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Godzilla (2014)
Realização: Gareth Edwards
Argumento: Max Borenstein
Elenco: Aaron Taylor-Johnson, Ken Watanabe, Elizabeth Olsen, David Strathairn, Bryan Cranston, Juliette Binoche, Carson Bolde, Sally Hawkins
Qualidade da banha:
A nova versão da seminal criatura que inaugurou o género de filmes kaiju reforça o velho chavão de que não existem más ideias, apenas más execuções. E tudo havia para que o resultado fosse positivo: orçamento gigantesco, efeitos especiais de ponta, bons atores e a noção de adiar ao máximo a entrada em cena da estrela da companhia (o monstro, claro) e investir no desenvolvimento das suas personagens como forma de ancorar o drama da situação. Contudo, Godzilla revela-se um excelente soporífero, sem vida, uma falta de ritmo gritante e que é sabotado pelas suas próprias boas intenções.
Iniciando-se de maneira promissora com uma boa e tensa sequência inicial passada nas Filipinas em 1999, o argumento escrito por Max Borestein atira as suas boas ideias janela fora uma a uma com o desenrolar da projeção e deposita as suas fichas no mais aborrecido dos protagonistas: Ford (Taylor-Johnson, inexpressivo) que, regressado ao Japão depois de uma tragédia familiar, tem de cuidar do pai (Craston, desperdiçado) que, por sua vez, mostra-se obcecado com o acidente que decretou o estado de quarentena na central nuclear onde trabalhava. Em pouco tempo, está um monstro à solta que ameaça a vida de milhões de pessoas.
Não, esse monstro não se trata de Godzilla: nesta versão, a origem do famoso ser foi alterada para algo de acordo com a Evolução das Espécies e este surge para manter o equilíbrio natural caso outras criaturas se lembrem de aparecer – pelo menos foi isto que percebi da verborreia técnica cuspida pelos talentosos Sally Hawkins e Ken Watanabe que, coitados, fazem o possível para dar credibilidade a explicações que envolvem "fome de radiação" e "se são dois, então um deve ser macho e outro fêmea, logo vão acasalar", embora a forma como eles chegam a estas conclusões permaneça um mistério.
Estes absurdos, porém, fazem parte da proposta e a sua aceitação depende da elasticidade da suspensão de descrença de cada um. Eu estou disposto a aceitar isto tudo, a sério que estou, mas sabem o que me custa a aceitar? Que um tsunami se forme quando uma enorme massa se desloca pelo mar e atinge a costa, mas quando essa mesma massa retorna ao oceano nem a uma onda para surfar temos direito. Que uma criança reencontre num instante os pais perdidos tendo em conta a devastação sofrida à sua volta. Ou que queiram exterminar seres que se alimentam de radiação com... uma bomba atómica. Ou que o exército vasculhe instalações inóspitas de resíduos nucleares para procurar um gigantesco monstro e somente o encontram quando verificam uma divisória do local (meios aéreos incluídos), sendo que a criatura deixou um imenso rastro de destruição atrás de si – e, mesmo assim, os militares precisam de binóculos para a discernir no meio do deserto.
Sem mostrar a sua estrela na maior parte da projeção, o realizador Gareth Edwards obriga-nos a acompanhar e a tentar (sem sucesso) que temamos pela vida de um bando de clichés ambulantes (o cientista paranoico, o militar que deseja voltar para casa, a esposa sofredora, etc.), mas os seus dilemas são tão desinteressantes que dá vontade de berrar "saiam da frente que eu quero é ver a destruição!". Enquanto isso, a estratégia de Edwards em adiar ao máximo as sequências de ação até cria um ou outro momento bem esgalhado (como a do noticiário), mas a sua insistência em recorrer a fades para a transição das cenas leva à conclusão que a história não tem soluções para os obstáculos que levanta – e quando Godzilla entra verdadeiramente em ação, as burocráticas lutas e o facto de termos lutado hora e meia contra o sono retiram toda a excitação do icónico momento.
Contando com momentos que, isoladamente, funcionariam às mil maravilhas num trailer promocional (como a descida dos paraquedistas, embora o filme se esqueça que já havia estabelecido que Godzilla não era um dos vilões, logo a tensão é inexistente), este novo Godzilla consegue o impossível: fazer com que a versão de Roland Emmerich seja, à sua maneira, superior. O de 1998 com certeza era idiota, mas o de 2014 é idiota... e frustrante.
Se querem ver um bom, vigoroso e divertido filme de monstros à porrada, não vão muito longe: Batalha do Pacífico manda cumprimentos.
Cosmopolis (2012)
Realização: David Cronenberg
Argumento: David Cronenberg
Elenco: Robert Pattinson, Kevin Durand, Sarah Gadon, Jay Baruchel, Paul Giamatti, Juliette Binoche, Samatha Morton
Qualidade da banha:
Cosmopolis é uma treta disfarçada de filme profundo e que nos convida a refletir sobre as suas ideias - isto é, até percebermos que a obra em questão não vale o tempo perdido com divagações sobre os seus temas. Não é difícil perceber o que terá atraído David Cronenberg a levar o livro de Don DeLillo ao grande ecrã; incompreensível é que tenha realizado um produto que quanto mais questiona mais vazio e irritante se revela.
Eric Packer (Pattinson) é um jovem bilionário e uma verdadeira ratazana da alta finança que mete na cabeça que tem de ir cortar a cabelo. Para isso, terá de cruzar uma Nova Iorque em autêntico clima de ebulição, visto que o Presidente dos EUA e outras figuras políticas se encontram na cidade, o que dá um prato cheio para violentas manifestações de anarquistas. Sem dar ouvidos ao seu guarda-costas (Durand) que acredita que a sua vida corre perigo, Eric vai-se cruzando com diversos indivíduos, ora colaboradores profissionais ora completos estranhos, que o levarão a meditar sobre o seu rumo.
Hábil a lidar com temas que mergulham na psique humana e nos seus conflitos, Cronenberg tenta ensaiar um estudo sobre os malefícios do capitalismo desenfreado e de como a tecnologia se tornou uma máquina de fazer dinheiro que suga a humanidade de todos os agentes ao mesmo tempo que lida com um protagonista que, obviamente, representa aquele 1% da população que detém a riqueza e cuja sede de poder parece não ter limites. Eu escrevi "tenta" por que a verdade é que tudo sai ao lado: Cosmopolis quer ser tanta coisa ao mesmo tempo que se esquece de ser um filme.
As cenas sucedem-se sem a mínima coesão que não a da lógica temporal – o que já é uma proeza ao lado de personagens que se comportam de maneira absurdamente robótica e debitam diálogos atrozes ("Porque se chamam aeroportos?") e que nem respeitam as leis de uma conversa a dois: ninguém parece falar para outra pessoa, mas para si mesma, exatamente como num monólogo e, muitas vezes, sem responder ao que é perguntado. Claro que isto poderia refletir a alienação da sociedade atual e nota-se que Cronenberg tenta imprimir esta abordagem na narrativa, só que a mesma cai por terra devido à teatralidade das ações daqueles indivíduos.
Para piorar, Cronenberg retrata os manifestantes como uma turba incontrolável que, nos tempos mortos, dedica-se a invadir restaurantes com animais mortos e uma das ideias de Cosmopolis é a de que ratazanas se tornariam a nova moeda corrente – e peço desculpa por achar esta metáfora completamente indecifrável e mal explorada. Também o que esperar de um filme onde os seres humanos reagem como se fossem simulações de computador e que inclui momentos idiotas como aquele em que Eric cruza-se, no meio do trânsito, com um taxi que leva a sua esposa ou aquele em que o bilionário não esboça a mínima reação ao dispararem sobre ele, o que me leva a suspeitar que ele não se trata realmente de um humano e sim de produto de um argumento que se acha erudito e que, para ser sincero, é apenas fútil.
Claro que o elenco pouco pode fazer com personagens tão rasas: dói ver nomes como Juliette Binoche, Samantha Morton e Paul Giamatti (naquela que está mais próxima de um ser tridimensional) serem desperdiçados por diálogos sofríveis e situações irracionais e Robert Pattinson bem tenta, mas é inexpressivo e nada convincente para que consiga manter o interesse. Até o "duelo final" é boicotado pela monotonia de Pattinson e pelo fim abrupto que é dado à mesma, numa tentativa de acabar numa nota contemplativa e reflexiva que falhou em toda a linha.
Agradeço a Cronenberg o esforço em fazer-me pensar, mas o melhor é que ele pense em voltar a fazer bons filmes.