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My Week With Marilyn (2011)
Realização: Simon Curtis
Argumento: Adrien Hodges
Elenco: Michelle Williams, Eddie Redmayne, Kenneth Branagh, Emma Watson, Judi Dench, Dominic Cooper, Zoë Wanamaker, Dougray Scott
Qualidade da banha:
Em 1957, duas lendas da Sétima Arte uniram esforços para dar vida ao casal da película O Príncipe e a Corista: Sir Laurence Olivier (Branagh) e Marilyn Monroe (Williams). Realizado e produzido pelo primeiro, o filme exigiu que Monroe viajasse para o Reino Unido a fim de participar numas filmagens que se revelariam turbulentas devido ao seu apego pelo Método criado por Lee Strasberg (e desprezado por Olivier), a sua notória dependência química (que atrasava a rodagem) e aos problemas da sua vida pessoal. É neste ambiente que o jovem Colin Clark (Redmayne), terceiro assistente do realizador, aproxima-se da diva que o fascina e acompanha-a na tal semana do título, que se refere ao período em que a produção foi suspensa e o marido de Marilyn, o escritor Arthur Miller (Scott), ausenta-se para os EUA com a desculpa de ir visitar os filhos.
Baseado em duas autobiografias escritas por Clark, A Minha Semana Com Marilyn retrata a difícil rodagem e a sua problemática protagonista. Dona de um carisma único e infindável frente às câmaras, Monroe estava longe de corresponder à imagem de estrela que a rodeava: insegura, carente e toxicodependente, Marilyn era uma figura para a qual ter o Mundo a seus pés não era o suficiente. Rodeada de indivíduos que viviam para mima-la, Monroe buscava afeto genuíno naqueles à sua volta e quando recebe um elogio da consagrada Dame Sybil Thorndike (Dench) ela reage com a emoção de uma criança inocente, como se precisasse de comprovar o que a veterana atriz acabara de dizer. Outro aspeto abordado era a sua constante demanda por uma figura paterna (ela nunca conheceu o pai) e, assim, é natural que ela tenha crises de confiança com a desaprovação de Olivier, a autoridade no estúdio, para com as suas prestações e tenha tido um historial de envolvimentos românticos com homens mais velhos.
Por outro lado, se Marilyn não era a mais talentosa das atrizes (e não era), ao menos tinha interesse em aprender mais sobre o ofício e, mais importante, estava ciente do seu magnetismo perante as objetivas e sabia como transbordar sensualidade para os olhares alheios. Havia uma imagem a defender e Marilyn fazia-o como poucas. Todas estas facetas são personificadas num trabalho assombroso de Michelle Williams: o andar, os trejeitos, o olhar simultaneamente doce e vulnerável, o sorriso contagiante e principalmente a voz, tudo é feito ao pormenor numa incorporação total de Williams que ultrapassa a mera imitação. Nós não conhecemos Marilyn em toda a sua plenitude, mas não é difícil acreditar que tenha sido algo assim - ou melhor, Williams faz-nos acreditar que tenha sido assim.
Colin, por sua vez, tem o olhar esperançoso digno da sua juventude e os esforços do rapaz em subir na vida sem recorrer à sua abastada família são louváveis. Completamente hipnotizado pelo brilho de Marilyn, o seu fascínio é justificado pela sua imaturidade emocional - e mesmo quando o lado negro da estrela é-lhe escancarado, ele tem o impulso de protegê-la e não de condená-la (o que também revela um claro traço de manipulação da parte dela). Olivier, com um monstruoso ego só comparável ao seu imenso talento, desmistifica a atriz à medida que esta o tira do sério com os seus vedetismos e recaídas, mas reconhece-lhe valor por ter subido na vida e sobrevivido ao "veneno de Hollywood". Num dos melhores diálogos do filme, Colin descreve-os como "um grande ator que quer ser uma estrela e ela como uma estrela que quer ser uma grande atriz".
Com um elenco competente a dar vida a figuras míticas como Vivien Leigh ou Paula Strasberg (esposa de Lee), A Minha Semana Com Marilyn não tem um arco narrativo na verdadeira aceção da palavra. Podia ser sobre a ilusão e consequente desilusão de um jovem com o seu ídolo, mas isto não é muito aprofundado (sim, Colin cresce com a experiência, mas a sua vida segue normal). Podia ser sobre a rodagem de O Príncipe e a Corista, mas isto serve apenas para pontuar a narrativa e não se torna o centro absoluto da mesma, apesar da recriação credível dos estúdios Pinewood. O filme é mesmo de Marilyn Monroe. Da lenda do cinema. Da frágil mulher que lhe dava corpo. Da tragédia que se avizinhava. Do seu poder e das suas fraquezas. De tudo o que tinha e tudo o que lhe faltava.
É também o filme de Michelle Williams, uma excelente atriz que pode ter aqui a sua merecida consagração.
Thor (2011)
Realização: Kenneth Branagh
Argumento: Ashley Edward Miller, Zack Stentz, Don Payne, J. Michael Straczynski, Mark Protosevich
Elenco: Chris Hemsworth, Natalie Portman, Tom Hiddleston, Anthony Hopkins, Colm Feore, Stellan Skarsgård, Kat Dennings, Idris Elba
Qualidade da banha:
Desde que a editora de comics norte-americana Marvel se decidiu lançar no mercado das longas-metragens (através da sua divisão Marvel Studios), personagens secundárias da casa ganharam a devida atenção do público em geral graças a um tratamento respeitoso para com as mesmas em obras eficientes, de grande escala e com o bónus de estarem subtilmente interligadas. Homem de Ferro1e2ouO Incrível Hulkpodem até não atingir o patamar dos segundos capítulos das trilogias Homem-Aranha e X-Men, porém são filmes inegavelmente divertidos, com as suas próprias virtudes e um sentido de espectáculo que não é tragado pelo espalhafato dos efeitos especiais. Serve isto para dizer que todas estas qualidades se mantêm na adaptação de Thor, herói de origens mitológicas, e que certamente se revelou um desafio para os produtores, uma vez que os anteriores filmes da Marvel estavam calcados no mundo real e esforçavam-se para que tudo soasse o menos absurdo possível. Desafio esse passado com distinção.
No mundo de Asgard, Reino dos Deuses, Odin (Hopkins) é um líder respeitado e que tenta manter a todo custo uma trégua diplomática com Jotunheim, lar dos inescrupulosos Gigantes do Gelo, ao mesmo tempo que passa os seus conhecimentos aos filhos, Thor (Hemsworth) e Loki (Hiddleston). É o primeiro que deverá herdar o trono, mas uma acção imprudente deste faz com que a guerra se torne iminente, o que leva Odin a bani-lo para Midgard (o nosso planeta, pois claro), onde deverá aprender a ser humilde e a ser merecedor do perdão do pai. Chegado à Terra, Thor conhece a bela cientista Jane Foster (Portman), vê a sua presença investigada pela agência de espionagem SHIELD (familiar para quem viu Homem de Ferro 2) e terá de reaver o poderoso martelo Mjölnir se quiser deixar de um imortal.
Voltando a permitir que a cadeira de realizador seja ocupada por uma escolha inusitada, a Marvel Studios chamou o reputado Kenneth Branagh para o cargo e, mais uma vez, a opção revelou-se acertada. Pouco habituado a filmes de grande escala e com orçamentos inchados, o britânico soube vislumbrar o carácter épico da trajectória de Thor, bem como uma reminiscência shakespeariana do núcleo familiar da personagem. Desta forma, a rivalidade entre o Deus do Trovão e Loki e a inveja que ressente do irmão não surgem como elementos para traçá-los facilmente como "herói" e "vilão": há características e acções que pontuam as personalidades de ambos como a cumplicidade e o respeito que nutrem por Odin. Enquanto Thor é retratado como um líder valoroso (ainda que arrogante) e Loki com uma vilania mais do que apropriada, nota-se sempre uma preocupação mútua, seja por anos de convivência fraternal ou receio do que o rival seja capaz de fazer para travar os intentos do outro – o que, obviamente, ajuda a aprofundar o relacionamento entre ambos.
Não que isto torne Thor numa produção excessivamente sombria: Branagh conduz a narrativa com leveza, recheando-a de situações de bom humor, nomeadamente nas cenas passadas no Novo México quando o herói perde os seus poderes. Irreverente na forma como explora ao máximo o conceito de um ex-deus exilado no meio de mortais (o contraste entre a sua postura de divindade e o que o rodeia é hilariante), o filme oferece-lhe um interesse romântico que, como é da praxe, o ajudará a enfrentar os seus medos e a perceber a sua condição – e se há coisa na qual o filme falha terrivelmente é no desenvolvimento desta relação que, além de rápido demais, provém de momentos clichés como conversas à volta da fogueira e (não estou a brincar) troca de sedutores olhares enquanto preparam o pequeno-almoço. Por muita química que Natalie Portman tenha com Hemsworth (e tem, além de estar lindíssima), não há talento que resista a tamanha lamechice. No resto do elenco, a produção acerta em cheio: Hopkins injecta imensa nobreza e imponência a Odin, enquanto Hemsworth revela-se uma grata surpresa ao encarnar as múltiplas facetas de Thor (a altivez, a irresponsabilidade, a inadequação e, consequentemente, a sobriedade de alguém que foi rebaixado), assim como Tom Hiddleston investe na malícia e astúcia de Loki para compor um vilão a ter em conta.
Auxiliado por um design de produção majestoso e óptimos efeitos especiais (as visões da Ponte do Arco-Íris e dos aposentos em Asgard são de tirar o fôlego), Thor contrapõe a magnificência de Asgard aos cenários mais secos e sem vida dos desertos do Novo México, numa demonstração eficaz da dicotomia entre o mundo dos mortais e dos deuses – e eu quase que aposto que, dos cinco autores da história, as sequências do exílio devem ter tido mão de J. Michael Straczynski, uma vez que são claramente inspiradas pelas edições escritas por este para a revista da personagem (e, não por acaso, uma das melhores fases da mesma). No que toca à acção, o filme não desaponta: as batalhas e as cenas de destruição são grandiosas e espectaculares, fazendo uso das várias capacidades dos intervenientes (eu simplesmente pirei com o rodopio do martelo, um movimento de combate típico do herói na banda desenhada).
Conseguindo ainda incorporar elementos da vindoura produção dos Vingadores de maneira mais orgânica do que aquela feita em Homem de Ferro 2 (atenção a um certo arqueiro que aparece a determinada altura), Thor é bem sucedido ao apresentar o Deus do Trovão a uma nova geração de espectadores, numa película que equilibra competentemente as suas partes mais místicas com uma ideologia mais "realista" que vem a ser seguida pelas obras da Marvel Studios. Num filme que tinha tudo para soar ridículo ou como uma cópia mal feita d' O Senhor dos Anéis, é agradável perceber que Thor soube seguir o seu caminho e estabelecer a sua própria identidade, respeitando as suas personagens e o seu universo. E, por arrasto, o público também.
PS: há uma cena importante após os créditos.