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Ted (2012)
Realização: Seth MacFarlane
Argumento: Seth MacFarlane, Alec Sulkin, Wellesley Wild
Elenco: Mark Wahlberg, Mila Kunis, Giovanni Ribisi, Joel McHale, Patrick Warburton, Matt Walsh, Sam J. Jones
Qualidade da banha:
Ted é um filme de uma piada só: um urso de peluche que dispara piadas porcas e bebe e droga-se que se farta. Infelizmente, depois de estabelecer a sua premissa, o filme não sabe o que fazer com ela e limita-se a esticá-la até ao ponto de saturação. Tem a sua graça ver um urso fofo ser tão asneirento, mas depois da quarta ou quinta vez o efeito dissipa-se – e a falha na base da história acaba por abrir caminho para que outros erros sejam detetados, como a narrativa burocrática, as personagens desinteressantes e o facto (fatal numa comédia) que Ted simplesmente não inspira sonoras gargalhadas.
Escrito a seis mãos, Ted inicia-se com a infância solitária de John Bennett (Wahlberg) que guarda apenas um único amigo: Ted (voz de Seth MacFarlane), o seu ursinho de peluche. Uma noite, o seu desejo ardente de dar vida a Ted concretiza-se e eles torna-se companheiros de todas as aventuras. Assim, os anos vão passando e eles crescendo lado a lado, dividindo alegrias, tristezas e o apartamento. Porém, aquela amizade quase perfeita tem um grande entrave: Lori (Kunis), a namorada de longa data de John, que considera Ted, e os seus modos bruscos, um entrave ao bom funcionamento da sua relação. E é assim que parece ter chegado o momento de Ted assumir a sua independência e viver a sua própria vida.
Ao empregar acertadamente um tom de fábula subversiva nos seus minutos iniciais, Ted faz um trabalho eficaz a desenvolver a convivência de anos entre John e o seu brinquedo, bem como as suas rotinas boémias e sem responsabilidades. Criado através da técnica de captura de movimentos, o urso digital é extremamente convincente na interação com os elementos humanos e com os seus gestos fluidos e plenos de naturalidade. No entanto, ele é uma personagem unidimensional: ele ocupa o lugar do melhor amigo que leva uma vida despreocupada e fornece ideias pouco aconselháveis tantas vezes visto em comédias do género – e o facto de que se trata de um urso de peluche é realmente a única coisa que o distingue e o define por inteiro.
Assim, temos um urso que poderia ser perfeitamente interpretado por Jason Segel ou Jonah Hill, o que não seria um grande inconveniente se as suas piadas não fossem tão inofensivas, apesar do filme pensar o contrário. No meio de tanta vulgaridade, xenofobia, misoginia e homofobia só se ofenderá quem nunca tiver visto uma comédia de Sacha Baron Cohen (isto para pegar num exemplo recente), visto que as piadas resumem-se a referências à cultura pop que se tornam aborrecidas e preguiçosas com o passar do tempo além que fazem com que Ted fique imediatamente datado (resta dizer que as referências ao ator Tom Skerritt foram recebidas com indiferença na lotada sala de cinema onde me encontrava). Outro aspeto problemático é a tendência do realizador Seth MacFarlane em esticar as gags até ao ponto do absurdo em que a resolução parece saída de outro filme e não tenha nada a ver com a situação inicial.
Atirando para todos os lados na busca desesperada por algo que dê unidade à sua estrutura caótica (a trama do rapto é enfiada a martelo no terceiro ato), Ted permite que as suas piadas sejam detetadas a quilómetros de distância como no momento em que Ted tenta sabotar uma entrevista de emprego ou todas sa intervenções do patrão de Lori. E por falar no elemento feminino, é impossível comprar a ideia de que a bem sucedida Lori aguentaria quatro anos de namoro com um tolo como John, um irresponsável cuja imaturidade e falta de ambição fariam qualquer mulher minimamente inteligente fugir a sete pés. A resposta para esta improbabilidade é de que ambos são interpretados por Mark Wahlberg e Mila Kunis – duas caras bonitas que até demonstram alguma química entre si.
Por outro lado, nas poucas vezes que Ted acerta, o filme até consegue arrancar boas risadas: a sequência em que John e o urso travam um confronto físico resulta pelo absurdo de vermos dois seres tão díspares a lutar taco a taco; a utilização do merecidamente esquecido Sam J. Jones (protagonista desse delicioso monumento ao mau gosto chamado Flash Gordon) é recheada de tiradas sobre a sua carreira moribunda e o papel de herói espacial que o marcou; e a atuação de John num concerto de Norah Jones é hilariantemente embaraçosa – e Wahlberg é inteligente ao esganiçar a voz e arruinar o típico momento romântico, mas sem desmerecer o esforço da sua personagem.
Encerrando-se com uma daquelas montagens que mostram o que aconteceu após os eventos do filme e que traz mais referências pop desnecessárias e nada cómicas, Ted reflete algo que o seu realizador falhou em perceber: na televisão (principalmente em rede aberta), o humor corrosivo de MacFarlane visto em Family Guy ou American Dad! tem de ser suavizado e é na subtileza que se encontra o seu ponto forte. No cinema, contudo, o politicamente incorreto é o mainstream e bastou que a rédea fosse levantada para mostrar a outra face do seu humor: entediante, preguiçoso e com uma gritante falta de originalidade.