Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Rise of the Planet of the Apes (2011)
Realização: Rupert Wyatt
Argumento: Rick Jaffa, Amanda Silver
Elenco: Andy Serkis, James Franco, Freida Pinto, John Lithgow, Brian Cox, Tom Felton
Qualidade da banha:
De todos os Planetas dos Macacos só vi o original (hediodamente traduzido em Portugal como O Homem que Veio do Futuro) e a espectacular e mal-amada versão de Tim Burton. No entanto, considero a saga como um produto instigante que, para lá do aparato técnico, providencia saudáveis discussões sobre questões sociais como racismo, preconceito, integração, hierarquia, aceitação e liderança – e, como nunca é demais repetir, a aplicabilidade destas discussões no nosso quotidiano a partir de conceitos absurdos é algo que só está ao alcance dos melhores exemplos da ficção científica. Deste modo, é reconfortante perceber como um "recomeço" claramente desenvolvido com intenções comerciais como é este Planeta dos Macacos: A Origem aborda todos os tópicos acima referidos e preocupa-se mais em abordar a moralidade das suas personagens do que em pavonear os seus efeitos especiais que, impressionantes, pertencem à categoria de "cair o queixo".
Situado nos dias actuais, o argumento traz Will Rodman (Franco), um promissor e talentoso cientista que procura uma cura para a doença de Alzheimer fazendo experiências genéticas com um vírus em macacos. Este provoca uma mutação nos primatas, aumentando-lhes a inteligência, e, após um acidente com uma das cobais durante a apresentação da cura para um comité de investidores, Will decide adoptar uma das crias que, com o passar do tempo, desenvolve uma inteligência e personalidade únicas. Isto desencadeará uma série de trágicos eventos que levarão a que César (a tal cria) se rebele contra a raça humana.
É impossível falar de Planeta dos Macacos: A Origem sem começar por César que é, sem dúvida, o protagonista da história: criado pelos técnicos da Weta Digital com o auxílio de Andy Serkis, o primata é um assombroso progresso na técnica do motion capture (aquela em que os movimentos dos actores são capturados e depois trabalhados) e que já nos havia dado figura marcantes como Gollum, King Kong, Davy Jones e fartamente usada emAvatar. O esmero na criação de César não passa só pela fluidez dos seus movimentos animalescos ou pela textura do seu corpo peludo que reage com naturalidade às mudanças de luz e ao contacto com superfícies. O que realmente o difere de outras criaturas é o seu olhar e como ele serve de janela para uma infinidade de sentimentos: da pureza mais infantil ao receio do perigo, passando pelo rancor e acabando no amor que sente por Will e o pai deste (que o acolheram e criaram como se fosse da família), César é mais do que um ser bem realizado por CGI – ele é aquilo que muitos actores de carne e osso não conseguem: uma personagem tridimensional.
A manifestação destas dualidades é mais do que adequada à proposta do filme que, acima de tudo, funciona como uma parábola sobre a paternidade (Will torna-se indirectamente pai de César para ajudar o seu progenitor), o papel da família e a velha questão do que é ser humano. César torna-se mais inteligente, mas não é nenhuma máquina: tem instintos protectores em relação aos seus, revela certa desconfiança/ciúmes para com novos integrantes no seu círculo e revolta-se contra as restrições que a sociedade lhe impõe, numa trajectória que encontra reflexo na de um adolescente comum que questiona a autoridade paternal e molda o seu carácter através do conflito. O problema (para nós) é que ele é um chimpanzé e, ao ver-se no meio dos seus semelhantes, encontra a força que nunca teria sozinho para ultrapassar as adversidades, numa típica reacção de uma minoria que tenta lutar pela igualdade e aceitação na sociedade.
O resto do elenco faz o que lhe é pedido: James Franco é competente no dilema moral de um Will dividido entre a conduta profissional e o dever de pai, John Lithgow é sensível como um pai enfermo, Freida Pinto é bonita que chegue para esquecermos que o seu papel não é mais do que um simples interesse amoroso (embora seja a única a confrontar Will) e Tom Felton (o Draco Malfoy de Harry Potter) encarna o tratador de animais que despreza o que faz como um vilão meramente uniforme. No entanto, o filme é mesmo de Andy Serkis e o seu César: é comovente ver a sua entrega ao choro após uma acção particularmente dolorosa para com Will ou assistir ao seu olhar orgulhoso e confiante após ser aceite pelos seus pares.
Oriundo do Reino Unido, o realizador Rupert Wyatt mostra-se perfeitamente à vontade a lidar com milhentos efeitos especiais e a conduzir a narrativa num crescendo de tensão que culmina na espectacular sequência da ponte Golden Gate, na qual as cenas de acção são orquestradas com elegância e impacto. O trabalho de Wyatt (aliado ao roteiro) é tão eficiente que não permite que a previsibilidade da história (ainda mais para quem conhece a série) comprometa a experiência do espectador e merece aplausos pela subtil ironia dramática que atravessa todo o filme: a de que a ruína da Humanidade virá através dos seus próprios actos e não como consequência da revolta dos macacos. Desta forma, Planeta dos Macacos: A Origem revela uma faceta ambiciosa, inteligente e intrigante debaixo da sua capa de blockbuster de Verão.
Que mais se pode pedir a uma boa ficção científica?
127 Hours (2010)
Realização: Danny Boyle
Argumento: Simon Beaufoy
Elenco: James Franco, Kate Mara, Amber Tamblyn, Treat Williams, John Lawrence
Qualidade da banha:
Aron Ralston é um alpinista que, na Primavera de 2003, ficou com o braço direito preso entre duas rochas durante uma caminhada no Blue John Canyon. Por mais de cinco dias (daí as 127 horas do título), Aron desesperou com a sede, a fome, o cansaço e a falta de ajuda (ele não tinha informado ninguém sobre o passeio), lutando pela sobrevivência com todos os meios disponíveis. Esta impressionante história é levada agora às telas pelos oscarizados Danny Boyle e Simon Beaufoy (do sobrevalorizado Slumdog Millionaire) e a árdua tarefa de manter uma longa-metragem focada numa única personagem e situada praticamente num só cenário é cumprida com bons resultados, ainda que com alguns percalços.
Incluindo uma introdução que delineia Aron com um sujeito de espírito aventureiro e amante da natureza, 127 Horas consegue a proeza de manter o espectador preso à cadeira com o drama vivido pelo protagonista. Inicialmente, Aron reage com um surpreendente racionabilidade ao acidente e só aos poucos o desespero toma conta dele, o que, obviamente, faz com que o jovem reavalie as atitudes que tomou até àquele ponto (e se...?), passando pela introspecção sobre a sua vida (principalmente quando ele começa a delirar) e não demora muito até que se revolte contra Deus, berrando a plenos pulmões que não merece tal destino.
Estes comportamentos raivosos dizem muito do ser humano envolvido em situações limite e o filme consegue levar-nos a identificar com a situação de Aron, uma vez que este é retratado como uma pessoa comum, com família, amigos e preocupações triviais – nunca o filme o tenta pintar como um herói, mas como alguém vulnerável numa posição extrema. Assim, o facto de Aron filmar depoimentos ao longo dos dias (o que realmente aconteceu) é como uma janela aberta para a sua alma e para os relacionamentos que ele mantém com outros indivíduos que aparecem em desnecessários e intrusivos flashbacks durante a projecção. Esta foi uma das formas arranjadas por Boyle para manter o público interessado no filme (e esticar a duração) e o que ele parece não perceber é que 127 Horas torna-se um verdadeiro murro no estômago graças ao clima de urgência da condição de Aron e não ao facto de perdermos tempo com a ex-namorada ou com momentos de infância ao lado do pai. Em contrapartida, as alucinações e a inserção de imagens como bebidas e comida salientam, sem nenhuma subtileza (e ainda bem), o desequilíbrio físico e psicológico do alpinista.
No entanto, nenhum filme destes se sustentaria sem uma interpretação que não tivesse a força de carregar a narrativa às costas, e 127 Horas conta com um James Franco que revela uma capacidade espectacular em demonstrar não só a degradação de Aron, mas também a sua imensa força de vontade em (sobre)viver. É quando ele deve tomar uma atitude drástica que o filme alcança o patamar de intensidade e crueza que vinha a ameaçar desde o início; e se a sequência em questão funciona é, em parte, graças a Boyle pela forma como a encena (com uma edição agitada, mas nada "michaelbayana"), mas principalmente devido à actuação visceral de Franco que retrata, sem eufemismos, a hesitação, a coragem e o extremismo a que Aron tem de chegar para lutar pela sua vida.
Impactante estudo sobre a persistência do ser humano, 127 Horas pode cometer os seus erros aqui e ali, mas também tem a sua quota de acertos (o plano que revela gradualmente o isolamento de Aron é de tirar o fôlego) e conta também com um James Franco em estado de graça, o que desequilibra a balança claramente a favor de Boyle.