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Les Misérables (2012)
Realização: Tom Hooper
Argumento: William Nicholson, Alain Boublil, Claude-Michel Schönberg, Herbert Kretzmer
Elenco: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Eddie Redmayne, Helena Bonham Carter, Sacha Baron Cohen, Samantha Barks, Isabelle Allen
Qualidade da banha:
Nos melhores momentos, Os Miseráveis consegue ser uma obra arrebatadora e emocionalmente poderosa; nos piores, não passa de um dramalhão cansativo no qual obstáculos são criados do nada para dificultar a vida das personagens e cujas trajetórias cruzam-se de forma preguiçosa e pouco credível. Em suma: uma telenovela.
Baseado na versão de língua inglesa do famoso musical francês que, por sua vez, é baseado na obra de Victor Hugo (ufa!), Os Miseráveis acompanha Jean Valjean (Jackman), um prisioneiro a cargo do carcereiro Javert (Crowe) que é posto em liberdade condicional após 19 anos de clausura por ter roubado um pão e inúmeras tentativas de fuga. Ostracizado pela sua condição de ex-presidiário, Valjean desrespeita a lei assumindo uma nova identidade e, anos depois, torna-se num próspero empresário. No entanto, o seu passado tende a persegui-lo e o encontro com a pobre Fantine (Hathaway) despoletará uma série de acontecimentos que marcarão a sua vida.
Tentando ser o mais fiel possível à peça que o originou, Os Miseráveis é, nas suas mais de duas horas e meia, praticamente todo cantado: não apenas os números musicais servem para avançar a história, como também as personagens abrem a boca a qualquer momento para expressar o que lhes vai na alma - o que, claro, dá um ar demasiado teatral à narrativa. Assim, o elenco abraça sem receio gestos e expressões convenientemente exageradas para ressaltar o clima de espetáculo que move o filme (contenção é algo nunca visto por aqui). Neste aspeto, a fabulosa galeria de intérpretes não dececiona e dá tudo o que tem (apesar dos dotes musicais de Russell Crowe serem algo duvidosos), com destaque para a transformação física e emocional operada no Valjean de Hugh Jackman e a arrepiante e marcante curta participação de Anne Hathaway cujo número I Dreamed a Dream mostra todo o rancor e sofrimento da sua Fantine, naquele que é o ponto alto da película.
A partir daí, Os Miseráveis começa a perder o interesse. Tom Hooper é bem-sucedido a estabelecer as motivações do trio Valjean-Javert-Fantine, mas a condução da narrativa é problemática: talvez por perceber a teatralidade do produto que tinha em mãos, o realizador mexe a câmara de um lado para o outro sem conseguir imprimir energia alguma e, quando o filme se torna numa espécie de "Movimento Occupy: O Musical", ele apela para uma edição rápida que o espetador mal consegue discernir o cenário, os seus ocupantes e a distância entre eles (toda a sequência da barricada é uma aula sobre como não editar cenas de ação). Além disso, Hooper não consegue contornar as limitações do texto original que, com as suas coincidências absurdas e conveniências do argumento (Javert vai de capataz a simples inspetor para acabar como um alto oficial militar – sempre em perseguição de Valjean – sem grandes justificações) não é mais do que uma pomposa novela épica. Tão épica que juro ter ouvido cantar ♫ I Dreamed of Oscars! ♫ OSCARS! ♫
Com mão pesada até no subtexto religioso (não basta Valjean ser profundamente católico, ele tem de ser apresentado como um quase Jesus Cristo nas suas últimas horas), Os Miseráveis é irrepreensível nos seus aspetos técnicos: aqui, Paris é uma cidade pobre e imunda, mas ainda assim com traços já característicos, o guarda-roupa é digno de aplausos e o envelhecimento dos atores é convincente. No entanto, o filme não tem brilho – o que é de espantar numa longa história sobre opressão, revolta, liberdade e redenção. Ao final, o festim visual e auditivo proporcionado pelo filme deixara-me cansado e nada extasiado.
Dark Shadows (2012)
Realização: Tim Burton
Argumento: Seth Grahame-Smith
Elenco: Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Eva Green, Jonny Lee Miller, Helena Bonham Carter, Jackie Earle Haley, Bella Heathcote, Chloë Grace Moretz
Qualidade da banha:
CARTA A TIM BURTON
Caro Tim,
Daqui é um fã que te escreve. Um fã que se deprime ao perceber que muitos intitulados fãs não conhecem ou não apreciam a tua melhor obra (Ed Wood) e rasgam-se em elogios ao meramente divertido Marte Ataca!. É certo que os teus Batman não são grande espingarda, mas nada como um Joel Schumacher para dar outro brilho aos filmes alheios. Já me emocionaste com Eduardo Mãos de Tesoura e O Grande Peixe, divertiste-me a valer com Beetlejuice – Os Fantasmas Divertem-se e Charlie e a Fábrica de Chocolate, patrocinaste duas fabulosas animações como A Noiva Cadáver e O Estranho Mundo de Jack e deslumbraste-me com A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça. Até hoje sou olhado de lado por dizer que adorei a tua incompreendida versão de O Planeta dos Macacos, só para veres como sou teu fã!
Dito isto, é com pena que admito que estou um pouco farto dos teus filmes. Tenho notado que se tornaram festins visuais sem qualquer substância: Sweeney Todd já não me havia encantado ("I feeeel youuuu, Johaaaaana") eAlice no País das Maravilhasé uma porcaria sem pés nem cabeça onde a direção artística absorve tudo e se torna um fim em si mesmo. Infelizmente, Sombras da Escuridão vai pelo mesmo caminho. Os cenários e os efeitos são tudo o que se espera de ti (fantásticos), mas que é feito do teu humor negro cortante? Aquele que define a ambientação e desenvolve as personagens? Ou aquelas histórias envolventes polvilhadas com indivíduos fascinantes?
Dá para perceber o que te atraiu em Sombras da Escuridão: originalmente uma telenovela norte-americana de contornos góticos dos anos 60 e 70, ela tornou-se um objeto de culto graças à figura do vampiro Barnabas Collins que era despertado após 200 anos e decide restaurar a antiga glória do seu clã. Chamaste o teu colaborador habitual para o papel principal, um excêntrico numa carreira já sobrelotada deles, e bem podes dizer ao Johnny que as suas composições já soam a preguiça. Enfiaste a Helena no papel de uma psiquiatra incompetente que se mantém com os Collins há três anos sem razão aparente que não seja a da atriz ser a tua companheira e teres de inclui-la no filme a bem da diplomacia conjugal. Raios! Até da talentosa Chloë Grace-Moretz conseguiste extrair uma prestação desastrosa na adolescente enfadada que só me fez lamentar que a década de 60 não contasse com métodos contracetivos mais eficazes.
Antes que me atires à cara, posso adiantar que percebi a tua proposta: pegar numa soap opera e convertê-la para uma comédia, realçando os seus absurdos, as personagens estereotipadas e as narrativas mais do que gastas. O problema, caro Tim, é a tua notória indecisão sobre o que diabo é Sombras da Escuridão. Uma paródia? Um conto gótico? Um melodrama? A tua ideia era, creio eu, juntar isto tudo, e no prólogo fazes um trabalho eficaz ao estabelecer o sofrido Barnabas e a lânguida e vingativa Angelique (a linda Eva Green e das poucas que se salvam), mas, como realizador experiente que és, não reparaste que o filme vai ladeira abaixo quando salta para 1972? Que as piadas são disparadas sem chama alguma e limitam-se ao batido contraste entre épocas? Que a história anda aos trambolhões com a roda-viva de personagens que entram e saem sem dizerem a que vieram? Ou que a governanta é contratada para cuidar do jovem David e, em pouco tempo, já o acha "especial" sem que a tenhamos visto interagir com o rapaz?
Sim, o filme é belíssimo para os olhos, mas entediante para a mente. Se fosse dada tanta atenção ao argumento como foi dada aos aspetos técnicos, talvez Sombras da Escuridão não tivesse tão gritante falta de energia. Toma como exemplo a cena de sexo entre Barnabas e Angelique: dois seres poderosos que destroem tudo por onde passam e desafiam a gravidade extravasando os dois séculos de separação. Esta minha descrição é mais empolgante do que a sequência em si: ela é tão cansativa, tão pouco original e tão prolongada que eu não via a hora de acabar. "Cansativa" e "pouco original" – aqui estão duas expressões que eu nunca pensei vir a usar sobre uma obra tua; porém, elas resumem na perfeição a bagunça que é este filme.
Venha de lá Frankenweenie e que te traga de volta para bom porto. Alguém tão talentoso como tu não se pode acomodar com estes recentes tiros ao lado – e não me parece que venha por aí um Joel Schumacher capaz de redimir-te.
Harry Potter and the Deathly Hallows – Part 2 (2011)
Realização: David Yates
Argumento: Steve Kloves
Elenco: Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint, Ralph Fiennes, Alan Rickman, Matthew Lewis, Evanna Lynch, Tom Felton, Michael Gambon, Helena Bonham Carter
Qualidade da banha:
Há exactos dez anos, era eu um jovem de 16 anos quando fui ao cinema ver Harry Potter e a Pedra Filosofal plenamente consciente do crescente fenómeno mundial que rodeava os livros (na época, eu já devia ter lido os três primeiros volumes) e se preparava para saltar para o grande ecrã – e estaríamos todos longe de imaginar que a saga manteria a sua coerência interna e externa por ao longo de uma década e oito filmes, nos quais acompanhamos o crescimento físico e artístico do seu jovem elenco. O facto é que Harry Potter entrou na História do Cinema graças ao mastodôntico esforço criativo de uma produção esmerada que encantou gerações em todo o Mundo e é com enorme ansiedade e um certo saudosismo que estreia o último tomo, Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 2, uma satisfatória e emocionante conclusão da saga que nos apresentou ao Mundo da Magia de Hogwarts.
Começando a partir do instante em que aParte 1se encerrou, esta Parte 2 traz Voldemort mais poderoso do que nunca agora na posse da Varinha de Sabugueiro, um dos talismãs da morte que fornece poder único a quem o possui. Na busca pelo horcruxes que poderão enfraquecer o vilão, o trio formado por Harry (Radcliffe), Ron (Grint) e Hermione (Watson) é levado até Hogwarts que agora tem como director o sombrio Snape (Rickman) e está cercado de dementors. É na escola de magia que se formará uma última réstia de esperança na revolta contra Lorde Voldemort e os seus aliados, num combate intenso e violento que será o culminar da guerra entre o Bem e o Mal.
Sem perder tempo com explicações, o guionista Steve Kloves (argumentista de todos os filmes excepto A Ordem da Fénix) mantém a história sempre em alta rotação, onde cada informação desempenha um papel fundamental – e se é verdade que isto torna a narrativa um pouco mecanizada, o certo é que há muito que a saga fala para os fãs e não para o espectador ocasional e ainda menos para as crianças: se antes tínhamos divertidas e inconsequentes partidas de Quidditch para dar mais emoção a tudo, agora temos sangrentos confrontos naquele que é o mais violento capítulo da série. Desta forma, referências ao Mapa do Salteador, à Sala das Necessidades ou ao Pensatório já se tornaram comuns àqueles afectos à saga, bem como as mortes e o sofrimento infligidos às personagens, uma vez que a narrativa soube ganhar maturidade e crescer com os seus leitores/espectadores.
Pela quarta vez atrás das câmaras, David Yates encerra o ciclo iniciado no quinto filme (não por acaso logo aquele que iniciou os preparativos para o épico desfecho) e, mais uma vez, volta a empregar o clima sombrio e tenso dos anteriores e onde qualquer traço da doce inocência de outrora é simplesmente inexistente: Hogwarts funciona agora como uma fortaleza sob ataque contínuo e não deixa de ser triste e arrepiante vermos a destruição de locais marcantes como o campo de Quidditch, a cantina ou as imponentes torres e escadarias numa lembrança de que estamos próximos do fim. Além disso, Yates (e Kloves) inteligentemente contornam alguns dos obstáculos da escrita de J. K. Rowling, nomeadamente as sequências da acção que no livro soam anti-climáticas e aqui praticamente não deixam o público respirar. Por outro lado, as mortes vistas não causam grande impacto devido à frieza e distanciamento com que são filmadas, o que não deixa de ser uma pena já que este também é um dos males da escritora britânica e o realizador tinha uma oportunidade única para remediar este erro.
Triste e emocionante, esta Parte 2 mergulha os seus heróis num ambiente de guerra com consequências sérias para cada um deles e o filme parece parar por momentos para que as personagens vejam e analisem o caos e a dor que os rodeia, numa bem-vinda carga dramática que atinge o auge quando Harry acede às memórias de determinado indivíduo: a cena serve para desmistificar essa personagem, bem como acrescentar mais ambiguidade ao mesmo, conseguindo ainda tornar o falecido Dumbledore ainda mais fascinante, apesar de falho. Além disso, o elenco mostra-se sempre seguro de si, principalmente os trio de protagonistas, mas a surpresa vem mesmo com um renovado e corajoso Neville Longbottom, nada a fazer lembrar o inseguro e trapalhão adolescente de antes e, claro, Alan Rickman, cuja maleficência e sensibilidade numa sequência fulcral comprovam como o casting inicial da série foi certeiro numa saga que se dá ao luxo de meter gente como Emma Thompson, Maggie Smith, Gary Oldman e tantos outros monstros sagrados em papéis minúsculos.
No entanto, o desfecho também peca em não explorar apropriadamente algumas das ideias que já vinham do livro – e não estou a falar da rábula da varinha que encerra o duelo final da maneira mais brochante possível (que até ficou interessante no grande ecrã), mas sim uma "ressuscitação" metida a martelo ou o facto demasiado conveniente de Harry vislumbrar o horcruxes restantes sempre que destrói um deles. Isto, porém, são pecados menores numa obra que faz justiça aos seus antecessores e finaliza toda uma jornada de dez anos de uma forma emotiva, espectacular, madura, arrebatadora e – a avaliar pelo epílogo – nostálgica.
Parabéns, miúdo. Vais deixar saudades.
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E agora, como bónus, as minhas rápidas impressões sobre todos os filmes da saga:
Harry Potter e a Pedra Filosofal
Harry Potter and the Philosopher's Stone (2001)
A fidelidade ao livro é, simultaneamente, o ponto forte e fraco do filme. Apresenta eficazmente os alicerces do maravilhoso universo saída da mente de J. K. Rowling, ao mesmo tempo que consegue evocar um sentimento de fascínio e doçura digno dos melhores filmes da Disney.
Qualidade da banha:
Harry Potter e a Câmara dos Segredos
Harry Potter and the Chamber of Secrets (2002)
O livro é mais fraco que o primeiro e o filme ressente-se disso: mais palavroso e menos interessante, vale pelas sequências de Quidditch, a realização segura do normalmente fraco Chris Columbus e, claro, os efeitos especiais.
Qualidade da banha:
Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban
Harry Potter and the Prisoner of Azkaban (2004)
Alfonso Cuarón só esteve na cadeira de realizador uma única vez, mas o seu legado faz-se sentir até hoje: a ambientação mais sombria, a ampliação dos espaços fora de Hogwarts, o crescimento do elenco como actores e o peso da entrada na adolescência. Pena é que a história tenha sido retalhada quase até à incompreensão dos não-iniciados.
Qualidade da banha:
Harry Potter e o Cálice de Fogo
Harry Potter and the Goblet of Fire (2005)
É o meu livro preferido da saga e a adaptação é primorosa: os momentos de maior dramatismo e complexidade são bem doseados com um misto de diversão e aventura trepidante e a narrativa, ainda que bastante cortada em relação ao livro, é eficiente na sua fluidez.
Qualidade da banha:
Harry Potter e a Ordem da Fénix
Harry Potter and the Order of the Phoenix (2007)
O clima conspiratório invade Hogwarts naquele que é o primeiro passo para o grande final. David Yates faz um bom trabalho, embora a sua inexperiência com efeitos especiais e na condução da história seja notória, o que torna-o bastante irregular. Além disso, um dos pecados do livro é mantido no filme: a morte de determinada personagem surge do nada e não causa impacto algum.
Qualidade da banha:
Harry Potter e o Príncipe Misterioso
Harry Potter and the Half-Blood Prince (2009)
Devo ser dos poucos que não gosta do livro: acho-o secante e enrola demasiado na sua preparação para o último tomo. Como tal, o filme sofre com essa falta de interesse, embora deva ser aplaudido por incluir sequências que não fazem parte do livro (e mereciam lá estar) e por carregar na dualidade entre as trajectórias de Harry e Draco Malfoy.
Qualidade da banha:
Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 1
Harry Potter and the Deathly Hallows – Part 1 (2010)
Dividido em duas partes por razões claramente comerciais, esta Parte 1 acaba por beneficiar com a divisão, já que dá a oportunidade de desenvolver certas situações e tornar a narrativa menos episódica. O mais atmosférico e calmo de toda a saga deposita sobre os ombros do trio principal a tarefa de carregar o filme às costas e estes podem mostrar como amadureceram, enquanto as cenas de acção são maravilhosamente orquestradas (estou-me a lembrar da invasão ao Ministério da Magia). Provavelmente é o melhor filme da saga.
Qualidade da banha:
The King's Speech (2010)
Realização: Tom Hooper
Argumento: David Seidler
Elenco: Colin Firth, Geoffrey Rush, Helena Bonham Carter, Guy Pearce, Michael Gambon, Timothy Spall
Qualidade da banha:
O realizador britânico Tom Hooper parece ter uma queda para dramas históricos: depois de mergulhar no reinado de Isabel I em Elizabeth I, ele comandou a campanha de Lord Longford no Partido Trabalhista em Longford, passando depois pela mini-série sobre John Adams (todos eles para a televisão) e terminando com a ascensão do treinador Brian Clough no óptimo e ignorado Maldito United. Assim, não é uma surpresa que ele tenha produzido um dos filmes mais badalados da actual temporada de prémios que, para não variar, retrata um momento importante da história da monarquia britânica: a renúncia ao trono de Eduardo VIII para se casar com a norte-americana Wallis Warfield (que, duplamente divorciada e o facto de ser uma plebeia, poderia despoletar uma crise diplomática nas rígidas e milenares convenções da Família Real) e a subida ao poder do seu irmão mais novo, Jorge VI, cuja gaguez revela-se um entrave às suas ambições de ser um monarca digno para o Império e para uma Europa ameaçada pela sombra de Hitler.
Condensando cerca de 15 anos em questão de meses, O Discurso do Rei inicia com a apresentação pública do Príncipe Alberto (Firth) no Estádio de Wembley quando este deve fazer um discurso que se tornará embaraçoso e patético devido ao seu defeito na fala. A sua esposa, a futura Rainha-Mãe (Carter), não mede esforços para ajudar o marido e, após várias experiências fracassadas, ela decide consultar Lionel Logue (Rush), um peculiar terapeuta da fala australiano, que recorre a métodos pouco ortodoxos, mas eficazes. Aos poucos, Bertie (alcunha do futuro rei) progride, mas não sem vários atritos com Logue que levarão a um estreitamento da amizade entre ambos - e todo este processo será posto à prova com a renúncia de Eduardo VIII e o início da Segunda Guerra Mundial.
Inseguro e ridicularizado pelo pai, Bertie está longe da figura que o povo exige de um monarca, o que realmente nunca poderia ser um problema não fosse por uma inusitada conjugação de factores externos – e Colin Firth oferece uma actuação poderosa como um indivíduo que enfrenta sérias dificuldades em expor-se publicamente, seja pelo problema que o aflige ou pelas rigorosas normas de conduta a que está sujeito (que vêm à tona numa cena em que ele desabafa sobre a sua infância, na qual uma educação severa ocultava qualquer traço de inocência ou criatividade). Obviamente desconfortável com a postura informal de Logue, Bertie parece viver num casulo onde cada comportamento é pensado ao pormenor e não admira que ele encare as sessões de terapia como uma humilhação (ainda que em privado), já que é obrigado a manifestar e a tentar superar o seu problema ao mesmo tempo que tem de aturar as tiradas sarcásticas do seu instrutor.
Não que Logue seja um mau profissional: de início, o facto de tratar um Príncipe pela sua alcunha poderia mostrar uma faceta arrogante e, quiçá, anti-monárquica (afinal, ele é oriundo da Austrália, colónia do Império Britânico), mas logo se percebe que o ambiente mais descontraído que Logue imprime nas sessões tem como objectivo manter o governante mais à vontade e vincar a sua pouca disposição em rebaixar-se perante a enorme responsabilidade de tratar alguém superior a ele (algo que poderá ter acontecido noutras ocasiões e que o filme deixa implícito). Desta forma, a actuação divertida de Geoffrey Rush oferece um excelente contraste com a inflexibilidade e altivez de Bertie; uma batalha de temperamentos que atinge o auge na sequência do ensaio da cerimónia de coroação, quando uma revelação intíma de Bertie é rebatida com uma acção ousada (e hilariante) do terapeuta.
Num filme recheado de primorosas interpretações, destaque para Helena Bonham Carter como a esposa genuinamente preocupada com o problema do marido e compreensiva para com as suas inquietações e o estado da Nação, ao passo que Guy Pearce demonstra, no pouco tempo a que tem direito, o carácter boémio e descomprometido de Eduardo VIII – enquanto Timothy Spall é o único a desapontar com uma caricatura de Wiston Churchill, deixando que a memória da figura já de si estranha do mítico Primeiro-ministro faça todo o trabalho de composição. Por outro lado, Tom Hooper oferece um trabalho sem nenhum rasgo de originalidade, apesar da condução eficiente da narrativa até ao discurso final e de algumas opções acertadas (ainda que óbvias) como recorrer a planos contra-picados para retratar a inadequação social de Bertie ou demonstrar paralelismos entre os aposentos grandiosos da Família Real e o calor humano que exala do escritório/casa de Logue, o que diz muito sobre o futuro Rei: enquanto os primeiros o oprimem e intimam, os segundos fornecem-lhe a paz e o conforto que ele necessita.
Alicerçado num elenco em grande forma e em perfeita sintonia, O Discurso do Rei resume-se às suas interpretações, já que a sua história previsível e pouca ambiciosa poderia ter sido adaptada para a Televisão sem qualquer problema – e saber que o filme resiste a este percalço e que isto pouco ou nada reduz a sua força, é algo que deve ser fartamente elogiado e não desprezado.
Tenho muita estima por Tim Burton e os seus universos fantasiosos recheados de humor negro e até mesmo pelos seus filmes mais comerciais (considero o mal-amado Planeta dos Macacos espectacular), mas, desta vez, algo correu mal. Alice no País das Maravilhas é o pior filme de Tim Burton em muito tempo, provavelmente o pior que ele já realizou, onde abundam os efeitos especiais e os cenários maravilhosos, porém tudo sem alma, sem chama, sem o sentido de maravilhamento que deveria estar presente numa adaptação da obra de Lewis Carroll e que Burton trata com o descaso típico do realizador que se rendeu aos devaneios proporcionados pela tecnologia digital. É menos um filme de Tim Burton, mas mais um filme Disney com umas pitadas do realizador de obras como Ed Wood, Eduardo Mãos-de-Tesoura, O Estranho Mundo de Jack ou A Noiva Cadáver.
Desenvolvido como uma espécie de sequela das obras literárias Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho, o filme conta com Alice já com 19 anos e prestes a casar com um lorde, num arranjo proporcionado pelas famílias de ambos. Quando deve aceitar o pedido de casamento, a jovem hesita e acaba por fugir, indo parar à toca de um coelho, entrada para a Sub Terra ("Underland" no original e não "Wonderland", num detalhe imbecil acrescentado pelo argumento) onde reencontra o Coelho Branco, os gémeos Tweedledee e Tweedledum, a Lagarta Azul, o Gato Cheshire e o extravagante Chapeleiro Louco. No entanto, Alice não se recorda das aventuras anteriores e agora terá de fazer frente à Rainha Vermelha (numa mistura desta com a Rainha de Copas) que se apoderou do trono e devolvê-lo à irmã desta, a Rainha Branca, para que a felicidade volte a reinar no País das Maravilhas.
Pensaram em Hook? Pois bem, a base é praticamente a mesma, só que o desenvolvimento está mais para A Bússola Dourada ou As Crónicas de Nárnia: o Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa e tantos outros sub-Senhor dos Anéis que invadiram os ecrãs nos últimos anos. E dá-lhe música épica (Danny Elfman volta a entregar uma partitura fraca), panorâmicas das personagens enquanto percorrem pastos, planícies e montanhas e, para não fugir muito à regra, uma história ancestral do Escolhido contra as forças malignas. Aqui, Alice terá de recuperar a mítica Espada Vorpal para matar um dragão qualquer (esqueci-me do nome) e destronar a Rainha Vermelha. Sim, o argumento é assim tão linear e pouco ambicioso.
Por outro lado, o País das Maravilhas (ou Sub Terra como o filme insiste em chamar) é belíssimo, mas Burton nunca nos dá a oportunidade de nos envolvermos naquele universo, deixando que os cenários majestosos façam o trabalho por ele. Ou seja, tudo o que tão bem resultou emAvatarnão se aplica aqui. Mas o mais decepcionante é que Burton abandone o surrealismo e a inteligência da obra de Carroll para abraçar uma aventura de grande escala, onde nem o charme das personagens secundárias recupera a essência original, uma vez que é notória a inclusão do Chapeleiro como personagem importante e não tanto periférica como justificação para o apelo comercial de Johnny Depp.
E por falar em personagens importantes, o facto de Alice estar mais crescida não faz diferença alguma no resultado final, já que ela demonstra uma inocência incomum para uma jovem de 19 anos, sendo ainda prejudicada pela fraca actuação de Mia Wasikowska que, além de inexpressiva, surge pouco à vontade no meio de tanto cenário digital (e a cena em que ela se belisca por achar que aquilo tudo é um sonho é, no mínimo, embaraçosa). Ainda assim, Helena Bonham Carter resgata o espírito da Rainha de Copas com imenso sucesso, sendo ainda auxiliada pelos excelentes efeitos especiais que lhe aumentam a cabeça de forma absurda para um corpo tão esguio. Quanto a Johnny Depp, o actor acrescenta mais uma personagem excêntrica à sua já longa galeria, embora não saia do piloto automático, ao passo que Anne Hathaway mal tem tempo para fazer seja o que fôr com a Rainha Branca.
Com poucos momentos do humor negro que caracterizam a obra de Tim Burton (os animais vassalos da Rainha ou as cabeças flutuantes que auxiliam Alice a atravessar um leito são momentos isolados), Alice nos País das Maravilhas falha ainda ao não estabelecer nenhum arco dramático para a sua protagonista que, ao final da projecção, não sofre nenhuma mudança assinalável. Se pensarmos que o filme foi filmado em 2D e só depois convertido para 3D, é caso para dizer que Burton preocupou-se em dar profundidade às imagens e não à narrativa e, no final, o seu filme é tudo menos maravilhoso, mas sim... vulgar.
Qualidade da banha: 8/20