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X-Men: Days of Future Past (2014)
Realização: Bryan Singer
Argumento: Simon Kinberg
Elenco: Hugh Jackman, Michael Fassbender, James McAvoy, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Peter Dinklage, Ellen Page, Shawn Ashmore, Omar Sy, Evan Peters, Josh Helman, Halle Berry, Patrick Stewart, Ian McKellen
Qualidade da banha:
Bryan Singer nasceu para filmar os X-Men. Não adianta ele andar perdido com objetos medíocres como Jack, o Caçador de Gigantes; esta é a sua praia. Foi ele que viu que os comics podiam não só ser uma fonte de (muita) receita para Hollywood, mas também o seu potencial dramático para criar obras sérias, adultas e instigantes que acabassem com o estigma da infantilidade com que a Nona Arte ainda é catalogada. Esta foi a conclusão a que cheguei após assistir ao mais recente e fabuloso capítulo dos X-Men no grande ecrã que, além de mostrar Singer de volta ao topo da forma, aproveita todos os acertos do igualmente fantástico X-Men: O Início.
Baseado num arco de duas partes publicado em 1981, Dias de Um Futuro Esquecido consegue a proeza de simultaneamente servir como prequela da trilogia original e continuação direta de X-Men: O Início: em 2023, os mutantes encontram-se praticamente exterminados devido à ação dos Sentinelas, máquinas letais que detetam o gene X e capazes de mimetizar poderes mutantes. Os poucos sobreviventes, encabeçados pelo professor Xavier (Stewart) e Magneto (McKellen), têm a ideia de usar os poderes de Kitty Pride (Page) para enviar a consciência de Wolverine (Jackman) de volta à década de 70 a fim de impedir que Mística (Lawrence) assassine o empresário Bolivar Trask (Dinklage) – um incidente que daria impulso à criação daquelas máquinas. Porém, para convencer Mística a abandonar os seus planos, Wolverine terá de procurar a ajuda das versões mais jovens de Xavier (McAvoy) e Magneto (Fassbender), que não são exatamente os melhores amigos.
Provando que o seu riquíssimo universo é um prato cheio para alegorias sobre preconceito e intolerância, Dias de Um Futuro Esquecido equilibra-se entre a leveza do seu bom humor e tópicos mais sérios como a promoção da cultura do medo no seio da população (via a comunicação social, claro) ao mesmo tempo que impede que aqueles seres se tornem caricaturas coloridas. Trask, por exemplo, até pode odiar e temer os mutantes, mas a sua mente científica permite-lhe fascinar-se com as potencialidades oferecidas por estes, enquanto Magneto, sempre imprevisível e instável, age consoante as suas convicções diante do ódio que é dirigido à sua raça. Por outro lado, Xavier percorre o arco emocional mais intenso da narrativa ao começar como alguém que abriu mão dos seus poderes (e, consequentemente, da sua missão de mentor) devido a falhanços sucessivos e que, aos poucos, redescobre a própria vocação na causa mutante e a intrigante Mística encontra-se dividida entre o dever de proteger os seus e o custo que as suas ações implicam.
Entretanto, o Wolverine de Hugh Jackman serve como fio condutor entre as duas linhas temporais e o ator mostra-se completamente à vontade no papel não só a demonstrar o seu timing cómico como a fornecer a Logan um olhar ora entristecido ora determinado pelo peso da missão que tem em mãos. O elenco do filme é tão certeiro que o argumento de Simon Kinberg não tem receio de pôr frente a frente James McAvoy e Patrick Stewart como as duas versões de Charles Xavier, numa das melhores sequências da projeção. Contudo, a melhor cena deste novo X-Men é uma que envolve o mutante Mercúrio (Peters, divertidíssimo) numa cozinha e que é um prodígio de efeitos especiais, inventividade e irreverência.
Beneficiado por usar novamente eventos históricos para ancorar aquela realidade fantasiosa (no anterior era a Crise dos Mísseis de Cuba; aqui é o rescaldo da Guerra do Vietname), Dias de Um Futuro Esquecido é hábil ao lidar com um elenco numeroso e vários focos de ação – e o mérito do trabalho de Singer pode ser atestado a partir do momento em que a história salta com precisão entre o passado e o futuro e os eventos de ambos convergem para um clímax trepidante. Além disso, Synger também brilha na condução das cenas de ação que nunca soam gratuitas e aproveitam ao máximo os poderes de cada mutante para conferir agilidade e clareza na forma como se complementam uns aos outros.
Recheado de referências a todos os filmes anteriores (incluindo as dececionantes aventuras a solo de Wolverine) embora seja facilmente acompanhado por aqueles alheios ao universo mutante nos cinemas, Dias de Um Futuro Esquecido fecha a maioria das pontas da velha trilogia e abre novas possibilidades para a franquia, mas vale, acima de tudo, por ser o bálsamo de qualquer blockbuster sazonal: ambicioso, envolvente, fascinante e divertido.
É, numa palavra, um filmaço.
PS: há uma cena adicional após os créditos.
Prometheus (2012)
Realização: Ridley Scott
Argumento: Jon Spaihts, Damon Lindelof
Elenco: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Logan Marshall-Green, Idris Elba, Guy Pearce
Qualidade da banha:
Certos filmes almejam ser tão ambiciosos que acabam por dar um passo maior que a perna, espalhando-se ao comprido (o recenteCosmopolispoderá ser encaixado nesta categoria). Há outros, porém, que são eficazes em levantar questões profundas e que depois mostram as suas fragilidades ao não explorá-las a fundo – e, infelizmente, Prometheus, a prequela do seminal Alien - O 8.º Passageiro, faz parte deste grupo.
Trazendo de volta o britânico Ridley Scott ao universo e ao género que o alçou à fama, Prometheus inicia-se no planeta Terra, num passado distante, onde um alienígena humanoide comete suicídio ao ingerir uma substância líquida que o desintegra. Muitos milénios depois, no ano 2093, a nave que dá título ao filme viaja para o asteroide LV-223 com o intuito de seguir uma carta celeste descoberta pelos arqueólogos Elizabeth Shaw (Rapace) e Charlie Holloway (Marshall-Green) que preveem que a mesma os levará à origem da vida que, creem eles, terá sido arquitetada por uns seres denominados de “Engenheiros”. A tripulação, composta pelo robot David (Fassbender), a arrogante diretora Vickers (Theron) e outros que mais não são do que carne para o abate, decide então explorar uma estrutura que poderá conter as respostas que procuram, mas também perigos que eles não previram.
Dizer que Prometheus não tem ligação direta com a saga Alien não é bem verdade: para além de pegar na raça extraterrestre vista no início desse filme e dar-lhe uma mitologia própria, o filme é praticamente uma homenagem tanto ao nível do fabuloso design de produção como da fotografia que brinca com as sombras e é constituída por uma palete de cores dominada pelos tons de cinza. Além disso, repete a mesma estrutura: uma viagem a um território desconhecido e hostil, um encontro imediato e, posteriormente, a luta pelas vidas do grupo. Curioso é que, apesar de se situar muitas décadas antes do filme que deu a conhecer Sigourney Weaver, os equipamentos vistos aqui soam muito mais avançados e ergonómicos, o que é perfeitamente aceitável visto que acompanhamos uma expedição financiada pela obscura Weyland Corp. enquanto que a Nostromo de Alien era uma simples transportadora sem muitos recursos.
A nível temático, Prometheus envereda pelas grandes questões da humanidade: quem ou o que nos criou? Qual o nosso papel neste mundo? Será que temos alguma importância ou somos um ponto insignificante na imensidão do cosmos? Neste aspeto, é Elizabeth quem personifica estes questionamentos, uma vez que é a sua sede de poder que reboca a narrativa. Profundamente crente, a arqueóloga serve como contraponto à executiva Vickers cujo pragmatismo remete mais à Ciência e à constante luta para que esta se imponha sobre a Fé. É uma pena, portanto, que esta seja retratada por Charlize Theron no registo "sou fria, arrogante e má como as cobras" (culpa do argumento) quando é ela que toma as decisões mais sensatas ao longo do filme, como, por exemplo, não deixar embarcar um possível "infetado" na nave.
Por outro lado, Noomi Rapace continua a não exibir o mesmo carisma da trilogia sueca Millennium desde que pousou em Hollywood – e a sua Elizabeth, embora delineada como a nova Ripley, não possui a mesma força emocional, visto que os seus conflitos resumem-se a uma relação paterna (uma rápida aparição de Patrick Wilson) interrompida precocemente e que foi a origem para a sua personalidade devota. Claro que a figura de uma cientista que paradoxalmente se revela aberta à Fé poderia dar-lhe uma bem-vinda dose de complexidade, mas o máximo que o filme consegue é que sejam outras personagens a apontar a ironia da situação e logo esquecer o assunto, o que é uma surpresa vinda de Damon Lindelof que, como co-criador e showrunner da saudosa série LOST, soube trabalhar maravilhosamente estes tópicos. Neste particular, Michael Fassbender é o único a entregar uma prestação sólida e densa como o "sintético" David: desenvolvido à imagem do ser humano, ele é uma máquina e não possui uma "alma".
Mas o que é verdadeiramente uma "alma"? A nossa personalidade? A consciência? Algo que nos torna simultaneamente únicos e indiferenciados? Ora, David emula Peter O'Toole em Lawrence da Arábia, desenvolve gostos, consegue ser mordaz e até sorrir subtilmente quando as coisas correm como o previsto - aspetos nada característicos de uma máquina. É também por David que passam as grandes reflexões de Prometheus: vendo-se na companhia de semelhantes ao seu Criador que buscam a sua própria origem, o robot é, naquela situação, o ser humano consciente da sua evolução, algo que os tripulantes procuram a todo o custo. Assim, ele dá outra perspetiva à situação e, ao afirmar meio jocosamente que espera "não ser tão igual aos humanos", ele demonstra toda a sua desilusão pelas falhas de caráter da espécie que o criou – o que não invalida que o mesmo não possa acontecer a Elizabeth e companhia. É como se ele pensasse "como alguém tão falho pode ter criado algo supostamente perfeito e controlável?" e, assim, como esperar algo de diferente do suposto Criador do ser humano?
É triste, portanto, que Prometheus chegue ao seu ato final e deixe de aprofundar estas questões sensíveis e prefira dar espaço ao típico "corre e foge" que permeiam todas as banalidades do género. E ainda que Ridley Scott consiga manter um clima tenso ao longo de toda a narrativa (com destaque para uma aterradora cirurgia de urgência), o certo é que os últimos vinte minutos tresandam a covardia de argumentista que tem de respeitar a necessidade imperiosa de estabelecer uma franquia e futuras sequelas e, com isso, deixar as respostas pela rama ou, pior do que isso, interrompendo-as para serem abordadas futuramente. Com isto, o impacto da narrativa é posto em segundo plano para valorizar objetivos comerciais e isto é simplesmente reprovável.
Desta forma, Prometheus pode ser resumido pelo revelador diálogo entre David e Charlie, no qual o primeiro, após perguntar sobre o porquê da sua criação e ouvir um cliché como resposta ("Por que nós podemos!"), remata com um: "não seria uma desilusão ouvir algo semelhante do vosso criador?". Aparentemente, ele recomendaria que víssemos a(s) sequela(s).
X-Men: First Class (2011)
Realização: Matthew Vaughn
Argumento: Ashley Edward Miller, Zack Stentz, Jane Goldman, Matthew Vaughn
Elenco: James McAvoy, Michael Fassbender, Kevin Bacon, Rose Byrne, January Jones, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult
Qualidade da banha:
Quando Bryan Singer assinou o primeiro X-Men, em 2000, as adaptações de comics (salvo raras excepções) vinham sendo tratadas como meros depósitos de infantis batalhas entre o Bem e o Mal onde nada era levado muito a sério. Com esse filme, o género deu o salto qualitativo que precisava: com uma abordagem adulta e inteligente (que foi seguida, em maior ou menor grau, nos dois capítulos seguintes) e sucesso de público, Singer cimentou o paradigma a ser acompanhado por outras obras e os comics nunca estiveram tão em voga no cinema como nos últimos dez anos.
Criados na turbulência de uma América mergulhada nas questões raciais, os X-Men servem como metáfora para qualquer minoria da sociedade: geneticamente diferentes do Homo sapiens, os mutantes possuem habilidades extraordinárias e são excluídos e odiados por muitos daqueles que juraram proteger, os humanos. Assim, Charles Xavier (Professor X) e Erik Lehnsherr (Magneto) surgem como forças antagónicas neste tabuleiro. Enquanto o primeiro age como um diplomata crente na convivência pacífica entre humanos e mutantes, o segundo, sobrevivente do Holocausto, já experienciou o pior da natureza humana e prega o domínio da sua espécie através do uso da força. A dinâmica de respeito/ódio entre os dois indivíduos e as suas ideologias era um dos pontos altos da trilogia original e é resgatada com brilhantismo nesta semi-prequela/semi-reformulação (há detalhes cronológicos que não batem certo, mas isso não é importante) da saga que se dedica aos primeiros tempos da equipa e como Xavier e Erik se conheceram. E, claro, como se desentenderam.
Iniciando-se na década de 40 ao trazer o jovem Erik (Fassbender) num campo de concentração polaco, X-Men: O Início investe boa parte da sua introdução a apresentar a juventude sofrida de Magneto às mãos do inescrupuloso Sebastian Shaw (Bacon) em função dos seus poderes – uma adolescência que é o oposto da do adolescente Charles (McAvoy), cuja família abastada lhe proporcionou estudos e diversão, o que obviamente reflecte-se na postura vivaz de Xavier por contraste ao carácter amargurado de Lehnsherr. Este passa os anos do pós-guerra fixado na ideia de encontrar o seu antigo carrasco e matá-lo, o que o levará a conhecer Xavier e a encetarem, com o apoio da CIA, uma busca por outros mutantes que possam ajudá-los a perseguir Shaw, cujos objectivos passam por inflamar as relações entre os EUA e a União Soviética.
Ao ambientar a narrativa nos anos 60, Vaughn encontra a desculpa perfeita para abraçar a estética comum aos comics, com as suas cores berrantes, salas com designs devidamente retro e uniformes absurdos e pouco práticos. Além disso, o realizador emprega acertadamente um clima que deve muito às primeiras aventuras de James Bond, seja pelo vilão de excelência representado por Bacon e os seus recursos (que submarino de luxo é aquele?) ou pelos diversos países que Erik atravessa na sua vingança pessoal (e Fassbender daria um óptimo 007). Hábil ao lidar com imensas personagens que têm o devido tempo de antena, Vaughn até pode sacrificar a acção a certo instante, mas o que perdemos em adrenalina ganhamos em complexidade das relações das personagens, o que se tornará vital para quando as espectaculares cenas de acção aparecerem, uma vez que o nosso envolvimento emocional nunca é comprometido.
Encarnando um Xavier jovial que certamente não estaríamos à espera, McAvoy transforma-o repleto de ternura, bon vivant e astuto, ainda que inexperiente, como se o seu carácter mais pacato que conhecemos (e esperaríamos ver) fosse moldado com eventos futuros. Por outro lado, Fassbender injecta rancor e ódio em Magneto, mas não o torna num vilão: impulsivo e pragmático, ele é unicamente direccionado pela sua raiva e é o seu receio em ver a História repetir-se que dita os seus actos cada vez mais violentos e impensados. Ele sabe como a humanidade pode ser cruel com aqueles que julga diferentes, ao passo que Xavier acredita na capacidade de aceitação dos humanos – e é do choque entre estas faces da mesma moeda (um simbolismo fartamente usado no filme) que vêm os melhores momentos de X-Men: O Início.
Mas não é só: recentemente nomeada ao Oscar por Despojos de Inverno, a jovem Jennifer Lawrence compõe Raven (ou Mística) como uma rapariga insegura e dividida entre viver com a sua verdadeira aparência ou resguardar-se perante a sociedade. Uma trajectória que encontra paralelo na do precoce Hank McCoy, cuja deformidade leva-o a ressentir-se de comentários alheios e a procurar desesperadamente uma cura que o encaixe naqueles que o rodeiam. Desta forma, X-Men: O Início analisa as suas personagens com sensibilidade e cuidado para que nada saia gratuito: quando Xavier se arrisca por Erik, é por que ele sabe o potencial do amigo na sua luta e, mais tarde, quando o futuro líder dos X-Men suplica ao colega para que não ceda aos seus instintos assassinos, percebemos como aquele discurso soa trágico por todo o abalo que aquela amizade sofrerá.
Divertido e recheado de personagens fascinantes, X-Men: O Início usa a crise dos mísseis de Cuba como estratégia para ancorar aquele universo na realidade e conta com um terceiro ato intenso, da qual se destacam duas cenas: a visão de dezenas de mísseis em direcção ao mesmo alvo, o que expõe a índole destruidora da Humanidade, e o belíssimo plano que acompanha o movimento de uma moeda que retrata tristemente a cisão de valores entre os envolvidos. Envolvente do início ao fim, o filme é um bom exemplo de como as malfadas prequelas não têm necessariamente de ser previsíveis (basicamente já sabemos como tudo se desenrolará) e que podem, de certo modo, providenciar novos olhares sobre acontecimentos posteriores.
Uma lição que não pode nem deve ser ignorada.