perfeitamente interpretado por Jason Segel ou Jonah Hill, o que não seria um grande inconveniente se as suas piadas não fossem tão inofensivas, apesar do filme pensar o contrário. No meio de tanta vulgaridade, xenofobia, misoginia e homofobia só se ofenderá quem nunca tiver visto uma comédia de Sacha Baron Cohen (isto para pegar num exemplo recente), visto que as piadas resumem-se a referências à cultura pop que se tornam aborrecidas e preguiçosas com o passar do tempo além que fazem com que Ted fique imediatamente datado (resta dizer que as referências ao ator Tom Skerritt foram recebidas com indiferença na lotada sala de cinema onde me encontrava). Outro aspeto problemático é a tendência do realizador Seth MacFarlane em esticar as gags até ao ponto do absurdo em que a resolução parece saída de outro filme e não tenha nada a ver com a situação inicial.

 

Atirando para todos os lados na busca desesperada por algo que dê unidade à sua estrutura caótica (a trama do rapto é enfiada a martelo no terceiro ato), Ted permite que as suas piadas sejam detetadas a quilómetros de distância como no momento em que Ted tenta sabotar uma entrevista de emprego ou todas sa intervenções do patrão de Lori. E por falar no elemento feminino, é impossível comprar a ideia de que a bem sucedida Lori aguentaria quatro anos de namoro com um tolo como John, um irresponsável cuja imaturidade e falta de ambição fariam qualquer mulher minimamente inteligente fugir a sete pés. A resposta para esta improbabilidade é de que ambos são interpretados por Mark Wahlberg e Mila Kunis – duas caras bonitas que até demonstram alguma química entre si.

 

Por outro lado, nas poucas vezes que Ted acerta, o filme até consegue arrancar boas risadas: a sequência em que John e o urso travam um confronto físico resulta pelo absurdo de vermos dois seres tão díspares a lutar taco a taco; a utilização do merecidamente esquecido Sam J. Jones (protagonista desse delicioso monumento ao mau gosto chamado Flash Gordon) é recheada de tiradas sobre a sua carreira moribunda e o papel de herói espacial que o marcou; e a atuação de John num concerto de Norah Jones é hilariantemente embaraçosa – e Wahlberg é inteligente ao esganiçar a voz e arruinar o típico momento romântico, mas sem desmerecer o esforço da sua personagem.

 

Encerrando-se com uma daquelas montagens que mostram o que aconteceu após os eventos do filme e que traz mais referências pop desnecessárias e nada cómicas, Ted reflete algo que o seu realizador falhou em perceber: na televisão (principalmente em rede aberta), o humor corrosivo de MacFarlane visto em Family Guy ou American Dad! tem de ser suavizado e é na subtileza que se encontra o seu ponto forte. No cinema, contudo, o politicamente incorreto é o mainstream e bastou que a rédea fosse levantada para mostrar a outra face do seu humor: entediante, preguiçoso e com uma gritante falta de originalidade.

 

publicado às 00:50

Cisne Negro

por Antero, em 03.02.11

 

Black Swan (2010)

Realização: Darren Aronofsky

Argumento: Mark Heyman, Andres Heinz, John McLaughlin

Elenco: Natalie Portman, Vincent Cassel, Mila Kunis, Barbara Hershey, Winona Ryder

 

Qualidade da banha:

 

NOTA: este texto discute detalhes importantes sobre o filme (entre eles, o final), por isso aconselho a sua leitura após a visualização do mesmo. É por vossa conta e risco! Depois não digam que eu não avisei...

 

Cisne Negro é um exercício exaustivo e complexo sobre a perfeição. Um estudo sobre a Obra e o Artista que, comprometido de corpo e alma com a sua Arte, tenta ultrapassar todos os limites e abraçar a visceralidade inerente a cada obra-prima. É esta a jornada emocional que espera Nina Sayers (Portman), uma bailarina que tem a oportunidade de uma vida ao ser escolhida para protagonizar O Lago dos Cisnes na companhia dirigida pelo exigente Thomas Leroy (Cassel). No entanto, a ambiguidade do papel revela-se um enorme obstáculo, uma vez que Nina tem dificuldade em incorporar a sensualidade necessária de Odile, o Cisne Negro da peça que se mascara de Odete, o Cisne Branco que, puro e casto, não revela qualquer problema para a bailarina. Atormentada pela pressão do papel, Nina ainda deve lidar com a chegada Lily, uma nova integrante do grupo que poderá ser uma concorrente no protagonismo do bailado.

 

Extremamente dedicada à dança, Nina investe todos os momentos do seu dia-a-dia num cansativo aprimoramento da sua dança, o que não é de admirar: frágil e insegura, a rapariga partilha a casa com a sua protectora mãe que, ex-bailarina, serve como guia orgulhosa dos feitos da filha ao mesmo tempo que denota uma certa frustração por ter abandonado a carreira em prol da família. Desta forma, é natural que Nina encare a dança como o único escape para o sufoco que a mãe lhe inflige e Portman é inteligente ao retratar Nina não como uma pessoa determinada, mas como alguém que realmente precisa de ser protegida de tudo e de todos, já que nem mesmo os comentários maldosos das suas colegas merecem uma resposta firme por parte dela. Nina tem a graciosidade que Thomas suplica para o papel, mas falha na aura mais sensual que Odile deve transmitir por não conseguir libertar toda a sexualidade reprimida em si – e quando este fogo faz uma rachadela na tômbola que o aprisiona (ou seja, quando Nina se masturba) logo é apagado pela presença da mãe, espelhando o recalcamento a que ela está sujeita.

 

Por falar em espelhos, poucas vezes se viu um uso tão eficaz e orgânico de todos os simbolismos que eles permitem. Através de reflexos, Aronofsky envolve-nos na consciência de Nina e acompanhamos cada uma das etapas do seu descalabro emocional e psicológico, deixando-nos sempre na dúvida (tal como a protagonista) sobre as estranhas visões que tomam conta da narrativa. Esta dualidade é algo que percorre por toda a película e através de variadas manifestações: se a mãe representa o lado adulto e sedutor que a infantilizada Nina tarda em descobrir, a recém-chegada Lily é encarada ora como rival (as asas tatuadas nas suas costas são um pormenor brilhante) ora como amiga, já que a sua espontaneidade leva não só o autoritário Thomas a pensar nela como substituta, mas também exerce um poderoso fascínio em Nina, cujos esforços e racionalização para atingir a precisão absoluta contrastam com a naturalidade e diversão dos movimentos da parceira (isto até chegarmos ao acto final de Cisne Negro, que será abordado no último parágrafo).

 

Belíssima homenagem ao bailado (tal comoO Wrestlerera para o wrestling), Cisne Negro inclui detalhes sobre o árduo quotidiano dos bailarinos profissionais, como o ranger dos soalhos, a constante repetição de coreografias até chegar ao pretendido, e as mazelas e desgaste das articulações sofridos pelos praticantes – e até mesmo o design de produção acerta ao vestir Lily com roupas escuras e Nina com adereços claros, assim como pinta o quarto desta em tons de rosa e atulhado de peluches, numa demonstração da natureza pura e infantil da bailarina. Com um uso constante de sombras que realçam o sentimento de opressão na história, o filme também conta com um trunfo na banda sonora, que usa partes da partitura de Tchaikovsky para complementar as cenas fora da companhia, deixando bem vincado que a devoção à dança é algo que acompanha Nina a toda a hora.

 

No entanto, é Darren Aronofsky e Natalie Portman que exploram a proposta do filme a fundo e tornam-no numa experiência tão marcante: o realizador planta pequenas pistas que indicam o crescente desiquilibrio de Nina, seja em visões dela própria ou em reflexos que se movem instantes depois dela e Aronofky não perde a oportunidade de dar vazão às suas fantasias quando sugere uma metamorfose literal de Nina num cisne negro. Aos poucos, Nina vai-se distanciando da moça fragilizada do início da projecção e descobre uma faceta sua que desconhecia: a sua sexualidade e, ao querer incorporar duas dimensões do mesmo ser, ela resvala para a esquizofrenia e a transformação acontece a todos os níveis (físico, psicológico e emocional). Se antes Nina dançava com distanciamento e frieza, no final aceita toda a magnitude do seu ser e atinge a tão almejada perfeição (e Portman é estupenda ao transpirar a sensualidade e confiança que antes lhe faltava). Porém, isto não surge sem um preço: em mais uma projecção literal da mente quebrada de Nina, as duas personalidades entram em conflito e, para que a excelência seja uma realidade, haveria um obstáculo a abater nem mais nem menos que a própria Nina, ferida de morte com um golpe de um estilhaço de um espelho partido (como ela mesma).

 

São estes simbolismos que tornam Cisne Negro uma experiência transcendente, intensa e evocativa, com a frase de encerramento a resumir não só o feito de Nina, mas o filme como um todo: "Eu senti-o. Foi perfeito."


publicado às 23:20


Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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