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Depois do menor À Prova de Morte, Quentin Tarantino volta em grande estilo com Sacanas Sem Lei, um cocktail de referências cinematográficas, personagens brilhantes, diálogos espirituosos (imagem de marca do realizador) e verdadeiras sequências conduzidas com mestria. Muitos acusam Tarantino de se perder em milhares de citações e diálogos que, apesar de maravilhosamente escritos, pouco ou nada acrescentam à história e, de certa forma, foi o que aconteceu no seu filme anterior (e, num grau menor, em Kill Bill: Volume 2). Cada filme dele não é mais do que um exercício de estilo, onde toda a sua cultura cinematográfica surge como uma celebração de géneros menores do Cinema, como a blaxpoitation, o western spaghetti, filmes chineses de artes marciais ou a escola do terror italiano. Sacanas Sem Lei não é diferente: apesar de ambientado na 2ª Guerra Mundial, ele está mais próximo de um western do que o comum filme de guerra, dando a Tarantino mais uma oportunidade para ele esbanjar o que tem de melhor.
Em 1944, quando a Alemanha Nazi já perdia terreno para os Aliados, um grupo de judeus soldados dedica-se a matar, com requintes de malvadez, todos os nazis que se cruzam pelo seu caminho (todos excepto um que deverá passar a palavra e... ser marcado). Este grupo une-se à actriz e agente infiltrada alemã Bridget von Hammersmark numa missão para destruir os lideres do Terceiro Reich. O plano passa pela estreia em França do filme de propaganda Orgulho da Nação, cuja sala de cinema está na posse de Shosanna, uma judia que tem contas a ajustar com o cruel Coronel nazi Hans Landa, um militar de bons modos, mas profundamente sádico e eficaz.
Longe de querer ser um relato fiel de acontecimentos da 2º Grande Guerra, Sacanas Sem Lei é uma delirante crónica sobre um episódio que nunca ocorreu, algo constatado pela irreverência com que figuras como Hitler e Goebbels são tratados. A Guerra é um mero pretexto para que Tarantino faça um novo western, uma nova história de vingança e uma grande homenagem ao Cinema. A 7ª Arte surge aqui nas suas variantes de escapismo (Shosanna), progragandista (a obra que relata os feitos heróicos de um soldado nazi), catártica (toda a sequência final) e várias são as referências a filmes e personalidades da época, onde se destaca uma piada envolvendo o estatuto de Louis B. Mayer e David O. Selznick aplicado a Goebbels.
No entanto, o que mais agrada é o profundo respeito de Tarantino pelo espectador: quando uma personagem decide alterar o idioma de um diálogo que mantém com outra para o Inglês, poderíamos supor que o filme estaria a render-se aos gostos do público médio norte-americano que abomina obras que não seja faladas na língua Inglesa. Porém, essa mudança vem no seguimento da própria estratégia da personagem, numa contextualização brilhante de uma solução fácil por parte do realizador. Falado em quatro idiomas, Sacanas Sem Lei conta com um elenco surpreendentemente coeso, onde cada elemento fala a sua língua natal, e os diálogos revelam-se menos prolixos do que o costume nas últimas obras de Tarantino, uma vez que cada informação desempenha, mais cedo ou mais tarde, um papel importante na narrativa.
Realizando o filme com imensa segurança, Tarantino brilha ao encenar três sequências fulcrais: a inicial, o desenlace na sala de cinema e a longa sequência do bar na cave. Nesta última, o director cria um ambiente de tensão crescente sem deixar o tom descompromissado de lado, o que deixa o espectador num estado de alerta constante (embora o filme deixe claro que nunca deverá ser levado a sério). Onde o realizador falha é em alguns exageros na violência pouco estilizada e que persegue mais o choque, como se ele tivesse trocado de lugar com Eli Roth, realizador do péssimo Hostel e aqui convertido em actor. E por falar em actor, há que fazer todas as vénias do Mundo a Christoph Waltz que brilha a grande altura como o articulado Coronel Landa que, com a sua atitude simpática e requintes de malvadez, cria um dos grandes vilões da década.
Prazeroso de assistir e ainda mais de ouvir, Sacanas Sem Lei é um regresso à boa forma por parte de Tarantino, com uma ode ao feminismo (é em Shosanna que o filme começa e para onde ele converge), repleto de violência, e com uma excelente banda sonora; três tópicos já recorrentes na carreira do realizador. Só mesmo Tarantino para fazer uma comédia negra com o Nazismo como pano de fundo.
Qualidade da banha: 18/20