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A fera amansada

por Antero, em 23.09.10

 

O que aconteceu com Oliver Stone? Onde está aquele realizador politizado, agressivo e pessimista de outrora? O responsável por filmes polémicos como Platoon – Os Bravos do Pelotão, JFK ou Assassinos Natos? Aparentemente, deu lugar a um sujeito mais optimista, mais pacato e menos conflituoso, como comprovam obras como Um Domingo Qualquer, Alexandre, O Grande (um grande fiasco, isso sim) e World Trade Center. Mesmo obras de cariz político comoW.revelam uma postura mais leve e simpática que em nada lembram o realizador de ideologias liberais e em constante ruptura com o sistema.

 

Em Wall Street, Stone produziu uma obra que servia como denúncia dos excessos da década de 80 do século passado e que funcionava maravilhosamente naquele contexto: eram os tempos dos “yuppies”, do crédito fácil, da ostentação, do status quo mediante o poder económico. O filme era um conto sobre a moralidade e a ambição, antecipava a escalada de eventos que levaria a variados colapsos económicos e das consequências da falta de regulamentação dos mercados e apresentava Gordon Gekko, um antagonista memorável na pele de Michael Douglas. Wall Street tinha uma narrativa fechada e não necessitava de uma continuação – e, no entanto, esta sequela, com o subtítulo de O Dinheiro Nunca Dorme (retirado de uma das falas do original), funciona exactamente pela mesma razão que datou o primeiro: o contexto social e económico. E também, obviamente, pela figura de Gekko, que permanece fascinante.

 

Começando a história em 2000 com a libertação de Gordon Gekko da prisão, Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme logo salta oito anos no futuro, quando os primeiros indícios da recessão económica eram já difíceis de ignorar. O Mundo é agora um lugar diferente: é a era dos smartphones, a Internet é uma realidade comum a todos, as Torres Gémeas já não surgem imponentes no céu de Nova Iorque (há um plano do Ground Zero que remete para o colapso – literal – da economia), mas em Wall Street ainda é o dinheiro que domina. É neste ambiente que Gekko pretende relançar-se no mercado. Para isso, alia-se a Jake Moore na tentativa de abalar a carreira de Bretton James, cujas acções poderão ter levado o mentor de Moore ao suicídio. Em troca, Gekko deseja que o novato o ajude a restabelecer a relação com a sua filha, não por acaso, a namorada de Moore, que culpa o pai e as suas actividades por terem destruído o núcleo familiar.

 

Família, vale dizer, é algo que move toda a narrativa. Se, no original, Bud Fox (que aparece por breves minutos) encontrava na figura paterna a bússola moral que mantinha a sua integridade, aqui é Winnie Gekko que serve de orientação para Jake e, consequentemente, para Gordon. No meio da ambição desmedida e da vingança, ambos desejam a estabilidade familiar – só que estas facetas dificilmente se complementam: Jake é um jovem que acredita no investimento na indústria das energias renováveis, mas será isto devido ao seu idealismo ou à sua sede de poder de uma economia em expansão? E Gekko quer realmente aproximar-se da filha ou está a usá-la (e ao namorado) como meros peões no seu fortalecimento?

 

É este tipo de questões que permeia Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme e, se Shia LaBeouf faz um trabalho discreto como Jake, é Michael Douglas quem leva tudo à frente no papel que lhe valeu um Oscar. Perverso e cínico, ele é como uma raposa que se movimenta facilmente na floresta e conhece todos os meandros do incerto jogo da alta finança. Antes, ele tinha atingido um estatuto que não deixava margem para dúvidas do seu brilhantismo, mas agora ele começa na mó de baixo e terá de usar toda a sua astúcia a seu favor. Capaz de convencer o pupilo a fazer algo arriscado sem que ele perceba que foi manipulado, Gekko só não é mais perigoso que Bretton James por que já não dispõe do mesmo poderio económico deste último, uma vez que a sua retórica sobre os males daqueles que detêm o dinheiro não só é real (e assustadora) como, nas entrelinhas, Douglas tem a inteligência de mostrar que aquele é um posto que um falido e ganancioso Gekko inveja.

 

Se no elenco pouco há a apontar (todos estão correctos, desde o trágico bancário vivido pelo excelente Frank Langella à avarenta mãe de Jake interpretada por Susan Sarandon), é na câmara de Oliver Stone que começam os grandes problemas. Mais relaxado que nunca, Stone perdeu uma oportunidade única que fazer um ataque cerrado aos verdadeiros culpados da crise económica de 2008 e muitas das suas opções técnicas revelam-se desastrosas, como os grandes planos que revelam brincos, pulseiras e outros adereços de luxo numa tentativa fácil e desnecessária de mostrar a superficialidade daquele meio ou os flashbacks e “aparições” que apenas martelam o que já estava entendido. Porém, nada se compara ao telefonema que Jake recebe e cujo interlocutor aparece uma espécie de “balão de pensamento” que substitui a face da sua acompanhante, algo tão deselegante que nem numa comédia adolescente seria aceitável.

 

Para piorar, o que mais decepciona é a falta de garra e o sentimentalismo barato com que Stone encerra o filme. Ainda que seja perspicaz ao ponto de deixar sempre Gekko como componente periférica (a história é sobre Jake Moore, tal como o original era sobre Bud Fox), o realizador encena uma redenção que não se condigna com o carácter de determinado indivíduo (além de alongar a duração mais do que deveria). Parece algo escrito às três pancadas depois de uma exibição-teste negativa, o que, implicitamente, retrata que a mensagem inicial é certeira: a ganância pelo dinheiro comanda tudo.

 

Qualidade da banha: 11/20

 

publicado às 23:34


Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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