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The Hangover Part III (2013)
Realização: Todd Phillips
Argumento: Todd Phillips, Craig Mazin
Elenco: Bradley Cooper, Ed Helms, Zach Galifianakis, Ken Jeong, John Goodman, Justin Bartha, Heather Graham, Mike Epps, Melissa McCarthy
Qualidade da banha:
A Alcateia está de volta, mas antes nunca tivesse voltado. Depois de umprimeiro filmetresloucado e divertidíssimo veio a inevitávelsequelaque mais não era do que uma cópia descarada em que mudou-se o cenário (de Las Vegas para Banguecoque) e pouco mais, com resultados fraquíssimos. Mas como tudo o que dá lucro é para continuar, vemos em A Ressaca - Parte III Hollywood a fazer o que faz melhor: espremer a teta de uma vaca até à exaustão. Pena é que o animal se encontre anémico – e se acham esta analogia inapropriada, esperem para ver a que os pobres animais deste filme são sujeitos ao longo de exasperantes 100 minutos.
Após uma introdução que remete para Os Condenados de Shawshank (o que não é de todo mau), A Ressaca - Parte III traz a decapitação de uma girafa. Sim, leram bem: uma girafa é decapitada logo aos 5 minutos. Os detalhes do animal estar ali pronto a ver saltar-lhe a cabeça é algo que o argumento não se preocupa em responder e basta que uma personagem se refira ao evento com um "Quem se importa?" para que cresça no espectador o receio de que esta Parte III seja uma mera colagem de cenas que alguma mente insana achou adequadas ao conceito de "comédia" – um receio que se vem a confirmar. Não lamentem, porém, o destino reservado à girafa durante muito tempo, já que, mais à frente, o filme mostra cães a serem drogados e galos a serem baleados. Um deles até tem direito a uma morte mais compassiva: é sufocado com uma almofada. Sim, leram bem: um galo é sufocado com uma almofada neste filme.
Reparem que ainda nem me debrucei sobre a premissa, mas isso é intencional. Atentem no seguinte, se tiverem coragem para tal: desta vez, o grupo reúne-se para levar Alan (Galifianakis) para um centro de reabilitação, mas envolve-se numa enorme confusão quando são interpelados pelo mafioso Marshall (Goodman) que rapta Doug (Bartha) e exige que os restantes encontrar o paradeiro de Leslie Chow (Jeong), o criminoso asiático visto nos dois capítulos anteriores, e que recuperem as barras de ouro que este tem na sua posse. Isto levará Alan, Phil (Cooper) e Stu (Helms) ao México e Las Vegas, mas desta vez sem bebedeira nem ressaca à vista. É verdade: esta Parte III não repete a estrutura dos outros dois (o que seria um erro), mas não oferece nada de novo. Nem como comédia resulta, uma vez que está mais para um heist movie recheado de cenas violentas que os produtores tentam passar como "comédia".
Duvidam? Há a girafa e os galos, um pai morto, um monte de mafiosos assassinados – só o raio da vaca é que não morre porque mantê-la viva é a única coisa que interessa. Ao elenco não é pedido que estejam bem ou que sejam engraçados, eles apenas precisam de estar lá. Bradley Cooper percorre a projeção envergonhado e com ar de "vamos despanhar isto que eu já sou nomeado para os Oscars!", Ed Helms foi só lá para receber o cheque e Justin Bartha é posto de lado logo no primeiro terço (o que já se tornou uma sádica tradição). Quanto a Zach Galifianakis, o destaque absoluto do primeiro filme, aqui deixa a leveza infantil de parte e aposta na debilidade mental como traço único da sua personalidade – mas nada que chegue aos pés da chatice proporcionada por Ken Jeong que, repetindo sempre o mesmo papel irritante, só funciona em doses pequenas e que, aqui, é colocado no centro de tudo e ganha um protagonismo desmesurado. Já as participações pequenas da bela Heather Graham e da ótima Melissa McCarthy são um verdadeiro desperdício, mas sempre dá para desviar a atenção do caos que as rodeia que não poupa nem mesmo John Goodman que investe num vilão demasiado sério para este tipo de filme.
O maior pecado de A Ressaca - Parte III é que este simplesmente não é engraçado e isto nada tem a ver com a crueldade animal ou o negrume da história: os Farrelly já mostraram que conseguem fazer rir com o primeiro e os Coen cimentaram as suas carreiras com o segundo. Phillips parece mais interessado em ultrapassar a hora e meia regulamentar e correr a depositar o cheque, tal como os restantes envolvidos. Que o filme não tenha ponta por onde se lhe pegue, não inspire risos ou tente criá-los através do choque gratuito e seja um aborrecimento do início ao fim é algo que simplesmente não lhes interessa. É preciso chegar a meio dos créditos finais para ver algo remotamente parecido com algo que uma longa-metragem intitulada A Ressaca prometeria, mas, a esse ponto, já era eu que berrava "Quem se importa?".
The Artist (2011)
Realização: Michel Hazanavicius
Argumento: Michel Hazanavicius
Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Missi Pyle, Penelope Ann Miller
Qualidade da banha:
Homenagem sincera a uma maneira extinta de se fazer Cinema ou simples réplica dos filmes mudos dos anos 20, o certo é que O Artista é uma obra corajosa: apresentado em preto e branco, praticamente sem diálogos e sons diegéticos (orgânicos à narrativa) e com uma equipa relativamente desconhecida, até custa a acreditar que um dos filmes mais badalados da temporada reúna estas condições. O que outros poderiam encarar como limitações, o realizador Michel Hazanavicius usa-as a seu favor para criar uma experiência envolvente, nostálgica e única. Mais do que isso: um memorável esforço artístico.
George Valentin (Dujardin) é uma estrela cinematográfica que tem tudo: sucesso, fama, milhões de fãs, um motorista fiel (Cromwell), a confiança do estúdio, uma esposa mimada (Miller) e um cão que é o seu companheiro dentro e fora dos ecrãs (o adorável Uggie). Certo dia, Valentin cruza-se com a jovem e bela Peppy Miller (Bejo) que tenta a sua sorte em Hollywood e o ator, claramente fascinado por ela, acaba por lhe servir como rampa de lançamento. Pouco depois, o som revoluciona a indústria e Valentin vê a sua carreira desmoronar enquanto Peppy dispara rumo ao estrelato.
Obviamente inspirado por Assim Nasce Uma Estrela (a queda de um mito e a ascensão da sua "protegida") e pelo maravilhoso Serenata à Chuva (a transição do cinema mudo para o sonoro), O Artista incorpora vários elementos da época em questão: a proporção do ecrã é a chamada "janela clássica" (1.33:1); a evocativa banda sonora serve para pontuar a narrativa; as transições de cenas são feitas com recursos típicos da altura (fades, transição em íris, ...); vários close-ups das caras dos atores; a iluminação e a fotografia remetem para a Hollywood dos anos 20 com eficiência (embora o filme tenha sido gravado a cores). Mesmo os entretítulos usados para os diálogos são utilizados com inteligência para que apareçam o mínimo possível e informando apenas o essencial – cabe pois ao elenco a tarefa de transmitir tudo o que se passa no ecrã.
Tarefa esta aparentemente simples, mas acreditem que não é. Caracterizado por intérpretes que faziam "caretas", o cinema mudo valia-se do exagero das expressões e dos movimentos digno do Teatro, visto que esta era a única forma de comunicar emoções à plateia. Hazanavicius inicia O Artista com a apresentação do filme mais recente de Valentin, numa boa opção que prepara o espectador para o que virá a seguir, mas o realizador também percebe que o público atual está condicionado por décadas e décadas de Cinema onde o excesso de outrora já não tem lugar – e como a história acompanha as personagens "fora dos ecrãs", as suas composições não podem cair neste erro, o que sem o auxílio do som e com poucos diálogos, não é nada fácil.
Desta forma, a linguagem corporal dos atores assume um papel fulcral que, mal trabalhada, arruinaria tudo. Felizmente, Jean Dujardin e Bérénice Bejo exibem uma química exemplar e fazem um par notável. Ele capta a aura que rodeava os galãs da época, bem como o carisma e a canastrice de um Rudolph Valentino, mas também comove com a sua decadência e conquista a nossa admiração pelo seu espírito lutador, além de ter um timing cómico impecável. A atriz, por outro lado, faz um autêntico milagre: linda e graciosa, Peppy rapidamente desperta a nossa atenção e torcemos pelo seu sucesso – e ainda que pudesse tornar-se numa pessoa egoísta e detestável devido a fama recém-conquistada (ela refere-se a romances pontuais como "brinquedos"), ela mostra uma genuína preocupação em não renegar as suas origens e em quem a inspirou.
Mas é Hazanavicius que, em última instância, é o responsável máximo por fazer todos estes elementos funcionarem na perfeição e que, à parte da previsível história amorosa de ascensão e queda, vai ao baú do Cinema para nos relembrar de uma lição vastas vezes esquecida: não adiantam elaborados e dispendiosos recursos à disposição se o espectador não for capaz de se comprometer emocionalmente com o que se passa no ecrã. Mesmo que a história seja apresentada a preto e branco, sem som e com desconhecidos. Pormenores técnicos, dirão alguns, mas O Artista funciona magistralmente por que estes trabalham em conjunto para um objetivo comum: divertir o público.
Não é para isto que serve a Sétima Arte, afinal?