Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Scream 4 (2011)
Realização: Wes Craven
Argumento: Kevin Williamson
Elenco: Neve Campbell, Courteney Cox, David Arquette, Emma Roberts, Hayden Panettiere, Marley Shelton
Qualidade da banha:
Sou admirador da trilogia Gritos e acho que cada um dos filmes originais funciona à sua maneira. O primeiro (e melhor) deu novo fôlego ao terror contemporâneo ao percorrer o caminho da sátira e atulhar-se de referências a outros filmes do género, com os seus clichés dissecados pelas personagens que seguiam as regras ao serem perseguidas pelo assassino conhecido como Ghostface (ou, na preguiçosa tradução, Fantasma). Genuinamente assustador e inteligente, Gritos deu origem a infindáveis cópias e, menos de um ano depois, surgiu a sequela que, adequadamente, apontava a sua mira para as continuações que Hollywood investe até saturar o público. O terceiro filme, lançado há 11 anos (credo!), mais parecia um filme policial que um de terror e o seu objecto de gozo já não tinha limites, já que, usando a desculpa de satirizar trilogias, toda a produção de uma longa-metragem baseada nos crimes de Woodsboro servia como mote para disparar para todos os lados e a metalinguagem parecia atingir o auge na série. Sim, parecia: Gritos 4 utiliza este recurso fartamente e grande parte do seu charme reside aí.
A sequência pré-créditos que, como não podia deixar de ser, envolve o homicídio macabro de duas personagens é um bom exemplo disto: ao brincar com cenas de filmes dentro de filmes, o argumentista Kevin Williamson (de volta à série depois do interregno do terceiro capítulo) aproveita para criticar a vertente do terror que se tornou moda na década passada – o torture porn característico de obras como Hostel ou a saga Saw que, com as suas intermináveis continuações, fazem com que a mesma vá perdendo o interesse a cada nova "revelação bombástica". Depois desta sequência, seguimos para o filme propriamente dito: a eterna vítima do Ghostface, Sydney Prescott (Campbell) está de volta à cidade natal para promover o seu livro e (coincidência gritante!) logo no aniversário do massacre que a tornou famosa. Acompanhada pelos velhos conhecidos agente Dewey (Arquette) e a sua esposa, a jornalista Gale Weathers (Cox), ela vê-se mais uma vez no epicentro de uma matança que pode estar direccionada não apenas a si, mas também à sua prima, Jill (Roberts), e ao grupo de amigos desta.
Claro que o objectivo é apresentar uma actualização da série e este novo filme surge como uma mistura de continuação, um reboot (a nova geração de potenciais vítimas) ou até mesmo uma refilmagem. Esta estrutura interna mista de Gritos 4 é um dos destaques da produção, uma vez que permite incorporar todas as tendências da Hollywood actual ao mesmo tempo que as critica, uma dualidade típica em todos os filmes anteriores e que Williamson teve a inteligência de perceber que poderia ser adoptada a um nível mais profundo. Assim, o filme mostra as garras naquilo que tornaram a série famosa: a metalinguagem. Seja em detalhes de cenas praticamente decalcadas do original, da presença constante de câmaras de filmar, de personagens que sabem que preenchem os mesmos papéis dos defuntos de outrora e que estão presentes numa refilmagem, Gritos 4 acende uma aura de nostalgia ao reconhecer a importância a franquia no seio de terror moderno, ao mesmo tempo que afirma que este se encontra esgotado e a necessitar de uma reformulação - tal como há 15 anos atrás.
Isto, porém, dirá mais ao fã do que ao espectador comum, uma vez que, como filme de terror, Gritos 4 não é dos melhores: ainda que bem-humorado, ele surge datado e completamente dependente dos acordes na banda sonora para assustar, num exercício de sadismo que já deu o que tinha a dar. Além disso, se as novas personagens estão apropriadamente a seguir as pegadas das do original, isto não as torna propriamente mais complexas, além de que algumas delas são muito burras. Desde as forças policiais ineptas à publicitária que decide deixar a segurança do carro e aventurar-se pelo escuro, passando pela perita em cinema de terror que abre uma porta que não devia, todos (ou quase todos) são merecedores de serem degolados sem piedade pelo assassino que, mesmo após quatro filmes, continua com uma pontaria lamentável (resta dizer que a "facada no ombro" também se torna alvo de uma referência).
Sem ter muito o que fazer, o trio formado por Campbell-Cox-Arquette volta ao cenário de terror com um pleno conhecimento das personagens em questão: a quase resignação de Sydney por se ver envolvida num novo banho de sangue, uma nova oportunidade para a carreira falhada de Weathers e a atrapalhação costumeira de Dewey. De resto, Wes Craven faz um bom trabalho ao encenar as sequências das mortes, mantendo o espectador interessado e divertido, conseguindo ainda incutir uma roupagem mais moderna, com referências ao Facebook a ao Twitter, embora estas não contribuam significativamente para a narrativa (ao contrário dos filmes anteriores que aproveitaram massificação da tecnologia da época: o telemóvel).
No entanto, Gritos 4 enfraquece imenso com a descoberta da identidade do assassino – e não me refiro à crítica social óbvia (e, convenhamos, infantil) que tenta dar relevância ao filme e às motivações do assassino por que até vi isto com bons olhos por oposição à revelação quase aleatória do terceiro filme. Refiro-me, isso sim, ao alongamento de sucessivos desfechos, como se Williamson não soubesse como encerrar convenientemente a narrativa. Por isso, dá-lhe mortes para aqui, justificações para ali, momentos de calmaria e depois mais sangue. Aí, já não há sátira que valha ao filme; este torna-se simplesmente cansativo.
Tal como toda a série Gritos, a bem da verdade.