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The Girl with the Dragon Tattoo (2011)
Realização: David Fincher
Argumento: Steve Zaillian
Elenco: Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgård, Robin Wright, Steven Berkoff, Joely Richardson
Qualidade da banha:
NOTA: não posso avaliar a fidelidade da trilogia Millennium em relação às obras literárias que lhe deu origem, uma vez que não as li. Sendo assim, qualquer comparação terá como base a trilogia cinematográfica sueca, falada sucintamenteaquieaqui.
Havia necessidade de Hollywood adaptar os livros do falecido Stieg Larsson quando estes foram levados ao grande ecrã há meros dois anos e que foram um sucesso em todo o Mundo? No aspeto comercial, há sempre necessidade: como os norte-americanos são avessos a legendas, é preferível refazer tudo por um balúrdio do que gastar um ou dois milhões de dólares a adquirir os direitos do original, legendá-lo e distribui-lo. Esta lógica distorcida dita os rumos da indústria há décadas e é mais uma prova da sua falta de criatividade. Por outro lado, do ponto de vista artístico, esta nova versão de Os Homens que Odeiam as Mulheres é perfeitamente válida e tem os seus méritos, embora não seja assim tão superior à película sueca que a antecedeu.
Primeiro capítulo da trilogia Millennium, Os Homens que Odeiam as Mulheres traz o jornalista Mikael Blomkvist (Craig) caído em desgraça após perder um processo em tribunal por difamação contra um influente empresário. Decidido a afastar-se do cargo de editor da revista Millennium e com as finanças arruinadas, Mikael aceita o convite de um velho industrial do norte da Suécia, Henrik Vanger (Plummer), para que se instale na sua moradia e desvende um mistério com 40 anos: o desaparecimento da sua sobrinha-neta, Harriet, que ele acredita ter sido morta por alguém do seu clã. Enquanto isso, Lisbeth Salander (Mara), uma analista e pirata informática que já investigara o passado de Mikael, vê a sua já tumultuosa rotina virar do avesso com o colapso do seu tutor legal e terá uma nova oportunidade quando for recrutada para ajudar na investigação da morte de Harriet.
Escrito pelo experiente Steve Zaillian a partir do livro de Larsson, o argumento mantém a ação na Suécia fria e melancólica do original, uma decisão acertada que visa conservar a ambientação sombria que rodeia as personagens ao mesmo tempo que respeita e explora o grande tema da trilogia: o peso do passado. Tal como aqueles indivíduos vivem em conflito por causa de atos obscuros que vivenciaram, a própria Suécia, país dito evoluído e estável, tem os seus esqueletos no armário refletidos na ascensão do clã Vanger e as suas ligações antigas ao partido Nazi (embora não deixe de ser curioso ver atores de Hollywood a interpretarem suecos que se expressam em inglês com sotaque).
Objeto mais cinematográfico que o original (que era notoriamente um produto televisivo), Os Homens que Odeiam as Mulheres é menos explícito e violento e, aqui sim, podemos afirmar que é um filme "americanizado", mas que não deixa de retratar mortes, torturas e violações – e fugir destes tópicos seria trair a essência da história. David Fincher, habituado a estas andanças, faz um bom trabalho a conduzir uma narrativa intrincada e a estabelecer um clima soturno de perigo e mistérios que inquieta e fascina na mesma medida. No entanto, Fincher não consegue escapar a um terceiro ato que se estica para lá do ideal (algo que já afligia o original) e que a resolução se dilua num sentimentalismo que não combina com o que viramos antes (e isto não acontecia no filme sueco), mas estou tentado a perdoar-lhe estes percalços apenas pela ótima ideia de usar uma cover da Immigrant Song dos Led Zeppelin no brilhante genérico inicial.
E se a narrativa é intrigante, muito deve às suas personagens e ao cuidado com que estas são desenvolvidas: Mikael não é um indivíduo isento de falhas, mas é o seu apego à verdade que guia as suas ações, o que condiz com o seu perfil investigativo. Metódico e altamente racional, ele faz as perguntas certas sem temer as respostas e agarra-se aos factos mesmo quando o caso começa a ameaçar a sua segurança pessoal. Vanger, por outro lado, surge como um idoso vivido que respeita e acarinha os laços familiares e até encara com bom humor as zangas entre os seus, embora deixe transparecer uma certa paranoia e desgaste por uma questão que o consome há décadas, ao passo que Robin Wright, numa participação pequena, demonstre imenso profissionalismo como colaboradora de Mikael na Millennium sem deixar que a saúde financeira da revista a impeça de se preocupar com o colega e amante ocasional.
E eis que chegamos a Rooney Mara e à sua Lisbeth Salander, o centro emocional da história. Com uma existência marcada pela violência, Lisbeth sofreu abusos de todos aqueles que exerciam algum tipo de autoridade sobre ela e não é de admirar que ela adote uma postura defensiva (quase autista, diria) em relação àqueles que a rodeiam – não por acaso, ela traz tantas marcas (tatuagens, piercings) no corpo e se comporte como uma marginal, apenas encontrando conforto nas suas atividades ilícitas e em encontros sexuais fugazes. Em contrapartida, há algo de vulnerável na sua pessoa, como se ela estivesse em constante busca por alguma paz interior que acalme as suas experiências e é na parceria que se desenvolve com Mikael que ela se depara com alguém em quem pode confiar plenamente. No original, a sua impressão positiva sobre Mikael surge aquando a sua investigação privada; aqui, cresce naturalmente à medida que o caso avança. É um papel de total entrega de Mara, com uma transformação física que só encontra paralelo na intensidade com que é levada ao ecrã. Os seus esforços só perdem pelo fator novidade, já que a visceral prestação anterior de Noomi Rapace foi marcante e ainda está fresca na memória.
Mesmo sem abordar a fundo no passado de Lisbeth (uma curta menção e só) que será o estopim dos capítulos seguintes, Os Homens que Odeiam as Mulheres está uns furos acima da película sueca que a precedeu e deixa excelentes indicações de que poderão levar os próximos filmes a outro nível, algo que os originais falharam redondamente. Quando Hollywood pensa e executa com cuidado, só podemos esperar coisas boas.
Quando A Rede Social foi anunciado há cerca de um ano, poucos devem ter sido aqueles que depositaram grandes expectativas no filme que retrataria a gestação do Facebook, uma das redes sociais mais utilizadas do Mundo. Nas mãos de Aaron Sorkin, renomado argumentista na Televisão, a pouco promissora história torna-se num conto sobre moralidade, ética, ambição e poder. O facto de ser sobre o Facebook é o que faz a acção seguir adiante, mas é um mero detalhe e poderia ser substituído perfeitamente por outro fenómeno da Internet como o Google, o YouTube ou o Twitter. O que interessa aqui são os efeitos dos actos na interacção entre Mark Zuckerberg e o seu parceiro Eduardo Saverin tanto no fenómeno que se tornou o referido website, bem como nas acções legais que o sucederam.
Baseado no livro The Accidental Billionaires, A Rede Social aproveita factos dispersos para ficcionar sobre eles, num esquema semelhante ao adoptado por Peter Morgan em A Rainha. Muito do que é descrito no ecrã não é verdade (aposto que as festas académicas estejam longe de ser aquilo que Hollywood nos costuma mostrar) ou, pelo menos, não aconteceu daquela maneira. No entanto, esta dramatização dos eventos não deprecia o filme, já que tudo ali soa verosímil e o belíssimo argumento de Sorkin permite-nos acompanhar tudo com a maior das clarezas: há códigos para aqui, gírias tecnológicas para ali, mas nada que permita que o espectador comum se perca entre as cenas de tribunal e os brainstormings de Mark Zuckerberg, o criador do Facebook.
Rejeitado pela namorada, Mark decide criar uma rede para o circuito de Harvard intitulada “FaceMash” que, em poucas horas, se torna um sucesso, mas sem que ele deixe de sofrer um castigo da Direcção. É aí que os gémeos Winklevoss o contratam para criar um site chamado Harvard Connection. No entanto, Mark une-se ao seu melhor amigo, Eduardo Saverin, e avançam com a criação de uma rede social, o “thefacebook”. Em meio a festas e estudos, a rede torna-se num fenómeno cada vez mais global, o que acarretará consequências para a vida de ambos e, em poucos meses, são accionados mecanismos legais que põem em causa a fortuna recentemente conseguida por Zuckerberg.
Anti-social ao extremo, Zuckerberg é o grande destaque do filme. Interpretado brilhantemente por Jesse Eisenberg, Mark é um tipo que revela um grande intelecto debaixo de um aspecto jovial que, como bem salienta o futuro sócio Sean Parker, ninguém leva a sério no mundo dos negócios. Ingénuo ao ponto de pensar que manter uma conversa com a namorada com base em deduções lógicas não deveria ser interpretado como um sinal de arrogância, Mark é um ser imensamente reprimido: ao ver a ex-namorada rejeitá-lo novamente e pouco interessada no seu projecto, ele decide avançar com a expansão do mesmo; ao saber que o seu melhor amigo foi aceite numa república universitária, a sua primeira reacção é lançar um comentário depreciativo; ao ser confrontado com factos que põem em causa a sua lealdade, a sua resposta é focar-se no trabalho. Desta forma, Mark surge não como um vilão, alguém detestável, mas sim como um indivíduo com que facilmente nos identificamos. No fundo, ele busca a aceitação social, ser acolhido pelos seus pares, mesmo que esse objectivo seja virtual, pouco palpável.
Contudo, o inteligente roteiro de Sorkin (aliado à composição de Eisenberg) delineia traços da personalidade de Zuckerberg que o tornam ainda mais fascinante. Seria ele assim tão ingénuo e influenciável? Afinal, ele não andou semanas a evitar os gémeos e o projecto de Harvard para se dedicar exclusivamente ao Facebook? Aquando a digressão para angariar investidores, Mark sabota todas as entrevistas com o seu jeito desleixado, só ficando entusiasmado com a reunião com Parker, o criador do Napster. Seria isto um acaso ou ele realmente pretendia juntar-se a Parker, já que ambos partilham traços em comum (inteligentes, alcançaram a fama jovens e são uns párias da sociedade)? No fundo, ainda que não alinhe no estilo de vida de Parker, Mark inveja o seu estatuto e acaba por sentir-se atraído pela sua trajectória rumo ao sucesso e, neste aspecto, há que realçar a prestação enérgica de Justin Timberlake como alguém que conhece os meandros daquele mundo, ao mesmo tempo que o peso do reconhecimento público lhe trouxe devaneios paranóicos.
Claro que o perfil do nosso anti-herói não estaria completo sem a sua relação com aqueles que lhe são mais próximos e aqui reside a grande surpresa do filme: Andrew Garfield. Como Eduardo Saverin, ele estabelece uma amizade com Mark que soa genuína e acompanhar a deterioração da relação entre eles está entre os pontos altos de A Rede Social. O certo é que Saverin não seria a melhor pessoa para ocupar o cargo de Director Financeiro (cuja nomeação por parte de Mark pode ter sido um impulso do momento ou uma recompensa pela ajuda inicial) e, num mundo implacável como é o empresarial, ele nunca manteria as funções por muito tempo. Porém, a forma como o processo é conduzido levanta muitas dúvidas sobre a afeição entre ambos: Mark só o queria por perto devido à conta bancária em seu nome ou preocupava-se realmente com ele? Garfield tem uma interpretação estupenda ao retratar um Saverin ansioso e que mal consegue conter a alegria de ser bem sucedido, ao passo que a expressão extasiada dá lugar à confusão e a uma desilusão cada vez mais maior com o passar do tempo (e o seu olhar de remorso para o ex-colega contrasta de forma perfeita com a frieza deste).
Longe de ser uma película pró-Facebook, A Rede Social dedica grande parte do seu tempo a retratar a ascensão de Zuckerberg e as consequências do sucesso na sua vida. A crítica velada às redes sociais por oposição às relações pessoais está lá, mas apenas nas entrelinhas, sem nunca fazer a apologia do slogan “o Facebook mudou o Mundo!” (algo que temi aquando o anúncio da produção), mas mantendo sempre presente que a Internet alterou a forma como nos relacionamos e que, como tudo na vida, tem aspectos a favor e contra. E mesmo que David Fincher tenha um trabalho discreto aqui, ele sabe bem o ouro que lhe foi parar às mãos e faz com que a narrativa flua naturalmente, condimentando-a com pequenos momentos de humor (como o relato sobre a galinha ou a reunião com o Reitor de Harvard). Outra excelente (e subtil) opção de Fincher é alternar entre os espaços fechados e acolhedores de Harvard com lugares mais amplos e claros dos escritórios, como se o sucesso do Facebook levasse a impessoalidade das corporações a invadir e a modificar o habitat daquelas personagens.
Numa indústria cada vez mais dedicada a lançar filmes acéfalos para audiências que até os justificam, é um prazer ver que A Rede Social não precisa de elaboradas cenas de acção ou de uma montagem "frenética" para prender o público, atingindo o mesmo efeito através dos seus primorosos diálogos que são debitados com imensa elegância e acidez. Apesar de poder ser acusado de ser historicamente impreciso, o grande mérito do filme é o seu argumento e o seu trágico protagonista: um indivíduo à procura do seu lugar na sociedade e que, ironicamente, criou uma das ferramentas de relacionamentos actualmente mais usadas por esse Mundo fora.
Qualidade da banha: 18/20
É uma pena quando um filme no qual depositamos grandes esperanças acaba por nos deixar um gosto amargo na boca. Não me estou a referir àquelas decepções tremendas que apanhamos de vez em quando, mas sim quando encaramos que o saldo final é positivo, mas que podia ser melhor. Ou seja, quando uma obra não explora a fundo todo o seu potencial. E potencial era coisa que não faltava a este O Estranho Caso de Benjamin Button: uma história com tons de fantasia bastante promissora; um realizador consagrado (David Fincher), uma produção de altos valores e um casal de protagonistas apelativo (Brad Pitt e Cate Blanchett). No entanto, as opções narrativas questionáveis de Fincher aliadas a um argumento que mais parece um remake de Forrest Gump (Eric Roth escreveu ambos) com toques de O Grande Peixe de Tim Burton, acabam por amolgar bastante um filme que se pretendia arrebatador. Que não é, mas não deixa de ser um bom filme, capaz de levantar questionamentos intrigantes.
Benjamin Button é um indivíduo com uma grande particularidade: ele nasceu com o aspecto de um bebé com 80 anos e, com o passar do tempo, vai rejuvenescendo. Adoptado por uma família de negros em plena Nova Orleãs no fim da I Grande Guerra, ele atravessa vários momentos históricos do século XX (hello? Forrest Gump), envolve-se com várias personagens caricatas (Forrest Gump, ainda aí?), apaixona-se por uma mulher que o rejeita inicialmente (Forre… ok, já deu para perceber), sempre com a lógica inversa da sua vida a assombrar-lhe. A história é entrecruzada com outra situada em 2005 (durante o Furacão Katrina), na qual a tal rapariga, Daisy Fuller, está às portas da morte e relata à filha (com a ajuda de um diário) toda a fábula de Button. E se acham que isto pouco terá relacionado com O Grande Peixe, resta dizer que mãe e filha não são muito ligadas e a ocasião é aproveitada para resolver zangas antigas.
Enquanto as cenas do hospital vão quebrando o ritmo da narrativa principal, Fincher decide adoptar um tom enfadonho em boa parte do filme: as situações sucedem-se de forma pouco equilibrada e enquanto há algumas que são prazerosas de assistir (como o encontro com Elizabeth Abbott na antiga União Soviética) outras já surgem desnecessárias e burocráticas, como o regresso a casa de Button e o encontro com o pai biológico doente. Aliás, a realização de David Fincher – apesar de sensível em boa parte do tempo – não demonstra a garra que o fez famoso e em apenas um momento da projecção, quando Button relata várias situações hipotéticas que poderiam ter evitado uma tragédia, é que se vê o verdadeiro Fincher à solta. Outro grande mal do filme é a sua previsibilidade e tremenda falta de emoção nos momentos finais: há uma reviravolta no terceiro acto do filme que qualquer um adivinha aos 5 minutos de filme e o final acaba por ser um pouco anti-climático na resolução que dá à personagem principal.
Ainda assim, O Estranho Caso de Benhamin Button consegue dar a volta por cima graças a inúmeros factores, a começar pela brilhante caracterização e aos subtis efeitos especiais que levas as personagens desde a juventude à velhice de forma totalmente credível. O argumento levanta também vários questionamentos sobre a vida e a condição humana: qual o efeito do tempo nas nossas vidas? Devastador? Positivo? Será a morte a única certeza que temos na vida? Porquê amar um semelhante se este é um sentimento que, mais tarde ou mais cedo (com rompimento ou morte), terá sempre um fim doloroso? Vale a pena apegarmo-nos às pessoas e aos locais, sabendo que tudo isso é efémero? E convém perceber que Button mesmo sendo uma anomalia que contraria a passagem comum do tempo, acaba por ficar preso às leis da passagem do mesmo (ele, eventualmente morrerá, só que morrerá jovem), algo salientado no momento em que é baptizado pela mãe adoptiva e no qual se ouvem as badaladas de um relógio ao longe (aposto que este detalhe passou ao lado de muita gente). Mesmo assim, o filme defende que a sua trajectória não é muito diferente das restantes pessoas: no início da sua vida ele está completamente dependente de outros (e a sua inserção numa casa de abrigo para idosos realça o efeito que o tempo tem na vida das pessoas – interna e externamente); ele vai descobrindo e ficando encantado com o mundo ao seu redor nos primeiros anos; sai para trabalhar longe de casa no final da adolescência; e por aí vai.
Toda esta trajectória é retratada com imensa competência por Brad Pitt que, sob quilos e quilos de maquilhagem, consegue transmitir toda a inocência infantil de Button, bem como a transição para uma postura mais madura, introspectiva e sabedora com o decorrer dos anos. Cate Blanchett também está óptima como de costume no papel de Daisy Fuller, embora ela só se destaque mesmo numa fase mais avançada do filme, quando a sua personagem revela o peso dos anos e de tudo o que passou e passa a dedicar a sua vida a um jovem Benjamin Button. O restante elenco é excelente, principalmente pela pequena, mas marcante, prestação de Tilda Swinton como Elizabeth Abbott que se torna na materialização da mensagem do filme: não deixar que o tempo limite os nossos alcances, as nossas capacidades, no fundo, a nossa vida. O Estranho Caso de Benjamin Button é, desta forma, um filme que faz jus ao adjectivo do título: tematicamente, é fabuloso; narrativamente, é um objecto falho.
Qualidade da banha: 13/20