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Contágio

por Antero, em 16.10.11

 

Contagion (2011)

Realização: Steven Soderbergh

Argumento: Scott Z. Burns

Elenco: Matt Damon, Laurence Fishburne, Marion Cotillard, Kate Winslet, Elliott Gould, Jude Law, John Hawkes, Enrico Colantoni, Bryan Cranston, Jennifer Ehle, Gwyneth Paltrow
 

Qualidade da banha:

 

O que aconteceria se uma pandemia de um vírus mortal deflagrasse nos dias de hoje? Contágio debruça-se sobre esta questão, começando na origem da infecção, a corrida desesperada por uma cura pelas autoridades médicas internacionais e mergulhando nas implicações políticas e económicas – e, neste aspecto, o filme é bastante detalhado e interessante por abordar como o planeta reagiria à crise e os efeitos da mesma na população. Contudo, ao investir em várias histórias paralelas, Contágio mal consegue aprofundar as suas personagens e perde-se em clichés à medida que a devastação toma conta do planeta.

 

Iniciando-se no "Dia 2" da epidemia, Contágio não perde tempo a enfocar a rápida disseminação da doença: Beth Ehmoff (Paltrow) é uma empresária que regressa doente da China para os Estados Unidos e, pouco tempo depois, morre bem como o seu filho infectado, ao contrário do seu marido, Mitch (Damon), que ficou imune. A partir deste ponto, acompanhamos as tentativas do Centro de Controlo de Doenças em conter a propagação do vírus e as acções da Organização Mundial de Saúde na descoberta do ponto de partida da epidemia e de uma forma de erradicá-la. Ao mesmo tempo, vemos a reacção mundial numa escalada de paranóia e medo alimentada pelos meios de comunicação, nomeadamente a Internet e o blogger e teórico da conspiração, Alan Krumwiede (Law).

 

Com um sensacional elenco a dar vida a todas estas narrativas, Contágio prefere debruçar-se sobre os aspectos científicos da questão e os melhores momentos da projecção são aqueles nos quais seguimos os esforços para isolar o agente patogénico, a exaustão destes processos e os avanços e recuos de todos os envolvidos. Além disso, o argumento faz questão de conferir verosimilhança à história ao citar outras pandemias como a recente Gripe Suína, a Gripe das Aves ou a Gripe Espanhola e apontar dados como o facto de um vírus ser um organismo em constante luta pela sobrevivência pela busca de um novo portador, visto que o actual infectado eventualmente morrerá, e também enfocar as diferentes formas de propagação e eventuais comportamentos de risco. Por outro lado, o filme mete os pés pelas mãos ao retratar a Televisão como mediadora entre as classes científicas e políticas e a população e a Internet como força destrutiva e causadora do pânico que toma conta dos seres humanos, algo que não só é redutor, mas provavelmente falso, como comprovam as atitudes recentes aquando a Gripe Suína.

 

Outro problema de Contágio é a sua inabilidade na componente humana da narrativa – e bem que eu poderia usar a expressão "descaso" sem qualquer conotação negativa, já que grande parte da película descarta (e bem, a meu ver) os dramas pessoais das personagens que, convém referir, têm pouco tempo de antena e são vividos por actores aos quais facilmente atribuímos certas particularidades (a autoridade de Fishburne; o profissionalismo de Winslet; a simpatia de Damon; e por aí fora...). Assim, quando a narrativa vira o seu foco para o mundo pós-apocalíptico a braços com uma catástrofe, os lugares-comuns deflagram mais depressa que o vírus em si e o esforço em encerrar o filme numa nota mais positiva e sentimental surge deslocada e sem o envolvimento necessário para que o público se comova.

 

Dono de uma carreira interessante (porém, irregular) que mistura o cinema comercial com o mais experimental, Steven Soderbergh poderia ter aqui mais uma obra à altura do espectacular Traffic – Ninguém Sai Ileso (com o qual Contágio divide algumas semelhanças nas narrativas paralelas) e a montagem faz um bom trabalho ao manter todas as histórias em andamento e com fluidez, sendo ainda bem sucedida ao retratar a passagem do tempo. Por outro lado, os planos de ruas destruídas, cidades mergulhadas no caos e populações assustadas nunca deixam de lembrar dezenas de outras produções.

 

Desta forma, Contágio acaba por não fazer melhor que tantos outros disaster movies, embora também não faça pior; o que em tempo de vacas magras já é bem meritório.

 

publicado às 22:59

Indomável

por Antero, em 20.02.11

 

True Grit (2010)

Realização: Joel e Ethan Cohen

Argumento: Joel e Ethan Cohen

Elenco: Hailee Steinfeld, Jeff Bridges, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper

 

Qualidade da banha:


Em Velha Raposa (1969), John Wayne mandou às urtigas a imagem que tinha cimentado durante décadas (a do cowboy norte-americano, heróico por natureza, destemido e honrado) no papel do Marshal Rooster Cogburn, velho, beberrão e com um código de valores bastante distorcido. Na época, esta inversão do estereótipo associado a Wayne valeu-lhe o Oscar de Melhor Actor e, actualmente, não há uma estrela de Hollywood que tenha uma carreira solidificada para uma irónica interpretação como a de Wayne (Clint Eastwood há muito que desconstruiu o seu ícone). Desta forma, esta nova refilmagem baseada no livro True Grit de Charles Portis não tem a carga satírica que permeava o anterior, preferindo dar um tempo de antena equivalente às demais personagens e, com isto em mente, os Irmãos Coen filmam um belo e espectacular tributo ao western.

 

Responsáveis também pelo argumento, os Coen contam a história de Mattie (Steinfeld), uma jovem de 14 anos de idade que, determinada a vingar a morte do pai, morto pelo imprestável Tom Chaney (Brolin), contrata o caçador de recompensas Rooster Cogburn (Bridges) para encontrar e levar o assassino à justiça – que também está a ser perseguido pelo texano LaBoeuf (Damon). Os três acabam por unir forças e formar uma equipa relutante que terá de invadir os perigosos territórios índios em busca de Chaney (que poderá ter sido capturado por um bando de criminosos).

 

Moralmente ambíguos, as personagens de Indomável oferecem um prato cheio aos Coen para que estes possam dar azo à sua predilecção por sujeitos caricatos e situações de humor negro. Rooster, apesar de ser um agente da Lei, mata e tortura quando acha necessário e não é por acaso que Mattie o escolhe ao saber que ele é "implacável e sem modos". Constantemente ébrio, Rooster fala e move-se maneira trôpega, mas nem por um momento a divertida actuação de Jeff Bridges nos faz esquecer o profissionalismo daquele Marshal que conta com anos e anos de carreira e uma sagacidade ímpar. Por outro lado, a devoção à Lei por parte de LaBoeuf mistura-se com o pedantismo dos seus discursos, o que leva a tiradas irreverentes de Rooster e ao desespero de Mattie.

 

Revelando-se a maior surpresa do filme, a jovem Hailee Steinfeld é a verdadeira protagonista de Indomável: capaz de discutir taco a taco com homens muito mais velhos e experientes que ela, Mattie não é uma moça ternurenta à espera da nossa simpatia. Obrigada a sustentar a família com apenas 14 anos devido à morte do pai e à invalidez da mãe, ela revela uma maturidade e um pragmatismo precoce sem deixar de ser uma criança aos nossos olhos – e, se o seu desejo de vingança move o filme, é a sua carência de uma figura paterna que encerra-o de forma poética e magistral. Num pequeno papel, Josh Brolin surpreende por inverter as nossas expectativas sobre um vilão como Chaney, vaga esta ocupada por Barry Pepper como Lucky Ned, um vil fora-da-lei, mas com um apurado código de honra.

 

Primorosamente fotografado por Roger Deakins, parceiro habitual dos Coen, Indomável conta com o esmero visual da dupla e, como não poderia faltar, momentos de bom humor aqui e ali, como o tratamento reservado aos índios numa cerimónia de enforcamento ou como quando a violência estilizada explode no ecrã. Além disso, os realizadores orquestram sequências tensas como o tiroteio nocturno numa cabana (cujos disparos revelam-se como ruídos secos, num óptimo trabalho da equipa de efeitos sonoros) ou o confronto num rio e até mesmo o rápido duelo final não desaponta na sua eficiência.

 

Repleto de diálogos escritos e falados com imensa elegância, Indomável é um filme insólito na filmografia dos Irmãos Coen – e percebermos que o desafio é superado com distinção é só mais uma prova da competência e versatilidade da dupla.

 

publicado às 20:14

Hereafter – Outra Vida

por Antero, em 26.01.11

 

Hereafter (2010)

Realização: Clint Eastwood

Argumento: Peter Morgan

Elenco: Matt Damon, Cécile de France, Frankie McClaren, George McClare, Jay Mohr, Bryce Dallas Howard

 

Qualidade da banha:

 

Hereafter Outra Vida inicia com uma reconstituição do maremoto que devastou o sudeste asiático no final de 2004. É uma sequência poderosa, capaz de deixar qualquer catástrofe encenada por Roland Emmerich no chinelo, e onde acompanhamos a repórter francesa Marie LeLay a lutar pela sua vida e que representará um evento traumático, uma vez que ela passa por uma experiência de quase-morte. A partir daí, temos mais duas histórias paralelas: a dos irmãos gémeos, Marcus e Jason, que tentam evitar que os assistentes sociais percebam as recaídas da mãe no alcoolismo e nas drogas, até que um deles morre num acidente trágico e o irmão passa a tentar estabelecer algum tipo de contacto com ele. A outra narrativa (a pior das três) traz Damon como o médium George Lonegan que, após abandonar a sua actividade paranormal, tenta dar outro rumo à sua vida com aulas nocturnas de culinária. Assim, num filme que lida com a morte, os seus efeitos nos que ficam e a obsessão dos mesmos em saber se existe algo mais que o mundo térreo, é uma pena que as partes mais intensas estejam confinadas aos primeiros cinco minutos.

 

Escrito pelo experiente Peter Morgan (A Rainha, Frost/Nixon, Maldito United) e realizado pelo ainda mais experiente Clint Eastwood, Hereafter Outra Vida revela-se uma obra trôpega na condução das suas histórias paralelas que, com o avançar da projecção, irão cruzar-se de maneira absurda e forçada – e, por muito má que seja a fluidez da narrativa, o que irrita mais no filme é a sua incapacidade de transmitir uma mensagem que seja. Não que Morgan e Eastwood não tentem desenvolver uma: aliás, eles disparam para todos os lados e acabam por deixar temáticas a meios, desde "conspirações do silêncio" (?) acerca do Além ou se os espíritos influenciam o nosso mundo ou se estão a aguardar o contacto de algum George (ou da Melinda Gordon) para que os mais chegados continuem as suas vidas.

 

Correctamente mergulhadas em sombras, as cenas de Hereafter Outra Vida sucedem-se sem o mínimo de coesão temporal (a percepção que temos é que dias ou poucas semanas se passaram até percebermos que o tempo avançou meses) e, quando a história de determinada personagem parece engatar de vez, passamos a acompanhar outra, num exercício de frustração agravado pelo ritmo glaciar (leia-se aborrecido) com que Eastwood conduz a película. Para além disso, há cenas que variam entre o constrangedor (o desfecho é péssimo) e o involuntariamente cómico. Toda a sequência do hospício é um mimo: cada quarto parece ter um paciente às portas da morte e rodeado de familiares e, quando um deles falece, surge uma médica a cumprimentar Marie com um comentário divertido sem que apareça alguém para, no mínimo, declarar o óbito.

 

Enquanto isso, Matt Damon, um actor talentoso, faz das tripas coração para que o seu George Lonegan surja mais interessante aos olhos do espectador, desde que este ignore o facto de que o seu isolamento auto-imposto está fadado ao fracasso, já que, ao tocar noutra pessoa, ele estabelece a conexão com os mortos que deseja evitar (o que o torna numa espécie de Rogue, dos X-Men), ao passo que Marie, supostamente uma jornalista famosa e talentosa, perde a reputação em menos de nada, chegando ao cúmulo de ser dispensada por comentários públicos embaraçosos para a estação, algo que ela nunca fez. O descaso para com as personagens é tanto que, após reclamar veemente com Marie por esta falhar os objectivos do livro sobre François Mitterrand, o seu editor liga-lhe quase a pedir-lhe desculpas e a indicar-lhe duas editoras interessadas nos seus escritos sobre o Além (convenientemente, uma Americana e outra Inglesa), referindo até o potencial da obra. Então se o livro tem potencial, por que não publicá-lo? Porque Marie deve ir para o Reino Unido, onde estarão as outras personagens à sua espera ou o filme não acaba!

 

Já com 80 anos, é natural que Clint Eastwood comece a focar a morte e as suas consequências na sua filmografia, como comprova o acto final de Million Dollar Baby ou a encenação do ocaso do ícone do homem duro e de poucas palavras no medíocre Gran Torino. No entanto, Hereafter Outra Vida está tão cheio de equívocos que me leva a pensar se não teremos aqui outro Woody Allen: aquele realizador estabelecido e com uma vasta carreira que, para cada bom filme que produz, tem de lançar uma ou duas produções frágeis que em nada dignificam o seu historial.

 

publicado às 20:16


Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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