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A Invenção de Hugo

por Antero, em 23.02.12

 

Hugo (2011)

Realização: Martin Scorsese

Argumento: John Logan

Elenco: Asa Butterfield, Chlöe Grace Moretz, Ben Kingsley, Sasha Baron Cohen, Jude Law, Christopher Lee
 

Qualidade da banha:

 

Não deixa de ser curioso que dois dos grandes candidatos aos Oscars este ano abordem temáticas que remetam para os primórdios do Cinema, numa evocação de nostalgia que embala o espectador – mas, ao contrário deO Artista, esta curiosidade praticamente se torna numa bem-vinda ironia quando Scorsese abraça as mais recentes tecnologias para nos levar por uma viagem pelo fenómeno de popularização da Sétima Arte quando esta era ela própria... a mais recente tecnologia.

Escrito por John Logan a partir do livro de Brian Selznick, a história acompanha o órfão Hugo (Butterfield), que, vivendo numa estação ferroviária de Paris, tenta juntar peças a fim de reconstruir um autómato encontrado pelo seu pai (Law). Certo dia, Hugo é surpreendido pelo dono de uma loja de brinquedos ao tentar roubar mais um objeto para seu projeto e acaba por trabalhar para o sujeito ou será entregue ao ameaçador inspetor da estação, Gustave (Cohen). Tornando-se amigo de Isabelle (Moretz), filha adotiva do lojista, o rapaz acaba por descobrir que o seu patrão é Georges Méliès (Kingsley), esquecido realizador do icónico A Viagem à Lua e possível inventor do objeto descoberto pelo seu pai.

Com um tom de fábula mais do que apropriado à narrativa, A Invenção de Hugo situa a sua ação numa Paris fantasiosa, mas não irrealista: a estação de comboios é intensamente banhada por luz, a biblioteca está exageradamente apinhada de livros e os mecanismos dos relógios aparentemente não têm fim, mas estes cenários, mediante um design de produção e efeitos visuais impecáveis, nunca deixam de soar funcionais e harmoniosos – e Scorsese, um amante de planos-sequência, não hesita em empregá-los para acompanhar Hugo nas suas deambulações pelas entranhas da estação, sendo ainda beneficiado por um (finalmente!) trabalho em 3D memorável, já que a profundidade do campo visual é potenciada ao máximo e dando-se ao luxo de brincar com a tecnologia, como no momento em Gustave ameaça as crianças e a sua cabeça quase "salta" do ecrã.

Mas é a partir do momento em que a identidade do lojista é revelada que A Invenção de Hugo revela a sua ambição: Méliès já era um ilusionista reputado quando se deparou com o cinematógrafo dos irmãos Lumière e percebeu que poderia aplicar os seus truques para aperfeiçoar a técnica cinematográfica e contar histórias que desafiassem a imaginação do público. Tal como o Cinema, Hugo sofre uma trajetória emocional semelhante: limitado ao que via à distância no seu quotidiano (assim como os primeiros filmes traziam eventos prosaicos), ele logo é atirado para situações que remetem à aventura e que, de certa forma, refletem obras do primeiros anos da Sétima Arte (o incidente do comboio e o instante em que Hugo se pendura no ponteiro de um enorme relógio).

Noutras ocasiões, Scorsese faz uma recriação literal das produções de Mèliés e, mais uma vez, o efeito 3D é inteligentemente usado para traçar um paralelo entre a imersão que se busca atualmente e aquela que o pioneiro dos efeitos visuais almejava há mais de um século, como no brilhante momento no qual a câmara se afasta e vemos um aquário em grande plano e o cenário ao fundo, dando a ilusão de ambiente subaquático). A grande lição de A Invenção de Hugo, porém, é a necessidade de preservação dos clássicos como parte importante da História – e a salvação do esquecimento absoluto a que Mèliés (ainda) é sujeito justifica-se pela celebração de um legado artístico incalculável para criar as bases pelas quais o Cinema evoluiu e amadureceu.

 

Apenas prejudicado por histórias paralelas que se alongam mais do que o necessário e personagens secundárias sem grande relevância, A Invenção de Hugo é uma carta de amor não só a uma técnica, mas também a todas as suas potencialidades limitadas à imaginação de cada um. Uma homenagem feita com a tecnologia de ponta de agora para quem tudo isto proporcionou no passado.

 

publicado às 23:52

Sem poderes e sem responsabilidades

por Antero, em 24.04.10


Dave Lizewski é o típico adolescente norte-americano: estuda no liceu, é apaixonado por uma colega, é fanático por comics e tem as hormonas a quebrar recordes no salto olímpico. Ele é um Peter Parker em potencial só que no mundo real não há aranhas radioactivas, seres de outro mundo ou raios gama que facultem o sujeito anónimo de super-poderes. Não há nem sequer o trauma familiar que o leve a um desejo de vingança. Dave decide dar o passo em frente e tornar-se num super-herói, seguindo a lógica de que há milhões de indivíduos que desejam ser como a Paris Hilton, mas ninguém quer ser um super-herói. Arranja um fato de mergulho verde e amarelo, adopta o nome de Kick-Ass e daí até à fama dos noticiários, do YouTube ou do MySpace é um salto. Até que ele se vê envolvido com os negócios de um magnata corrupto e será orientado por Big Daddy e Hit Girl, pai e filha que têm os seus próprios desejos de vingança.

 

Depois da desconstrução do conto de fadas no injustiçado Stardust - O Mistério da Estrela Cadente, Matthew Vaughn vira as suas lâminas para o género de super-herói, mas de forma mais afiada, ácida e violenta. Baseado na obra de banda desenhada escrita por Mark Millar e com o traço de John Romita, Jr., Kick-Ass - O Novo Super-Herói é uma sátira aos comics e, consequentemente, às adaptações que deram novo alento aos bolsos de Hollywood na última década, sendo a principal referência o primeiro Homem-Aranha realizado por Sam Raimi. Produzido de forma independente dos grandes estúdios, Vaugh sente-se à vontade para não fazer concessões ao politicamente correcto e inundar o filme de violência estilizada que, mais do que provocar o choque, acaba por fazer rir.

 

Ao contrário dos atentados cometidos por Jason Friedberg, Aaron Seltzer ou os irmãos Wayans, Kick-Ass é uma paródia que caminha pelo próprio pé e respeitando as regras consagradas pelo género: há a etapa da origem do herói, a sua primeira missão, as consequências na sociedade, o estabelecimento de aliados, a revolta dos vilões, o amor platónico que se torna mais palpável, os motivos para uma determinada vingança (numa sequência belissimamente ilustrada por John Romita, Jr.) e, claro, os secundários normais que nem desconfiam que o herói se encontra mesmo ali ao lado. Isto permite uma narrativa sólida que acaba por respeitar os ditames do género ao mesmo tempo que os desmistifica. Os uniformes são ridículos, os auxiliares do vilão são mera carne para canhão e o equivalente ao Homem-Aranha balancear-se por Nova Iorque ou ao voo do Super-Homem não deixa de ser divertido na maneira ridiculamente simplória que ocorre no ecrã.

 

Vestindo a pele da personagem principal, Aaron Johnson retrata com sensibilidade a vulgaridade de um adolescente ao mesmo tempo que insere pequenos detalhes na sua composição, como o desconforto sempre que veste o uniforme (afinal, ele não teve treino nenhum para se tornar vigilante), o que só engrandece a sua interpretação, ao passo que Mark Strong faz o vilão típico a mãos com um filho intrometido e ansioso por assumir os negócios do pai, enquanto Nicolas Cage surge mais comedido que o costume como Big Daddy, uma espécie de Batman da loja dos trezentos que até fala com uma divertida cadência digna de Bruce Wayne. Porém, o grande destaque do filme é a jovem Chlöe Grace Moretz que rouba todas as atenções sempre que entra em acção. Ternurenta, mas letal e asneirenta com os seus 11 anos, a Hit Girl é um prato cheio para todos aqueles que quiserem acusar o filme de ser moralmente reprovável e que não se deixem levar pelo gozo da produção. E, posso garantir, poucas coisas são tão divertidamente macabras como ver um sorriso infantil de uma criança enquanto esquarteja um grupo de mafiosos.

 

Recheado de referências à cultura popular (vai de Scarface a filmes de gangsters, passando pelas redes sociais e até LOST) e de violência e cenas de acção hilariantes de tão absurdas, Kick-Ass ainda arranha uma crítica à sociedade contemporânea, ávida de consumismo e onde os meios de comunicação estão sedentos de violência e prontos a promover a idolatração do cidadão anónimo. Uma diversão inteligente, politicamente incorrecta, imaginativo e com uma direcção enérgica de Vaughn que nunca deixa o filme descambar para tempos mortos. Um bálsamo para qualquer fã de cinema e comics, logo sinto-me duplamente satisfeito.

 

Qualidade da banha: 16/20

 

publicado às 17:46


Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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