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J. Edgar

por Antero, em 30.01.12

 

J. Edgar (2011)

Realização: Clint Eastwood

Argumento: Dustin Lance Black

Elenco: Leonardo DiCaprio, Armie Hammer, Naomi Watts, Judy Dench, Josh Lucas, Jeffrey Donovan
 

Qualidade da banha:

 

Louve-se a coragem de um octogenário Clint Eastwood em abraçar a biografia de J. Edgar Hoover, o polémico diretor do FBI por 47 anos, com um enfoque maior na sua vida privada do que propriamente na sua trajetória no seio da agência. Os elogios, porém, ficam-se mesmo pelas intenções, visto que J. Edgar é uma obra irregular, aborrecida e – acima de tudo – cobarde. Não adianta mergulhar no Homem se é para ignorar pontos relevantes com o objetivo de suavizar a sua personalidade: Hoover era um canalha sem escrúpulos, mas Eastwood e o argumentista Dustin Lance Black (de Milk) fazem com o mesmo seja digno de pena e, de certa forma, as suas ações reprováveis tenham alguma justificação.
 
Retratando as várias décadas que Hoover esteve no poder do ponto de vista do próprio (que pretende registar as suas memórias), J. Edgar adota a velha dinâmica de analepses e prolepses que, surpreendentemente, acabam por não confundir o espectador, embora não consigam contornar o problema de soarem episódicas. Assim, num momento vemos um jovial Hoover (DiCaprio) a tentar implementar mecanismos mais avançados nas investigações (como a ciência forense) em plena Grande Depressão e, noutros, um envelhecido ser que relembra a sua vida, sempre com a fiel secretária Helen Gandy (Watts) a seu lado e com aquele que viria a tornar-se o seu braço direito, o advogado Clyde Tolson (Hammer), e alvo das suspeitas que de um romance entre os dois, ainda que casto.

O preocupante em J. Edgar é o facto de que, por ser uma biografia, este aprofunda pouco o seu objeto de estudo: quem era realmente J. Edgar? Por que Gandy e Tolson o acompanharam por tantos anos se ele revelasse uma pessoa mesquinha, paranóica e vingativa? Como conseguiu ele escapar por tantos anos incólume à base de chantagens de segredos sexuais dos seus inimigos políticos? Ele serviu oito presidentes; como ninguém lhe deitou a mão? As respostas, infelizmente, acabam abordadas ao de leve e o seu compromisso com o trabalho é refletido numa espécie de submissão à mãe (Dench), que quase o transforma num Norman Bates. A sua relação com Tolson, por outro lado, é construída com subtileza e com uma tensão sexual constante, mas não materializada, sendo apenas estragada por pavorosos diálogos como "teremos que almoçar e jantar juntos todos os dias, para sempre" ou um "amo-te Clyde" dito por Hoover quando o companheiro se ausenta.

Com uma óbvia palete de cores frias e cinzentas e uma iluminação que deixa várias cenas decorrerem na escuridão total (o que é péssimo), J. Edgar faz uma boa e consistente reconstituição de época, o que é notável para uma história que abarca cinco décadas distintas, mas a película espalha-se ao comprido no quesito da maquilhagem usada para envelhecer as personagens que é simplesmente medonha (DiCaprio parece um boneco de cera ambulante). E por falar no protagonista, resta dizer que o ator faz um trabalho tão calculado nos tiques e no tom de voz que soa tudo menos natural e mais como alguém desesperado por um Oscar. Já Naomi Watts surge apagada, tal como Judi Dench, e só mesmo Armie Hammer provoca alguma comoção na cena em que confronta J. Edgar e dá a entender que compreende melhor a relação entre ambos do que o seu parceiro, que basicamente recalca os seus sentimentos e impulsos (como visto noutra ótima cena em que Hoover tenta explicar a sua condição à mãe).
 
Sem saber o que fazer com as acusações de homofobia, racismo e misoginia que cercaram a figura do diretor após a sua morte, Eastwood passa uma esponja sobre o assunto e ainda se dá ao desplante de fazer com que J. Edgar se oponha à caça aos comunistas levada a cabo pelo execrável Senador Joseph McCarthy, como se ambos tivessem ideologias muito diferentes. Já as alegações de travestismo e homossexualidade são tratadas com outro rigor e sensibilidade, embora o veterano realizador force a mão ao retratar o quarto de Hoover como um amontoado de figuras fálicas e vestes femininas.

O pior, no entanto, é ver que J. Edgar tinha a desculpa ideal para traçar um retrato mais simpático de Hoover, já que a ideia que move a narrativa são as suas memórias (o que não isenta o filme da sua moralidade falhada, claro), apenas para arruinar tudo numa cena em que Tolson expõe várias mentiras perpetuadas por J. Edgar no livro do qual é autor – e se houve coragem para, num último fôlego, revelar o cinismo e a corrupção da sua personagem principal, por que não houve para tudo o resto?

J. Edgar Hoover foi tudo menos um coitadinho e desconfio que até o próprio desprezaria esta biografia.

 

publicado às 18:52


Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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