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Mission: Impossible - Ghost Protocol (2011)
Realização: Brad Bird
Argumento: André Nemec, Josh Appelbaum
Elenco: Tom Cruise, Jeremy Renner, Paula Patton, Simon Pegg, Michael Nyqvist, Anil Kapoor, Josh Holloway
Qualidade da banha:
Quem diria que Brad Bird, o homem que realizou as maravilhosas animações O Gigante de Ferro, The Incredibles e Ratatouille, seria a escolha ideal para mais um capítulo da série cinematográfica Missão Impossível? Escolha insólita, é certo, mas depois de ver este trepidante Operação Fantasma não há como negar que a aposta foi um enorme acerto. Cada um dos filmes anteriores tinha a marca dos seus realizadores: o tom conspiratório de De Palma, a ação vertiginosa (e, pelo menos naquela obra, enjoativa e ridícula) de John Woo e um clima mais próximo da aventura de um J.J. Abrams saído da televisão, mas apenas este último soube contornar os argumentos pífios já característicos da série – e o mesmo acontece aqui, uma vez que a história é um mero caderno de encargos para as sequências de ação que são absolutamente espetaculares.
Anos depois dos eventos do terceiro filme, Ethan Hunt (Cruise) é resgatado de uma prisão russa pelos companheiros Benji Dunn (Pegg) e Jane Carter (Patton) e o trio terá como missão invadir o Kremlin para recuperar os ficheiros relacionados com o terrorista Cobalt (Nyqvist) que poderá estar na posse de códigos secretos que ativarão uma bomba nuclear – ou algo assim do género, visto que estes dados funcionam como autênticos MacGuffins, um conceito consagrado por Hitchcock: é algo que mantém a história em andamento, é perseguido por todas as personagens, mas não tem relevância para a trama além do facto de ser algo considerado “importante”. Quando as coisas dão para o torto em Moscovo, a IMF é desacreditada e o Governo norte-americano ativa a "Operação Fantasma", que visa extinguir toda a agência de espiões. Hunt e a sua pequena equipa terão de agir por conta própria para limpar os seus nomes e impedir um novo ataque.
Eficiente do ponto de vista narrativo, o destaque de Operação Fantasma reside mesmo nas cenas de ação que Bird conduz com uma segurança impressionante que em nada fica a dever ao bom trabalho de Abrams no terceiro episódio – e eu poderia dedicar cada parágrafo deste texto a cada uma delas tamanho é o efeito que provocam na plateia. Montadas de forma ágil e com uma clareza de ideias que permite ao espectador perceber o papel de cada um dos intervenientes e o espaço onde se inserem, elas ainda contam com o bónus de empregar os equipamentos típicos franquia de maneira engenhosa e divertidamente absurda (o meu favorito é aquele usado para enganar um segurança do Kremlin). E se a sequência em que Hunt escala o Burj Khalifa é digna de aplausos, também aquela que retrata uma importante troca de informações em pisos diferentes desse edifício merece ser salientada pela tensão que desperta.
Demonstrando mais uma vez todo o seu carisma, Tom Cruise encarna Hunt com a dedicação habitual (quase obcessiva) e poucas são as estrelas em Hollywood que vestem tão bem a camisola para este tipo de filmes. Por outro lado, ainda que seja o centro absoluto do filme (e da série), Cruise deixa espaço para os colegas de elenco brilharem ao seu modo: Paula Patton exibe uma sensualidade e um profissionalismo admiráveis, Simon Pegg fica sempre bem como alívio cómico e Jeremy Renner prova que poderá ser um ótimo substituto para Cruise caso a série siga adiante, além de aproveitar alguns momentos em que o filme exige mais de si em termos cómicos. O ponto fraco é mesmo o vilão do excelente Michael Nyqvist (da trilogia sueca Millennium), cuja falta de personalidade e planos mirabolantes fazem dele um inexpressivo antagonista que mais parece saído da galeria de inimigos de James Bond.
Enérgico e imparável desde o primeiro minuto, Missão Impossível: Operação Fantasma faz bom uso das localidades por onde passou, conta com efeitos especiais competentes (embora o chroma key por vezes deixe a desejar) e a banda sonora do meu adorado Michael Giacchino é vibrante e poderosa, ajudando a dar urgência às situações (isto para não falar nas boas variações sobre o marcante tema original de Lalo Schifrin). Ainda que Cruise esteja disposto a pendurar as botas (ou as armas, melhor dizendo), é refrescante perceber que a série pode seguir pelo próprio pé desde que tenha produtores dispostos a corresponder às necessidades da mesma. Bird, como o filme aponta, pode ter futuro para lá da animação.
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.
Nunca fui grande fã de Star Trek (ou O Caminho das Estrelas em Portugal): vi alguns episódios da série clássica, conheço Spock, Kirk, McCoy, alguma da mitologia, vi alguns dos filmes lançados no cinema, mas não me entusiasmei muito. Das séries mais recentes, o pouco que conheço foi através das longas-metragens, que pouco ou nada me cativaram. Caída em desgraça há já vários anos, a saga Star Trek ganha agora uma nova versão que praticamente começa tudo do zero, naquela velha lógica (Spock acharia Hollywood deveras interessante…) de baralhar e voltar a dar que, actualizando conceito e modernizando o aspecto, espera revitalizar alguma franquia e atingir as bilheteiras. Chamaram o novo Midas do audiovisual, JJ Abrams (LOST, Alias – A Vingadora, Fringe, Missão Impossível 3) que logo se declarou como pouco adepto da saga, estremecendo os fãs. No entanto, os argumentistas Roberto Orci e Alex Kurtzman, fãs declarados, fizeram com que este reboot fosse feito com o máximo respeito pelo legado da saga e é do conflito entre estas duas visões que nasce este novo e simplesmente intitulado Star Trek, cuja principal vantagem é ser acessível tanto aos fãs como todos aqueles que são alheios àquele universo.
O filme encena a juventude de Kirk, Spock e companhia, acompanhando a sua primeira missão da USS Enterprise e como todos eles foram promovidos aos seus cargos. No entanto, esta nova revitalização da saga não entra em desacordo com tudo o que foi mostrado anteriormente: a solução encontrada (que não vou revelar, mas já referida em vários artigos) revela-se engenhosa por permitir recomeçar a história e estabelecer novas possibilidades, sem atirar pela janela todo um universo cimentado em 4 décadas. Maior sinal de respeito com os fãs era impossível, ao mesmo tempo que o espectador desavisado tem uma porta aberta para entrar de cabeça naquele universo estranho que, acima de tudo, era um fenómeno de culto. Mais: o filme resgata todo o fascínio que sempre envolveu Star Trek, tornando-se fácil para o público médio identificar-se com toda a imensidão de naves espaciais, viagens em warp, teleportes, vulcanos e romulanos.
O argumento redefine a juventude Kirk e Spock, adicionando-lhes um arco narrativo de conflito pais/filhos (algo muito estimado por JJ Abrams e companhia) que resulta na perfeição por conferir novas dimensões a personagens já conhecidas, mas sem deixar de fora características típicas: Kirk continua fanfarrão (e Chris Pine interpreta-o com a adequada canastrice de William Shatner), McCoy sempre ansioso, Scotty o desvairado do costume, Uhura demonstra o bom senso e Pavel Chekov garante muitos risos com o seu sotaque carregadíssimo. Mas o mais beneficiado (actor e personagem) é Zachary Quinto como um Spock dividido entre a herança vulcana (via paterna) e a natureza humana (por parte da mãe), retraindo os sentimentos ao máximo em prol de uma postura serena e controladora. A costurar todos estes elementos, temos a realização de Abrams que imprime dinamismo ao filme, não deixando que nenhuma cena seja deixada ao acaso, revelando ainda segurança quando o assunto é a acção trepidante (algo já revelado em Missão Impossível 3).
Formado na televisão, Abrams percebeu que o cinema possibilita uma espectacularidade que a TV limita, sem com isso perder as rédeas à narrativa, que nunca se deixa deslumbrar pelos aspectos técnicos. Em poucos minutos, o público leigo é apresentado às características de cada uma das personagens, o que revela uma excelente aplicação de economia narrativa. A música do sempre óptimo Michael Giacchino dá o tom épico ao filme, alternando orquestrações majestosas com partituras mais íntimas. Porque Star Trek é, antes de mais, um filme de personagens: personagens conhecidas que se revigoram para as novas plateias e não é de estranhar que lá esteja Leonard Nimoy, como que a fazer uma passagem de testemunho a vários níveis: da sua personagem, dos fãs para os não-fãs, dos 40 anos anteriores para o século XXI. O filme só peca em algumas tentativas de humor infrutíferas e por dar pouco destaque ao vilão Nero (Eric Bana) que, no final, acaba por não ser aquela ameaça que prometia a início.
Porém, o melhor do filme é algo que deverá convencer os indecisos a assisti-lo: Star Trek é entretenimento de primeira água, uma daquelas aventuras que Hollywood parece ter perdido o condão de fabricar. A aventura, o romance, o humor e o suspense são de tal forma bem doseados que, a espaços, o filme atinge picos de excitação ao nível de Os Salteadores da Arca Perdida ou A Guerra das Estrelas. Contando com sequências de acção espectaculares e efeitos especiais irrepreensíveis, Star Trek é um hino à space opera capaz de cativar as massas para um género anteriormente cheio de chama e vigor, entretanto perdido para a artificialidade e os excessos da tecnologia. Fã ou não de Star Trek ou de ficção-científica, este novo capítulo da saga merece ser visto por toda a gente.
Ao final de Star Trek, com o tema da série a passar, não consegui deixar de imaginar os trekkies (fãs da saga) e os não-fãs em perfeita comunhão. Resultado: eu estava convertido e esperando ansiosamente pelas próximas aventuras.
Qualidade da banha: 17/20