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Indomável

por Antero, em 20.02.11

 

True Grit (2010)

Realização: Joel e Ethan Cohen

Argumento: Joel e Ethan Cohen

Elenco: Hailee Steinfeld, Jeff Bridges, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper

 

Qualidade da banha:


Em Velha Raposa (1969), John Wayne mandou às urtigas a imagem que tinha cimentado durante décadas (a do cowboy norte-americano, heróico por natureza, destemido e honrado) no papel do Marshal Rooster Cogburn, velho, beberrão e com um código de valores bastante distorcido. Na época, esta inversão do estereótipo associado a Wayne valeu-lhe o Oscar de Melhor Actor e, actualmente, não há uma estrela de Hollywood que tenha uma carreira solidificada para uma irónica interpretação como a de Wayne (Clint Eastwood há muito que desconstruiu o seu ícone). Desta forma, esta nova refilmagem baseada no livro True Grit de Charles Portis não tem a carga satírica que permeava o anterior, preferindo dar um tempo de antena equivalente às demais personagens e, com isto em mente, os Irmãos Coen filmam um belo e espectacular tributo ao western.

 

Responsáveis também pelo argumento, os Coen contam a história de Mattie (Steinfeld), uma jovem de 14 anos de idade que, determinada a vingar a morte do pai, morto pelo imprestável Tom Chaney (Brolin), contrata o caçador de recompensas Rooster Cogburn (Bridges) para encontrar e levar o assassino à justiça – que também está a ser perseguido pelo texano LaBoeuf (Damon). Os três acabam por unir forças e formar uma equipa relutante que terá de invadir os perigosos territórios índios em busca de Chaney (que poderá ter sido capturado por um bando de criminosos).

 

Moralmente ambíguos, as personagens de Indomável oferecem um prato cheio aos Coen para que estes possam dar azo à sua predilecção por sujeitos caricatos e situações de humor negro. Rooster, apesar de ser um agente da Lei, mata e tortura quando acha necessário e não é por acaso que Mattie o escolhe ao saber que ele é "implacável e sem modos". Constantemente ébrio, Rooster fala e move-se maneira trôpega, mas nem por um momento a divertida actuação de Jeff Bridges nos faz esquecer o profissionalismo daquele Marshal que conta com anos e anos de carreira e uma sagacidade ímpar. Por outro lado, a devoção à Lei por parte de LaBoeuf mistura-se com o pedantismo dos seus discursos, o que leva a tiradas irreverentes de Rooster e ao desespero de Mattie.

 

Revelando-se a maior surpresa do filme, a jovem Hailee Steinfeld é a verdadeira protagonista de Indomável: capaz de discutir taco a taco com homens muito mais velhos e experientes que ela, Mattie não é uma moça ternurenta à espera da nossa simpatia. Obrigada a sustentar a família com apenas 14 anos devido à morte do pai e à invalidez da mãe, ela revela uma maturidade e um pragmatismo precoce sem deixar de ser uma criança aos nossos olhos – e, se o seu desejo de vingança move o filme, é a sua carência de uma figura paterna que encerra-o de forma poética e magistral. Num pequeno papel, Josh Brolin surpreende por inverter as nossas expectativas sobre um vilão como Chaney, vaga esta ocupada por Barry Pepper como Lucky Ned, um vil fora-da-lei, mas com um apurado código de honra.

 

Primorosamente fotografado por Roger Deakins, parceiro habitual dos Coen, Indomável conta com o esmero visual da dupla e, como não poderia faltar, momentos de bom humor aqui e ali, como o tratamento reservado aos índios numa cerimónia de enforcamento ou como quando a violência estilizada explode no ecrã. Além disso, os realizadores orquestram sequências tensas como o tiroteio nocturno numa cabana (cujos disparos revelam-se como ruídos secos, num óptimo trabalho da equipa de efeitos sonoros) ou o confronto num rio e até mesmo o rápido duelo final não desaponta na sua eficiência.

 

Repleto de diálogos escritos e falados com imensa elegância, Indomável é um filme insólito na filmografia dos Irmãos Coen – e percebermos que o desafio é superado com distinção é só mais uma prova da competência e versatilidade da dupla.

 

publicado às 20:14

Tron: O Legado

por Antero, em 17.01.11

 

Tron: Legacy (2010)

Realização: Joseph Kosinski

Argumento: Adam Horowitz, Edward Kitsis

Elenco: Jeff Bridges, Garrett Hedlund, Olivia Wilde, Michael Sheen, Bruce Boxleitner

 

Qualidade da banha:

 

Vou ser honesto: não gosto do Tron original. Actualmente, qualquer realizador, por muito consagrado que seja, será alvo de uma reprimenda sempre que usar efeitos especiais como mero artifício, sem uma história minimamente decente que os sustentem. É isso que acontecia com esse filme: apesar dos inovadores e impressionantes (para a época) efeitos visuais, com o uso em massa dessa novidade da altura (o computador), a narrativa de Tron não tem pés nem cabeça e tudo parece ser uma mera desculpa para exibir a tecnologia de ponta que havia à disposição. Sim, o filme foi pioneiro nos seus aspectos técnicos, mas o conceito que o movia era mal explorado, o que não o impediu de se tornar um objecto de culto. Vinte e oito anos depois (!), surge a inevitável sequela com uma narrativa mais elaborada e o último grito em efeitos especiais (mais o irritante 3D) que, por pouco, salvam o filme de um desenvolvimento rasteiro e personagens em 1D.

 

Depois dos eventos do primeiro filme, Kevin Flynn (Bridges) entregou os destinos da Encom ao seu amigo Alan Bradley (Boxleitner, ressuscitado do limbo das produções televisivas e série Z) e dedicou-se à melhoria do sistema operativo que o absorvera. Um dia, desaparece sem deixar rastos e, duas décadas depois, o seu filho, Sam (Hedlund) é um revoltado hacker informático contra as grandes corporações, das quais se inclui a Encom, da qual é herdeiro e accionista, e que se prepara para lançar no mercado um produto defeituoso. É então que Sam recebe uma mensagem do pai proveniente da desactivada casa de jogos explorada por ele antes do desaparecimento. Pouco depois, ele é transportado para dentro da Rede criada pelo seu pai, onde terá de lutar pela sobrevivência, já que os programas vêm com maus olhos a presença de utilizadores naquele meio e também pelo seu grau de parentesco com Kevin.

 

A primeira hora de Tron: O Legado é também a melhor. A partir do momento em que Sam invade a Rede, acompanhamos o seu fascínio com as descobertas que este vai fazendo. Embalados pela fantástica banda sonora dos Daft Punk, tudo no filme é uma evolução do que víramos no anterior: desde os cenários ao guarda-roupa, passando pelos veículos e pelo jogo de cores entre o azul e o laranja, é como se a Rede sofresse progressos ao longo dos anos (ou ciclos, se preferirem). Neste aspecto, os efeitos especiais têm a difícil tarefa de actualizar o que já conhecemos previamente sem abrir mão dos detalhes que os caracterizavam e o desafio é passado com distinção. Além disso, sequências emblemáticas como a corrida das motos de luz e a batalha dos discos ganham novos níveis e contornos mais perigosos, o que torna tudo mais dinâmico e divertido.

 

Depois Sam reencontra o pai e o filme começa a perder gás. Quando tem de desenvolver novos conceitos e situações, Tron: O Legado revela uma falta de originalidade gritante com a sua temática de pais-filhos (mas sem a profundidade e o engenho de umStar Trek) e a típica “fuga do planeta X”, no caso um sistema informático. Desta forma, o único destaque vai para Zuse, a personagem de Michael Sheen, o vivaz e sombrio dono de um bar mal frequentado, (num papel que, a existir no original, poderia ser interpretado por David Bowie), já que o filme enfraquece sempre que tenta investir em novas ideias, como o ADN digital (errr…).

 

As personagens também não ajudam nada a esconder estes defeitos: Garrett Hedlund é um desastre como protagonista, uma vez que a sua inexpressividade permanece intacta num filme que lida com… entradas em mundos virtuais e reencontros com pessoas após vinte anos! Olivia Wilde, belíssima, pouco pode fazer com uma personagem criada só para esbanjar estilo, ao passo que Jeff Bridges imprime carisma e uma certa loucura a um indivíduo isolado do mundo real por duas décadas (só Bridges para sair de cabeça erguida depois de uma fala como “estás a estragar a minha cena zen!”), ao mesmo tempo que tem a oportunidade de encarar uma versão mais jovem de si próprio, naquele que é a única falha dos efeitos especiais de Tron: O Legado, pois Clu exibe aquele olhar “cego” e aparência de boneco de cera que aflige a maioria dos seres humanos criados por computador (ainda assim, consegue transmitir mais emoção que o insosso Hedlund).

 

Obviamente mais preocupado com os aspectos técnicos do que com a condução da narrativa, Joseph Kosinski tem a ideia de adicionar a dimensão extra quando Sam entra na Rede, uma decisão acertada que cria um contraste ainda maior aos olhos do espectador, embora a sensação de imersão não seja das mais apuradas. Ainda que falhe na tentativa de estabelecer a “mitologia” de Tron como algo interessante ou até relevante, Tron: O Legado é suficientemente divertido e visualmente estimulante para compensar a falta de ambição do argumento. Neste particular, é uma boa homenagem ao original.

 

publicado às 22:41


Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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