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The Hunger Games: A Revolta - Parte 1

por Antero, em 20.11.14

The Hunger Games: Mockingjay - Part 1 (2014)

Realização: Francis Lawrence

Argumento: Peter Craig, Danny Strong

Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Elizabeth Banks, Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman, Jeffrey Wright, Stanley Tucci, Donald Sutherland, Sam Claflin, Jena Malone

 

Qualidade da banha:

 

A decisão de dividir o último livro da trilogia The Hunger Games em dois filmes é questionável - e há momentos em que A Revolta - Parte 1 arrasta-se em esforço para atingir a duração pretendida de quase duas horas. Por outro lado, é bastante provável que vários espectadores reclamem da falta de ação e do ritmo lento da narrativa que opta por sacrificar os embates físicos em nome dos jogos políticos em que a protagonista se vê mergulhada. Uma decisão que, quanto a mim, não só é bem-vinda como também se mostra corajosa, ainda mais por vir de uma super-produção de Hollywood voltada ao público jovem.

 

Escrito a partir do terceiro livro da série criada por Suzanne Collins, A Revolta - Parte 1 traz Katniss Everdeen (Lawrence) escondida nos restos subterrâneos do Distrito 13 após ter sido resgatada pelos rebeldes no final de Em Chamas. Atormentada por tudo o que passou nos filmes anteriores, Katniss une-se à presidente Alma Coin (Moore), ao relações públicas Plutarch Heavensbee (Hoffman) e restantes aliados para organizarem a luta contra o presidente Snow (Sutherland) que mantém Peeta Mellark (Hutcherson) em cativeiro. Para tal, Katniss é incumbida de protagonizar vídeos de propaganda de forma a agregar mais distritos no apoio à rebelião enquanto o Capitólio recorre a estratégias de desacreditação dos rebeldes.

 

Mantendo o tom opressivo e desolador já caraterístico na série, esta Parte 1 retrata uma guerra de informação que, mesmo disputada entre paredes, não deixa de ser menos impiedosa. Com isto, The Hunger Games ganha contemporaneidade já que cada fação tem o seu símbolo mensageiro - e basta que Peeta implore na televisão por um cessar-fogo para ser automaticamente apelidado de "traidor" e "vendido" ao mesmo tempo que Katniss é noticiada como uma "criminosa" e "terrorista". Assim, o filme dedica grande parte do seu tempo a discutir a mediatização e o simbolismo do indivíduo em prol do coletivo, uma vez que os atos heróicos de Katniss não são o suficiente: mais importante é projetar nas massas a imagem de uma heroína.

 

Isto não impede que Katniss se sinta desconfortável na pele de símbolo revolucionário -  ainda que concorde com os ideais dos rebeldes. Mesmo a presidente Coin, sempre fria e calculista, tem os seus precisos discursos populistas ditados por Plutarch, o que, mais uma vez, distorce a fronteira entre realidade e propaganda. Enquanto isso, o presidente Snow, numa curta cena que adiciona mais lenha na discussão, prefere usar termos mais abstratos como "radicais" por ter noção que derivados de "crime" ou "rebeldia" poderiam levar a questionamentos por parte do povo. Desta forma, em vez de apostar no espetáculo gratuito de mostrar a revolução em marcha, A Revolta - Parte 1 mostra os bastidores que antecedem a mesma, visto que recolher apoios cada vez mais significativos é imperioso e controlar a informação é absolutamente essencial para atingir esse objetivo. Tanto é que, a certa altura, Katniss é constantemente seguida por uma equipa de filmagem sempre à espreita de um momento (fabricado ou não) em que a rapariga possa fazer ou declarar algo relevante para a causa.

 

Novamente no papel de Katniss, Jennifer Lawrence continuar a destilar o seu imenso talento ao injetar fúria e sensibilidade na sua interpretação: Katniss não é uma heroína por gosto, mas sim elevada a tal posto por força das circunstâncias e a sua dificuldade em abraçar essa responsabilidade, longe de ser um sinal de indiferença, remete ao seu maternalismo em proteger aqueles que lhe são mais chegados. Mesmo o triângulo amoroso é trabalhado apropriadamente para explorar a personalidade de Katniss, como no momento em que Gale (Hemsworth) consegue ser honesto o suficiente para lhe declarar que ela só repara nele quando este se mostra mais fraco.

 

Conduzindo a narrativa com segurança e fluidez, o realizador Francis Lawrence investe num clima desesperador e cria sequências que, aproveitando ao máximo o design de produção, parecem saídas de um  filme de guerra e o terceiro ato, que envolve uma missão ao Capitólio intercalada pelo discurso sentido de uma personagem, é tensa precisamente por não sabermos ao certo o que se passa e de onde poderá vir o perigo.

 

Contudo, A Revolta - Parte 1 peca (e muito) por ser aquilo que é: uma preparação para o tomo final e por não ter história que justifique as quase duas horas de duração. Há sequências que nada acrescentam, há demasiado falatório (e alguns diálogos doem de tão expositivos) e o Distrito 13 lembra por vezes a infame Zion da trilogia Matrix. É um filme incompleto, mas não deixa de ser um bom "meio-filme".

 

publicado às 19:33

X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido

por Antero, em 23.05.14


X-Men: Days of Future Past (2014)

Realização: Bryan Singer

Argumento: Simon Kinberg

Elenco: Hugh Jackman, Michael Fassbender, James McAvoy, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Peter Dinklage, Ellen Page, Shawn Ashmore, Omar Sy, Evan Peters, Josh Helman, Halle Berry, Patrick Stewart, Ian McKellen

 

Qualidade da banha:

 

Bryan Singer nasceu para filmar os X-Men. Não adianta ele andar perdido com objetos medíocres como Jack, o Caçador de Gigantes; esta é a sua praia. Foi ele que viu que os comics podiam não só ser uma fonte de (muita) receita para Hollywood, mas também o seu potencial dramático para criar obras sérias, adultas e instigantes que acabassem com o estigma da infantilidade com que a Nona Arte ainda é catalogada. Esta foi a conclusão a que cheguei após assistir ao mais recente e fabuloso capítulo dos X-Men no grande ecrã que, além de mostrar Singer de volta ao topo da forma, aproveita todos os acertos do igualmente fantástico X-Men: O Início.

 

Baseado num arco de duas partes publicado em 1981, Dias de Um Futuro Esquecido consegue a proeza de simultaneamente servir como prequela da trilogia original e continuação direta de X-Men: O Início: em 2023, os mutantes encontram-se praticamente exterminados devido à ação dos Sentinelas, máquinas letais que detetam o gene X e capazes de mimetizar poderes mutantes. Os poucos sobreviventes, encabeçados pelo professor Xavier (Stewart) e Magneto (McKellen), têm a ideia de usar os poderes de Kitty Pride (Page) para enviar a consciência de Wolverine (Jackman) de volta à década de 70 a fim de impedir que Mística (Lawrence) assassine o empresário Bolivar Trask (Dinklage) – um incidente que daria impulso à criação daquelas máquinas. Porém, para convencer Mística a abandonar os seus planos, Wolverine terá de procurar a ajuda das versões mais jovens de Xavier (McAvoy) e Magneto (Fassbender), que não são exatamente os melhores amigos.

 

Provando que o seu riquíssimo universo é um prato cheio para alegorias sobre preconceito e intolerância, Dias de Um Futuro Esquecido equilibra-se entre a leveza do seu bom humor e tópicos mais sérios como a promoção da cultura do medo no seio da população (via a comunicação social, claro) ao mesmo tempo que impede que aqueles seres se tornem caricaturas coloridas. Trask, por exemplo, até pode odiar e temer os mutantes, mas a sua mente científica permite-lhe fascinar-se com as potencialidades oferecidas por estes, enquanto Magneto, sempre imprevisível e instável, age consoante as suas convicções diante do ódio que é dirigido à sua raça. Por outro lado, Xavier percorre o arco emocional mais intenso da narrativa ao começar como alguém que abriu mão dos seus poderes (e, consequentemente, da sua missão de mentor) devido a falhanços sucessivos e que, aos poucos, redescobre a própria vocação na causa mutante e a intrigante Mística encontra-se dividida entre o dever de proteger os seus e o custo que as suas ações implicam.

 

Entretanto, o Wolverine de Hugh Jackman serve como fio condutor entre as duas linhas temporais e o ator mostra-se completamente à vontade no papel não só a demonstrar o seu timing cómico como a fornecer a Logan um olhar ora entristecido ora determinado pelo peso da missão que tem em mãos. O elenco do filme é tão certeiro que o argumento de Simon Kinberg não tem receio de pôr frente a frente James McAvoy e Patrick Stewart como as duas versões de Charles Xavier, numa das melhores sequências da projeção. Contudo, a melhor cena deste novo X-Men é uma que envolve o mutante Mercúrio (Peters, divertidíssimo) numa cozinha e que é um prodígio de efeitos especiais, inventividade e irreverência.

 

Beneficiado por usar novamente eventos históricos para ancorar aquela realidade fantasiosa (no anterior era a Crise dos Mísseis de Cuba; aqui é o rescaldo da Guerra do Vietname), Dias de Um Futuro Esquecido é hábil ao lidar com um elenco numeroso e vários focos de ação – e o mérito do trabalho de Singer pode ser atestado a partir do momento em que a história salta com precisão entre o passado e o futuro e os eventos de ambos convergem para um clímax trepidante. Além disso, Synger também brilha na condução das cenas de ação que nunca soam gratuitas e aproveitam ao máximo os poderes de cada mutante para conferir agilidade e clareza na forma como se complementam uns aos outros.

 

Recheado de referências a todos os filmes anteriores (incluindo as dececionantes aventuras a solo de Wolverine) embora seja facilmente acompanhado por aqueles alheios ao universo mutante nos cinemas, Dias de Um Futuro Esquecido fecha a maioria das pontas da velha trilogia e abre novas possibilidades para a franquia, mas vale, acima de tudo, por ser o bálsamo de qualquer blockbuster sazonal: ambicioso, envolvente, fascinante e divertido.

É, numa palavra, um filmaço.

 

PS: há uma cena adicional após os créditos.

 

publicado às 00:11

The Hunger Games: Em Chamas

por Antero, em 29.11.13

 

The Hunger Games: Catching Fire (2013)

Realização: Francis Lawrence

Argumento: Simon Beaufoy, Michael Arndt

Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Elizabeth Banks, Lenny Kravitz, Philip Seymour Hoffman, Jeffrey Wright, Stanley Tucci, Donald Sutherland, Sam Claflin, Jena Malone

 

Qualidade da banha:

 

Um erro comum em sequelas é repetir tudo aquilo que fez sucesso no original. Em vez de apostarem numa história nova que aprofunde o universo e as relações já estabelecidas, a maioria dos produtores prefere jogar pelo seguro e dar uma nova roupagem que, a rigor, não altera nada. The Hunger Games: Em Chamas, continuação do ótimo Os Jogos da Fome, não comete este erro: apesar dos heróis serem levados de volta à arena para combaterem entre si sob uma desculpa meio esfarrapada, o filme mergulha nas tensões políticas resultantes da vitória dos protagonistas na 74ª edição dos Jogos ao mesmo tempo que explora aqueles amargurados indivíduos.

 

Passando-se pouco tempo depois dos eventos do capítulo anterior, Em Chamas estabelece desde logo um clima cinzento e opressivo no qual Katniss (Lawrence) e Peeta (Hutcherson) deverão participar na ronda dos vitoriosos e visitar cada um dos 12 Distritos e fomentar uma farsa do romance entre os dois como forma de aplacar as sementes de revolta criadas pelas suas ações. Encarada como uma ameaça pelo ardiloso Presidente Snow (Sutherland), Katniss deve manter-se apática às mudanças que ocorrem à sua volta sob pena da sua família e o seu amado Gale (Hemsworth) serem mortos. É então que Snow, juntamente com o novo diretor dos Jogos, Plutarch Heavensbee (Seymour Hoffman), decidem alterar as regras para a edição especial dos 75º Jogos da Fome: os concorrentes serão selecionados consoante os vencedores anteriores de cada Distrito e, assim, Katniss e Peeta estão de volta à arena em que só um poderá sair vivo.

 

Distanciando-se do primeiro filme na maneira como retrata um Capitólio mais militarizado (mas, ainda assim, burlesco), Em Chamas não perde grande tempo com o triângulo amoroso da narrativa uma vez que há assuntos bem mais urgentes a tratar no momento (como Katniss clarifica para Gale) e os pretendentes da moça posicionam-se para auxiliá-la e não para fazer birrinhas e declarações de amor (o que dispara The Hunger Games para muitos degraus acima da péssima saga Twilight). Da mesma forma, o filme dá continuidade à sátira aos reality shows com o culto da celebridade, o voyeurismo mórbido em acompanhar detalhes da vida privada de alguém que tem uma objetiva sobre si e, claro, o facto de estes programas fabricarem uma realidade quando argumentam que estão meramente a "retratá-la" (e até o modelo da nova edição – uma espécie de “Big Brother All Stars” – toca no tema da arbitrariedade das regras destes programas onde novas decisões são tomadas pelos organizadores com o intuito de "melhorá-los").

 

Assim, Em Chamas não tem medo de abordar temáticas fortes e adultas para um blockbuster voltado ao público jovem: opressão, revolução, autoritarismo, segregação, controlo de informação (quando Katniss deixa de ser uma aliada valiosa aos governantes, estes não hesitam em apostar numa campanha de desinformação para denegri-la aos olhos do povo), o filme serve como alegoria onde cada um poderá projetar as suas convicções políticas – e, aqui, a mensagem de Em Chamas surge mais focada do que em Os Jogos da Fome no qual Katniss teria de basicamente sobreviver à disputa na arena e, agora, os riscos são bem maiores já que ela, mesmo não querendo, tornou-se no símbolo de uma luta. Daí que acompanhar a sua trajetória entre a submissão às ordens de Snow como forma de se proteger até à sua revolta com o totalitarismo dos governantes torna-a ainda mais complexa visto que ela abraça a luta por se aperceber do que o que está em jogo é algo bem maior do que ela.

 

Interpretada com entrega total por parte da talentosíssima Jennifer Lawrence, Katniss é uma figura feminina forte e determinada que não depende do sexo oposto para realizar as suas ambições pessoais. Pragmática e inteligente, ela atravessa a projeção com os olhos inchados de melancolia pela realidade triste que não consegue abandonar e pela fúria subjacente que cresce nela com o avançar dos acontecimentos. Sempre que Lawrence não está em cena (o que ocorre poucas vezes), Em Chamas sofre: há uma cena que alguém próximo quase morre e é pela atuação da atriz que a sequência comove e deixa um nó na garganta. Já Hutcherson constrói um sujeito digno do amor de Katniss e torna-se mais ativo na disputa (em Os Jogos da Fome ocorria uma inversão de papéis uma vez que Peeta era a "donzela em perigo"), Sutherland cria um vilão ameaçador somente com os seus olhares e inflexões e pausas do discurso e Philip Seymour Hoffman aposta num indivíduo ambíguo que deverá ter o devido destaque nos próximos capítulos.

 

Curioso por alterar a dinâmica dos próprios jogos já que os vencedores, ressentidos por terem de voltar à arena após a promessa de um resto de vida em paz, firmam alianças com os adversários, Em Chamas conta com uma realização mais cuidada da parte de Francis Lawrence que conduz as sequências de ação sem a irritante câmara tremida que prejudicou o antecessor e desenvolve um clima de urgência e perigo que assalta o espectador e nunca mais o larga. Interessante também por apostar num final em aberto do género de O Império Contra-Ataca que deixa uma vontade louca que acompanhar o que se seguirá, o filme só peca por ser mais longo que o ideal – e há um tópico de gravidez atirado lá para o meio que depois não é desenvolvido e poderia ter sido limado sem grande prejuízo.

 

Melancólico e sombrio, Em Chamas prova que a saga (esta sim!) The Hunger Games ainda tem bastante por explorar, mas que, para lá de toda a pirotecnia, da sátira e das mensagens políticas, o seu ponto forte é mesmo as suas personagens carismáticas com a admirável Katniss à cabeça.

 

publicado às 19:06

Os Jogos da Fome

por Antero, em 22.03.12

 

The Hunger Games (2012)

Realização: Gary Ross

Argumento: Gary Ross, Suzanne Collins, Billy Ray

Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Woody Harrelson, Elizabeth Banks, Stanley Tucci, Lenny Kravitz, Liam Hemsworth
 

Qualidade da banha:

 

Até recentemente eu nunca ouvira falar de Os Jogos da Fome, o livro que deu origem a uma trilogia bem-sucedida e que li por aí (com o aproximar da estreia da aguardada adaptação para o grande ecrã) que se compara a Twilight a nível de fenómeno mediático – e foi com este pensamento em mente que me sentei para ver o filme e suspirei esperando o pior. Duas horas e meia depois, saí da sala satisfeito por perceber que nos pontos onde Os Jogos da Fome poderia falhar, o realizador Gary Ross acertara em cheio.


Baseado no livro de Suzanne Collins (que também deu uma mãozinha no argumento), Os Jogos da Fome situa-se num futuro pós-apocalíptico onde existe Panen, uma nação administrada por um governo totalitário que domina os seus 12 distritos. Todos os anos, para comemorar uma rebelião fracassada contra o Capitólio, cada distrito envia dois adolescentes entre os 12 e os 18 anos para participar nos Jogos da Fome, competições de vida e morte em que apenas um sairá vencedor. Katniss Everdeen (Lawrence) é uma jovem de 16 anos que se voluntaria para substituir a sua irmã no evento e, juntamente com o seu conterrâneo Peeta Mellark (Hutcherson), terá de usar as suas habilidades e o treino providenciado pelo antigo campeão Haymich (Harrelson) para sobreviver e voltar para a sua família.

Quem já viu meia dúzia de filmes do género, não ficará surpreendido pela proposta. Assim de cabeça, consigo enumerar alguns com os quais Os Jogos da Fome tem bastantes semelhanças: do japonês Battle Royale vai buscar a ideia da arena onde jovens duelam até à morte (quase a raiar o plágio); de Rollerball e O Gladiador (aquele com o Schwarzenegger) pede emprestado o espetáculo televisivo e os patrocinadores que comandam o evento; e de todos estes e incontáveis outros está a sociedade distópica e opressora. Isso, porém, são problemas que vêm do livro aos quais o filme não pode fugir e fá-lo com extrema eficácia.

Dividido em três partes distintas, Os Jogos da Fome começa no Distrito 12, lar de Katniss, onde reina a pobreza e a fome, passando depois para o Capitólio, com os seus cenários faustosos, cores berrantes (e onde os efeitos especiais surgem mais irregulares) e uma componente satírica do capitalismo desenfreado e da alienação promovida pelos meios de comunicação que, nada original, ao menos mantém-se interessante ao apresentar a discrepância entre a miséria da periferia e a riqueza do centro urbano. Isto tudo a preparar terreno para a competição em si que ocupa grande parte da projeção e que é o grande destaque da película não por querermos saber o que vai acontecer à protagonista (isso é fácil), mas sim como vai acontecer.

Este interesse em Katniss não é despropositado: graças a uma prestação sólida de Jennifer Lawrence (Despojos de Inverno,X-Men: O Início), a jovem é delineada como uma mulher forte e determinada que, à conta dos obstáculos que se atropelaram na sua vida, aprendeu a cuidar de si a qualquer custo e que desperta a nossa admiração pelo seu olhar triste de alguém que sabe que, para se fazerem coisas boas, há que cruzar certos limites pelo caminho. Mais do que isso: Katniss facilmente ocupa o lugar de heroína e relega Peeta ao posto de "donzela em perigo", não obstante este também ter os seus méritos na hora do combate (embora não esteja à altura da jovem). Por outras palavras, Katniss é a anti-Bella Swan.

 

Suavizado na violência (o que se compreende pelo público-alvo), Os Jogos da Fome mantém uma aura melancólica e de grande impacto emocional (uma das mortes é particularmente dolorosa não pela personagem em si, mas sim pelo que representa para Katniss) – e mesmo figuras burlescas como o apresentador vivido por Stanley Tucci e a assistente de Elizabeth Banks servem mais como curiosidades engraçadas naquele universo e não tanto como alívio cómico. Por outro lado, Woody Harrelson e Lenny Kravitz aproveitam ao máximo o pouco tempo que têm de antena e compõem seres que oscilam entre o carinho que demonstram pelos seus protegidos e o cinismo que a ocasião inspira (afinal, são crianças a matar crianças).

 

No fundo é isto que torna Os Jogos da Fome acima da média: a maneira nada infantilizada com que lida com uma situação extrema e como aqueles indivíduos reagem perante as adversidades. Gary Ross assegura um ritmo empolgante a partir do momento que se inicia a competição e nem precisa da violência gráfica para causar grande impressão, recorrendo a gritos, golpes de armas e pequenos jorros de sangue para sugerir o horror dos acontecimentos (e, muitas vezes, sugestão é o que basta). Contudo, a sua inexperiência ao leme de sequências de ação quase estraga o duelo final, com a sua câmara tremida e cortes confusos e o final pode não satisfazer toda a gente pela maneira ambígua com que acaba e por deixar uma pontinha aberta para a já anunciada sequela.

 

Se o forem ver, não pensem nisto como o novo Twilight: isto é todo um outro campeonato.

 

publicado às 19:23

X-Men: O Início

por Antero, em 10.06.11

 

X-Men: First Class (2011)

Realização: Matthew Vaughn

Argumento: Ashley Edward Miller, Zack Stentz, Jane Goldman, Matthew Vaughn

Elenco: James McAvoy, Michael Fassbender, Kevin Bacon, Rose Byrne, January Jones, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult
 

Qualidade da banha:

 

Quando Bryan Singer assinou o primeiro X-Men, em 2000, as adaptações de comics (salvo raras excepções) vinham sendo tratadas como meros depósitos de infantis batalhas entre o Bem e o Mal onde nada era levado muito a sério. Com esse filme, o género deu o salto qualitativo que precisava: com uma abordagem adulta e inteligente (que foi seguida, em maior ou menor grau, nos dois capítulos seguintes) e sucesso de público, Singer cimentou o paradigma a ser acompanhado por outras obras e os comics nunca estiveram tão em voga no cinema como nos últimos dez anos.

 

Criados na turbulência de uma América mergulhada nas questões raciais, os X-Men servem como metáfora para qualquer minoria da sociedade: geneticamente diferentes do Homo sapiens, os mutantes possuem habilidades extraordinárias e são excluídos e odiados por muitos daqueles que juraram proteger, os humanos. Assim, Charles Xavier (Professor X) e Erik Lehnsherr (Magneto) surgem como forças antagónicas neste tabuleiro. Enquanto o primeiro age como um diplomata crente na convivência pacífica entre humanos e mutantes, o segundo, sobrevivente do Holocausto, já experienciou o pior da natureza humana e prega o domínio da sua espécie através do uso da força. A dinâmica de respeito/ódio entre os dois indivíduos e as suas ideologias era um dos pontos altos da trilogia original e é resgatada com brilhantismo nesta semi-prequela/semi-reformulação (há detalhes cronológicos que não batem certo, mas isso não é importante) da saga que se dedica aos primeiros tempos da equipa e como Xavier e Erik se conheceram. E, claro, como se desentenderam.

 

Iniciando-se na década de 40 ao trazer o jovem Erik (Fassbender) num campo de concentração polaco, X-Men: O Início investe boa parte da sua introdução a apresentar a juventude sofrida de Magneto às mãos do inescrupuloso Sebastian Shaw (Bacon) em função dos seus poderes – uma adolescência que é o oposto da do adolescente Charles (McAvoy), cuja família abastada lhe proporcionou estudos e diversão, o que obviamente reflecte-se na postura vivaz de Xavier por contraste ao carácter amargurado de Lehnsherr. Este passa os anos do pós-guerra fixado na ideia de encontrar o seu antigo carrasco e matá-lo, o que o levará a conhecer Xavier e a encetarem, com o apoio da CIA, uma busca por outros mutantes que possam ajudá-los a perseguir Shaw, cujos objectivos passam por inflamar as relações entre os EUA e a União Soviética.

 

Ao ambientar a narrativa nos anos 60, Vaughn encontra a desculpa perfeita para abraçar a estética comum aos comics, com as suas cores berrantes, salas com designs devidamente retro e uniformes absurdos e pouco práticos. Além disso, o realizador emprega acertadamente um clima que deve muito às primeiras aventuras de James Bond, seja pelo vilão de excelência representado por Bacon e os seus recursos (que submarino de luxo é aquele?) ou pelos diversos países que Erik atravessa na sua vingança pessoal (e Fassbender daria um óptimo 007). Hábil ao lidar com imensas personagens que têm o devido tempo de antena, Vaughn até pode sacrificar a acção a certo instante, mas o que perdemos em adrenalina ganhamos em complexidade das relações das personagens, o que se tornará vital para quando as espectaculares cenas de acção aparecerem, uma vez que o nosso envolvimento emocional nunca é comprometido.

 

Encarnando um Xavier jovial que certamente não estaríamos à espera, McAvoy transforma-o repleto de ternura, bon vivant e astuto, ainda que inexperiente, como se o seu carácter mais pacato que conhecemos (e esperaríamos ver) fosse moldado com eventos futuros. Por outro lado, Fassbender injecta rancor e ódio em Magneto, mas não o torna num vilão: impulsivo e pragmático, ele é unicamente direccionado pela sua raiva e é o seu receio em ver a História repetir-se que dita os seus actos cada vez mais violentos e impensados. Ele sabe como a humanidade pode ser cruel com aqueles que julga diferentes, ao passo que Xavier acredita na capacidade de aceitação dos humanos – e é do choque entre estas faces da mesma moeda (um simbolismo fartamente usado no filme) que vêm os melhores momentos de X-Men: O Início.

 

Mas não é só: recentemente nomeada ao Oscar por Despojos de Inverno, a jovem Jennifer Lawrence compõe Raven (ou Mística) como uma rapariga insegura e dividida entre viver com a sua verdadeira aparência ou resguardar-se perante a sociedade. Uma trajectória que encontra paralelo na do precoce Hank McCoy, cuja deformidade leva-o a ressentir-se de comentários alheios e a procurar desesperadamente uma cura que o encaixe naqueles que o rodeiam. Desta forma, X-Men: O Início analisa as suas personagens com sensibilidade e cuidado para que nada saia gratuito: quando Xavier se arrisca por Erik, é por que ele sabe o potencial do amigo na sua luta e, mais tarde, quando o futuro líder dos X-Men suplica ao colega para que não ceda aos seus instintos assassinos, percebemos como aquele discurso soa trágico por todo o abalo que aquela amizade sofrerá.

 

Divertido e recheado de personagens fascinantes, X-Men: O Início usa a crise dos mísseis de Cuba como estratégia para ancorar aquele universo na realidade e conta com um terceiro ato intenso, da qual se destacam duas cenas: a visão de dezenas de mísseis em direcção ao mesmo alvo, o que expõe a índole destruidora da Humanidade, e o belíssimo plano que acompanha o movimento de uma moeda que retrata tristemente a cisão de valores entre os envolvidos. Envolvente do início ao fim, o filme é um bom exemplo de como as malfadas prequelas não têm necessariamente de ser previsíveis (basicamente já sabemos como tudo se desenrolará) e que podem, de certo modo, providenciar novos olhares sobre acontecimentos posteriores.

 

Uma lição que não pode nem deve ser ignorada.

 

publicado às 03:19


Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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