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Finalmente tirei a tala do pé, o osso recuperou bem e não precisarei de fisioterapia. Cinco semanas que tornaram a minha perna esquerda numa potencial candidata à fila da sopa dos pobres, que envelheceu a minha pele uns 70 anos e fizeram das minhas unhas a inveja de qualquer felino. Custa pousar o pé no chão: a sensação de desconforto é terrível, mas nada que umas caminhadas valentes não resolvam. Agora terei de "reaprender" a conduzir e já poderei ir ao cinema, ao café pelo meu próprio pé ou mesmo à Luz no próximo fim-de-semana. E começar a tratar de vida que isto de estar parado tanto tempo foi um suplício. Adeus muletas, adeus tala pesada e desconfortável, adeus banho sentado e com saco de plástico enrolado, adeus boleias do pessoal e piadas óbvias, adeus horas passadas na cama (ok, desta não terei tantas saudades...).
Hoje acordei com as galinhas (o normal tem sido levantar-me por volta das 15 horas) para ir à consulta marcada em Vila Nova de Gaia com o objectivo de - pensava eu - tirar a tala que me tem acompanhado no último mês. Lá chegado, começaram os problemas: na Radiologia não me queriam fazer a radiografia porque o papel dizia expressamente "sem tala". Só que não havia nenhum enfermeiro para me fazer isso porque se encontram de greve e eles só cumprem o que está estipulado e não passam por cima de ninguém. Eu só pensava que agora que eu mais precisava todos decidem ser responsáveis e idóneos. Mas como quem tem amigos não morre na cadeia, uma cunha lá deu indicação para falarem com o ortopedista que decidiu por fazer a radiografia mesmo com tala. A técnica foi de uma simpatia extrema, desculpando sempre o atraso por causa da greve e do facto do médico que ainda não ter chegado (eram 9h45), ao que eu brinquei questionando-a se também ele estaria de greve. Ao que ela respondeu: "Ah, eles não precisam disso. Basta reinvidicarem e têm o que querem na hora.". Ri-me, mas não deixei de concordar com ela: os médicos agem e são tratados como se fossem donos do Mundo.
Tirado o raio-x, fui para o consultório do médico onde decorreu a seguinte conversa:
- Então e qual é o pé?
- O esquerdo. Caí na cozinha e fracturei um osso. Não me pergunte qual.
- Ah, ok... errr, ainda não recebi os seus exames...
- Não?! Mas eu acabei de fazê-los.
- Pois, mas ainda não me vieram entregar.
- Não me diga que isso também está a cargo dos enfermeiros...
(...)
- Tirar a tala vai ser um problema. Não está cá ninguém...
- Não posso eu fazer isso?
- Você sabe?
- Não é só cortar?
- É.
- Onde está a dificuldade, então?
(já com os exames)
- Mais uma semana e tira isso.
- O quê?!?
- É que o osso ainda não recuperou completamente. Por precaução fica mais uma semana, volta, faz novo raio-x e tira isso de certeza.
- Oh...
- Vejo que já trazia uma sapatilha e uma meia para calçar.
- Pois, já vinha mesmo preparado para largar as muletas. Estou farto disto.
- Pode guarda-las aqui no meu armário e vem buscar daqui a uma semana. - disse ele muito sorridente.
- Pode ser é que te caia um dentinho. - pensei eu.
Saí do hospital com cara de poucos amigos. A minha paciência tinha o prazo de um mês e ele acabou de expirar. Queria pegar no carro e já pensava ir ao cinema este fim-de-semana. Estou farto de tomar banho sentado e com uma perna esticada. Já não suporto as comichões. Não poder ir a lado nenhum sem ter de arrastar alguém comigo. Ou poder sair à noite e curtir até às tantas. Tenho tentado levar isto de ânimo leve, mas está complicado. Estou saturado e de muito mau humor. Cuidado Mundo!
É o que promete até dia 28 de Janeiro.
Andava eu todo contente a escrever o texto sobre os melhores e piores filmes do ano (a publicar hoje mesmo), quando estatelei-me no chão da cozinha enquanto fazia o jantar. Nestas alturas de humidade, um chão de tijoleira é fatal. Torci o pé, pus gelo e não me chateei muito. Uma hora depois, já tinha um valente inchaço, mas não me fiz rogado e fui para o café, como sempre faço.
É então que as dores tornam-se insuportáveis, quase como se a sapatilha me estivesse a apertar o pé (embora eu lhe tenha dado folga para não me magoar tanto) e decido vir embora mais cedo. Chego ao carro e fico em choque ao ver o inchaço, que estava enorme. Corri para o hospital, fiz uma radiografia e o diagnóstico deitou-me ao chão: osso fracturado e pé engessado durante um mês.
A dois dias da passagem de ano.
Quando estava prestes a voltar para o ginásio.
Vou ficar preso à cama agora que estou mais folgado de tempo.
Sem saídas à noite.
Sem conduzir.
A andar de muletas e dependente de outros.
Bela forma de acabar o ano...