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The Avengers (2012)
Realização: Joss Whedon
Argumento: Joss Whedon
Elenco: Robert Downey Jr., Chris Evans, Mark Ruffalo, Chris Hemsworth, Scarlett Johansson, Jeremy Renner, Tom Hiddleston, Samuel L. Jackson, Cobie Smulders, Clark Gregg, Stellan Skarsgård, Gwyneth Paltrow
Qualidade da banha:
Homem de Ferro1e2.O Incrível Hulk.Thor.Capitão América: O Primeiro Vingador. Cinco longas-metragens a pavimentar o caminho para este Os Vingadores e agora temos uma perceção clara da confiança depositada pela Marvel Studios nos heróis da casa e na criação de um universo unificado com histórias relacionadas entre si. Claro que isto significa que os não-iniciados poderão ter algumas dificuldades em acompanhar a narrativa (e convém ver os filmes supracitados), embora o filme reestabeleça as personalidades dos seus heróis de maneira económica – afinal, estamos a falar de uma obra feita por fãs e para fãs. E dificilmente haveria fã mais indicado para comandar a empreitada que Joss Whedon.
Dono de uma carreira que abarca a televisão, os comics, a Internet e o cinema, Whedon meteu as mãos no roteiro inicialmente escrito por Zak Penn (e baseado nas personagens criadas por Stan Lee e Jack Kirby há 50 anos) e desenvolve uma história de origem onde os super-heróis reunem-se para combater uma ameaça genérica: Loki (Hiddleston), o pérfido irmão de Thor (Hemsworth), deita as mãos no Tesseract, um artefacto poderoso visto em Capitão América: O Primeiro Vingador que, uma vez dominado, dará ao seu portador o poder de abrir um portal entre dois Mundos. É então que a SHIELD, a organização de contraespionagem a manutenção da paz mundial comandada por Nick Fury (Jackson), decide avançar com a Iniciativa Vingadores e recruta Tony Stark/Homem de Ferro (Downey Jr.), Steve Rogers/Capitão América (Evans), Thor, Bruce Banner/Hulk (Ruffalo), Natasha Romanoff/Viúva Negra (Johansson) e Clint Barton/Gavião Arqueiro (Renner) para neutralizar os planos de Loki.
Consciente de estar a lidar com uma história que facilmente resvalaria para o camp, Whedon abraça aquele universo com uma mistura saudável de seriedade e irreverência que diverte o público sem cair na comédia involuntária. Para isto contribuem os diálogos afiados e situações inteligentes que refletem as personalidades de cada um dos super-heróis – e como estas já foram, de certa forma, apresentadas anteriormente, Whedon sente-se à vontade para brincar com elas, como no momento em que Steve Rogers paga uma aposta feita com Fury ou a alegria incontida do Agente Coulson (Gregg) na presença do seu ídolo de infância. Ao mesmo tempo, Whedon é bem-sucedido ao manter um clima de desconfiança e tensão sempre que os super-heróis se juntam, o que é mais do que adequado quando reunimos um arrogante bilionário com uma poderosa armadura, uma relíquia da 2ª Guerra Mundial, um semideus, dois espiões de elite e uma verdadeira bomba-relógio prestes a explodir caso não seja contida.
É do choque de personalidades e génios fortes que provém os melhores momentos de Os Vingadores e Whedon mostra que tem a lição estudada ao equilibrar o tempo de antena de cada um para possa brilhar sem ofuscar os colegas – e praticamente todos eles combatem entre si num dado momento da projeção, o que deverá dar pequenos orgasmos nos fãs, e mostram as suas valências quando a ocasião surge. Enquanto isso, o realizador orquestra as sequências de ação de maneira empolgante e com uma escala crescente de espetacularidade, com destaque para o ataque à base da SHIELD e a batalha final em Nova Iorque que deixam os disparates feitos por Michael Bay no bolso com a sua edição clara sem deixar de ser trepidante e uma bem-vinda coerência numa guerra travada em várias frentes.
Mostrando os poderosos seres como figuras quase míticas, tudo em Os Vingadores é feito com a palavra "grandioso" em mente, seja na escala da ação, nos cenários imponentes, na banda sonora pujante, nos faustosos efeitos visuais e até no ego dos seus protagonistas, com o excêntrico e sempre cativante Tony Stark à cabeça, sem esquecer a malevolência de Loki e – a surpresa do filme – o Bruce Banner de Mark Ruffalo. Encarnado pelo terceiro ator em menos de uma década, a complicada personagem é assumida por Ruffalo como um ser mentalizado da sua condição trágica e que tenta manter o controlo a qualquer custo e que, paradoxalmente, usa a figura de Hulk para sua própria defesa ao avisar que soltará o monstro caso seja necessário. Mesmo a Viúva Negra tem a oportunidade de fazer mais do que passear o seu corpo atlético, o que vem no seguimento de Whedon ser adepto de figuras femininas autónomas e fortes (o que é ótimo numa película dominada por seres do sexo masculino).
Sem ter a densidade deO Cavaleiro das Trevas, a sensibilidade de Homem-Aranha 2 ou a complexidade temática deX-Men: O Início(o que o torna emocionalmente vazio), Os Vingadores diverte e impressiona à sua maneira e isto é mais do que o suficiente. Os outros que fiquem com os dilemas e os questionamentos; aqui o que interessa é o sentido de espetáculo – e nisso o filme é irrepreensível.
PS: há uma cena adicional durante os créditos finais.
The Kids Are All Right (2010)
Realização: Lisa Cholodenko
Argumento: Lisa Cholodenko, Stuart Blumberg
Elenco: Annette Bening, Julianne Moore, Mark Ruffalo, Mia Wasikowska, Josh Hutcherson
Qualidade da banha:
Há coisas que não se entendem: certos filmes chegam até nós com completamente sovados pela crítica e não se percebe o porquê de tanto vexame; outros aparecem embalados por elogios e aplausos sem que vislumbremos motivos para tal. Os Míudos Estão Bem pertence a esta última categoria.
Nic e Jules são um casal lésbico com dois filhos adolescentes, Joni (de Joni Mitchell) e Laser (do raio). À medida que Joni se prepara para partir para a Universidade, Laser, com 15 anos, pressiona-a para que lhe faça um grande favor: que o ajude a encontrar o pai biológico de ambos – foram concebidos através de inseminação artificial, embora ele seja filho de Jules e ela de Nic. Embora algo contrariada, Joni honra o pedido do irmão e consegue entrar em contacto com Paul, um bem-disposto empresário da restauração. Este reencontro despoletará uma verdadeira crise no outrora saudável ambiente familiar.
Destaque no Festival de Sundance em 2010, Os Miúdos Estão Bem é cinema independente dos pés à cabeça: apesar de abordar uma temática que não traz nada de novo (o conceito de família e a dinâmica dos seus integrantes), a realizadora Lisa Cholodenko pontua as suas personagens com características peculiares. No entanto, estes detalhes têm como único propósito tornar o filme mais sofisticado na sua proposta, já que falham em tornar aqueles seres mais interessantes – e o facto de percebermos esta obviedade do argumento revela não só falta de sensibilidade na condução da narrativa, mas também um certo preconceito. Paul, por exemplo, é convenientemente dono de uma plantação de alimentos orgânicos e namora com uma afro-americana.
Sem ter a algo a que se agarrar, Cholodenko encena um conflito dramático de maneira artificial com o envolvimento gratuito entre Jules e Paul, já que o aparecimento do pai biológico não parece afectar a relação que Joni e Laser têm com as mães. Desta forma, cabe ao excelente elenco carregar o filme às costas e é por eles que Os Miúdos Estão Bem não se torna um desastre total: Annette Bening consegue salvar a caracterização falha de Nic como mulher ansiosa sem razão aparente, recorrendo a uma postura de "lésbica masculinizada" sem resvalar para a caricatura, assim como Julianne Moore mostra-se insegura e carente (também sem motivo aparente) como a típica figura feminina obrigada a abandonar a carreira em prol dos filhos, enquanto Mark Rufallo confere simpatia e segurança a Paul. Que estas personagens soem autênticas de algum modo é por que têm um talentoso elenco a dar-lhes corpo e alma.
Longe de também poder ser classificado como comédia, Os Miúdos Estão Bem ainda perde um tempo considerável com os amigos de Joni e Laser sem que estes exerçam função alguma na história. Para quê mostrar Laser a consumir drogas com o seu amigo problemático se isto não será abordado adiante? Para mostrar como ele é "atípico"? É a forma como estes assuntos são atirados e depois largados na narrativa que enerva no filme, como se quisesse chamar a atenção à força toda – e, a bem da verdade, há apenas um momento genuinamente sensível e hilariante na mesma medida em toda a projecção: quando Nic e Jules explicam a Laser o porquê de preferirem filmes pornográficos com homossexuais do sexo masculino.
Surpreendente vencedor do Globo de Ouro de Melhor Comédia ou Musical (o que diz muito do prémio e não do filme), Os Miúdos Estão Bem ainda falha ao concluir de maneira pouco satisfatória os "conflitos" criados anteriormente. Numa obra que tenta a todo o custo mostrar-se pouco convencional e inteligente, nada pior do que acabar com um lugar-comum covarde e deselegante.
Muitos consideram que este último decénio fez mal ao bom velho Marty, que se deixou acomodar no lado mais comercial de Hollywood e deixou de ser o autor de outros tempos. Da minha parte não concordo: é certo que Gangs de Nova Iorque esteve aquém das expectativas, mas O Aviador e The Departed - Entre Inimigos deram novo fôlego a Scorsese (não vi, ainda, Shine a Light) e, em muito tempo, os seus filmes começaram a aliar boas carreiras nas bilheteiras com os elogios da crítica. Para todos aqueles que consideram que o mestre já não é o mesmo, é bem provável que o comercial Shutter Island seja mais lenha para a fogueira, levando-os a ignorar os méritos da produção e a passar um pano sobre o facto de que, mesmo a conduzir obras pouco pessoais, Scorsese já teve bons resultados como comprovam A Cor do Dinheiro ou O Cabo do Medo.
Em 1954, dois U.S. Marshalls são chamados para a remota ilha Shutter, onde funciona uma instituição psiquiátrica, com o objectivo de investigar o desaparecimento de uma paciente. A instituição alberga criminosos com doenças mentais e a desaparecida tem tendências homicidas. Para piorar, a mesma desapareceu sem deixar rasto e tudo indica que ainda estará na ilha, da qual se aproxima uma tempestade que a deixará isolada por uns dias. Um dos Marshalls é Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) que tem traumas de guerra para superar e depara-se a relutância do pessoal do hospital em colaborar nas investigações. Aos poucos, o clima de paranóia adensa-se e Teddy será obrigado a confrontar os seus fantasmas para resolver o caso.
Mergulhando o espectador numa atmosfera claustrofóbica, opressora e desconfortável, Scorsese deixa o público às cegas tal como o seu protagonista, o que se revelará importante para a compreensão da sua trajectória, algo salientado pelo própria situação social da altura, com a guerra às bruxas e ao comunismo promovida pelo Senador McCarthy. Teddy perdeu a esposa há uns anos e ainda não superou o choque da violência e degradação humana que presenciou no campo de extermínio de Dachau e como ele comprovou o pior que a natureza humana pode realizar, nada mais acertado que este se encontre dividido entre o que é irreal ou não compartilhando essa experiência com a plateia. Sonho e pesadelo, realidade e ficção andam de braço dado ao longo da projecção e Scorsese parece divertir-se imenso ao brincar com as expectativas e os receios do público, ao mesmo tempo que evidencia o seu típico amor pela Sétima Arte que vão de referências a filmes de terror dos anos 40, 50 e 60, passando por Hitchcock e Brian DePalma, onde a ambientação contava muito.
Para isso contribui a própria ilha Shutter que parece ganhar vida na objectiva de Scorsese: local deprimente tanto nos interiores do hospital como na vastidão florestal ou nas imponentes falésias, tudo contribui para a constante sensação de perigo que aflige o protagonista e, consequentemente, o espectador. Porém, nada disso valeria a pena se a personagem principal não levasse o público a identificar-se com ela e, neste aspecto, o filme só sai a ganhar com a actuação cuidada de Leonardo DiCaprio que há muito deixou de ser uma carinha laroca para se transformar num actor maduro e inteligente. O elenco secundário também não faz feio: Mark Ruffalo transmite confiança como o agente Chuck Aule, Sir Ben Kingsley demonstra todas as nuances e dualidades do afável e misterioso Dr. Cawley, ao passo que Michelle Williams desperta a nossa pena como a sofrida Dolores e o veteraníssimo Max von Sydow é a autoridade em pessoa como o Dr. Naehring.
Contando com uma fotografia belíssima de Robert Richardson que deprime e fascina na mesma medida e uma montagem precisa de Thelma Schoonmaker, ambos colaboradores habituais de Scorsese, Shutter Island até pode ter um desenlace mastigado demais para o público, mas o mesmo funciona porque acompanhamos toda a turbulência interior do momento e as razões que levaram até lá. E, como tantas vezes na sua filmografia, Scorsese oferece-nos a dissecação de um protagonista trágico, numa batalha consigo mesmo e com o seu habitat, tal como Travis Bickle, Jake La Motta, Robert Pupkin, Jesus Cristo, Frank Pierce e Howard Hughes.
Qualidade da banha: 16/20