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Hugo (2011)
Realização: Martin Scorsese
Argumento: John Logan
Elenco: Asa Butterfield, Chlöe Grace Moretz, Ben Kingsley, Sasha Baron Cohen, Jude Law, Christopher Lee
Qualidade da banha:
Não deixa de ser curioso que dois dos grandes candidatos aos Oscars este ano abordem temáticas que remetam para os primórdios do Cinema, numa evocação de nostalgia que embala o espectador – mas, ao contrário deO Artista, esta curiosidade praticamente se torna numa bem-vinda ironia quando Scorsese abraça as mais recentes tecnologias para nos levar por uma viagem pelo fenómeno de popularização da Sétima Arte quando esta era ela própria... a mais recente tecnologia.
Escrito por John Logan a partir do livro de Brian Selznick, a história acompanha o órfão Hugo (Butterfield), que, vivendo numa estação ferroviária de Paris, tenta juntar peças a fim de reconstruir um autómato encontrado pelo seu pai (Law). Certo dia, Hugo é surpreendido pelo dono de uma loja de brinquedos ao tentar roubar mais um objeto para seu projeto e acaba por trabalhar para o sujeito ou será entregue ao ameaçador inspetor da estação, Gustave (Cohen). Tornando-se amigo de Isabelle (Moretz), filha adotiva do lojista, o rapaz acaba por descobrir que o seu patrão é Georges Méliès (Kingsley), esquecido realizador do icónico A Viagem à Lua e possível inventor do objeto descoberto pelo seu pai.
Com um tom de fábula mais do que apropriado à narrativa, A Invenção de Hugo situa a sua ação numa Paris fantasiosa, mas não irrealista: a estação de comboios é intensamente banhada por luz, a biblioteca está exageradamente apinhada de livros e os mecanismos dos relógios aparentemente não têm fim, mas estes cenários, mediante um design de produção e efeitos visuais impecáveis, nunca deixam de soar funcionais e harmoniosos – e Scorsese, um amante de planos-sequência, não hesita em empregá-los para acompanhar Hugo nas suas deambulações pelas entranhas da estação, sendo ainda beneficiado por um (finalmente!) trabalho em 3D memorável, já que a profundidade do campo visual é potenciada ao máximo e dando-se ao luxo de brincar com a tecnologia, como no momento em Gustave ameaça as crianças e a sua cabeça quase "salta" do ecrã.
Mas é a partir do momento em que a identidade do lojista é revelada que A Invenção de Hugo revela a sua ambição: Méliès já era um ilusionista reputado quando se deparou com o cinematógrafo dos irmãos Lumière e percebeu que poderia aplicar os seus truques para aperfeiçoar a técnica cinematográfica e contar histórias que desafiassem a imaginação do público. Tal como o Cinema, Hugo sofre uma trajetória emocional semelhante: limitado ao que via à distância no seu quotidiano (assim como os primeiros filmes traziam eventos prosaicos), ele logo é atirado para situações que remetem à aventura e que, de certa forma, refletem obras do primeiros anos da Sétima Arte (o incidente do comboio e o instante em que Hugo se pendura no ponteiro de um enorme relógio).
Noutras ocasiões, Scorsese faz uma recriação literal das produções de Mèliés e, mais uma vez, o efeito 3D é inteligentemente usado para traçar um paralelo entre a imersão que se busca atualmente e aquela que o pioneiro dos efeitos visuais almejava há mais de um século, como no brilhante momento no qual a câmara se afasta e vemos um aquário em grande plano e o cenário ao fundo, dando a ilusão de ambiente subaquático). A grande lição de A Invenção de Hugo, porém, é a necessidade de preservação dos clássicos como parte importante da História – e a salvação do esquecimento absoluto a que Mèliés (ainda) é sujeito justifica-se pela celebração de um legado artístico incalculável para criar as bases pelas quais o Cinema evoluiu e amadureceu.
Apenas prejudicado por histórias paralelas que se alongam mais do que o necessário e personagens secundárias sem grande relevância, A Invenção de Hugo é uma carta de amor não só a uma técnica, mas também a todas as suas potencialidades limitadas à imaginação de cada um. Uma homenagem feita com a tecnologia de ponta de agora para quem tudo isto proporcionou no passado.
Sherlock Holmes: A Game of Shadows (2011)
Realização: Guy Ritchie
Argumento: Kieran Mulroney, Michele Molroney
Elenco: Robert Downey Jr., Jude Law, Noomi Rapace, Jared Harris, Stephen Fry, Kelly Reilly, Rachel McAdams
Qualidade da banha:
Em 2009, Guy Ritchie apresentou uma variação sobre a figura icónica do detetive Sherlock Holmes: direcionado para as gerações recentes, Holmes é agora o típico herói de ação, mas sempre acompanhado do inseparável Watson e ainda é o inferno da sua senhoria. Altamente perspicaz e inteligente, a personagem respeitava a essência das obras de Sir Arhur Conan Doyle apesar de todos os exageros impostos pelo faro comercial. Assim, não deixa de ser dececionante que Ritchie, após ser bem-sucedido na tarefa introduzir um renovado Holmes, repita a mesma fórmula do original, ampliando o que aquele filme tinha de pior.
Escrito pelo casal Molroney, Sherlock Holmes: Jogo de Sombras passa-se algum tempo depois dos eventos do primeiro filme: uma série de atentados terroristas, mortes de figuras célebres e aquisições em larga escala levam a que Sherlock (Downey Jr.) relacione-as com o temível Professor Moriarty (Harris). Com o fiel Watson (Law) prestes a casar com Mary (Reilly), Holmes decide levar a investigação avante apesar da recusa do amigo em acompanhá-lo – algo que os fará ir no encalço de Simza, uma cigana que inadvertidamente foi envolvida nos planos de Moriarty.
Situado na mesma Londres vitoriana suja e sombria e depois passando para faustosos cenários europeus como Paris e os alpes suíços, Sherlock Holmes: Jogo de Sombras tem no design de produção e na fotografia os seus pontos fortes: da Ópera de Paris aos bosques alemães, passando pelas ruelas londrinas e na utilização de inovações da época como o automóvel e a massificação dos comboios, tudo surge com um misto de elegância e negrume sem que estas facetas distintas se anulem uma à outra e – com o auxílio de abundantes efeitos especiais – se complementem numa atmosfera de intrigas e mistérios.
É triste, portanto, que o argumento não tenha ponta por onde se lhe pegue e insista, mais uma vez, numa história desnecessariamente confusa e absurda, desperdiçando até o potencial de contar com o arqui-inimigo de Sherlock, cujos planos mirabolantes têm a megalomania de um vilão de James Bond e não da sofisticação digna do detetive. Sofisticação que aparece somente no último confronto entre os dois com uma partida mental de xadrez mas, a esse ponto, já os viramos em confrontos físicos e em ocasiões em que Moriarty tenta eliminar o rival com... armamento pesado!
Talvez cansado de personificar figuras excêntricas (e de carregar filmes nas costas), Robert Downey Jr. está no piloto automático como um Holmes cuja genialidade é substituída pela corrida desenfreada e lutas constantes, enquanto Jude Law parece tão cansado como o seu Watson por ser obrigado a aturar e a ajudar o amigo vezes sem conta – e a dinâmica entre ambos, tão salutar, fluida e divertida no primeiro filme, surge aqui como uma quase dependência por parte de Holmes (o médico quer estar com a amada, porém é arrastado para um novo caso... outra vez!) e um frete da parte de Watson. Por outro lado, Jared Harris dá tudo o que pode como Moriarty e se o vilão não é mais assustador a culpa não é sua, mas sim do argumento, ao passo que Noomi Rapace torna-se, em pouco tempo, nasegundaintegrante do cinema nórdico a não causar impressão alguma numa superprodução de Hollywood (e nem vou abordar as pequenas participações de Kelly Reilly e Rachel McAdams que, com pouco tempo de antena, limitam-se ao mesmo... que já não era memorável.).
Com uma história aborrecida e um elenco subaproveitado, não admira que Sherlock Holmes: Jogo de Sombras seja tão entediante apesar dos esforços de Guy Ritchie em que o espectador não perceba a mísera história que tem em mãos. Mesmo o seu reconhecido virtuosismo acaba por resvalar para o excessivo com as gratuitas câmaras lentas que aparecem em toda a projeção (e esse exagero culmina na sequência em que as personagens fogem por uma floresta debaixo de fogo intenso). Tudo isto seria perdoável se Ritchie aproveitasse a oportunidade para expandir aquele universo (cenários diferentes não contam) e mergulhar a fundo nas motivações das personagens. Assim, temos o indivíduo peculiar com faro para conspirações, o fiel companheiro que se junta a ele por razões desconhecidas e o mauzão que almeja conquistar o mundo.
E explosões, muitas explosões.
Contagion (2011)
Realização: Steven Soderbergh
Argumento: Scott Z. Burns
Elenco: Matt Damon, Laurence Fishburne, Marion Cotillard, Kate Winslet, Elliott Gould, Jude Law, John Hawkes, Enrico Colantoni, Bryan Cranston, Jennifer Ehle, Gwyneth Paltrow
Qualidade da banha:
O que aconteceria se uma pandemia de um vírus mortal deflagrasse nos dias de hoje? Contágio debruça-se sobre esta questão, começando na origem da infecção, a corrida desesperada por uma cura pelas autoridades médicas internacionais e mergulhando nas implicações políticas e económicas – e, neste aspecto, o filme é bastante detalhado e interessante por abordar como o planeta reagiria à crise e os efeitos da mesma na população. Contudo, ao investir em várias histórias paralelas, Contágio mal consegue aprofundar as suas personagens e perde-se em clichés à medida que a devastação toma conta do planeta.
Iniciando-se no "Dia 2" da epidemia, Contágio não perde tempo a enfocar a rápida disseminação da doença: Beth Ehmoff (Paltrow) é uma empresária que regressa doente da China para os Estados Unidos e, pouco tempo depois, morre bem como o seu filho infectado, ao contrário do seu marido, Mitch (Damon), que ficou imune. A partir deste ponto, acompanhamos as tentativas do Centro de Controlo de Doenças em conter a propagação do vírus e as acções da Organização Mundial de Saúde na descoberta do ponto de partida da epidemia e de uma forma de erradicá-la. Ao mesmo tempo, vemos a reacção mundial numa escalada de paranóia e medo alimentada pelos meios de comunicação, nomeadamente a Internet e o blogger e teórico da conspiração, Alan Krumwiede (Law).
Com um sensacional elenco a dar vida a todas estas narrativas, Contágio prefere debruçar-se sobre os aspectos científicos da questão e os melhores momentos da projecção são aqueles nos quais seguimos os esforços para isolar o agente patogénico, a exaustão destes processos e os avanços e recuos de todos os envolvidos. Além disso, o argumento faz questão de conferir verosimilhança à história ao citar outras pandemias como a recente Gripe Suína, a Gripe das Aves ou a Gripe Espanhola e apontar dados como o facto de um vírus ser um organismo em constante luta pela sobrevivência pela busca de um novo portador, visto que o actual infectado eventualmente morrerá, e também enfocar as diferentes formas de propagação e eventuais comportamentos de risco. Por outro lado, o filme mete os pés pelas mãos ao retratar a Televisão como mediadora entre as classes científicas e políticas e a população e a Internet como força destrutiva e causadora do pânico que toma conta dos seres humanos, algo que não só é redutor, mas provavelmente falso, como comprovam as atitudes recentes aquando a Gripe Suína.
Outro problema de Contágio é a sua inabilidade na componente humana da narrativa – e bem que eu poderia usar a expressão "descaso" sem qualquer conotação negativa, já que grande parte da película descarta (e bem, a meu ver) os dramas pessoais das personagens que, convém referir, têm pouco tempo de antena e são vividos por actores aos quais facilmente atribuímos certas particularidades (a autoridade de Fishburne; o profissionalismo de Winslet; a simpatia de Damon; e por aí fora...). Assim, quando a narrativa vira o seu foco para o mundo pós-apocalíptico a braços com uma catástrofe, os lugares-comuns deflagram mais depressa que o vírus em si e o esforço em encerrar o filme numa nota mais positiva e sentimental surge deslocada e sem o envolvimento necessário para que o público se comova.
Dono de uma carreira interessante (porém, irregular) que mistura o cinema comercial com o mais experimental, Steven Soderbergh poderia ter aqui mais uma obra à altura do espectacular Traffic – Ninguém Sai Ileso (com o qual Contágio divide algumas semelhanças nas narrativas paralelas) e a montagem faz um bom trabalho ao manter todas as histórias em andamento e com fluidez, sendo ainda bem sucedida ao retratar a passagem do tempo. Por outro lado, os planos de ruas destruídas, cidades mergulhadas no caos e populações assustadas nunca deixam de lembrar dezenas de outras produções.
Desta forma, Contágio acaba por não fazer melhor que tantos outros disaster movies, embora também não faça pior; o que em tempo de vacas magras já é bem meritório.