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The Hobbit: The Battle of the Five Armies (2014)
Realização: Peter Jackson
Argumento: Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens e Guillermo del Toro
Elenco: Martin Freeman, Richard Armitage, Luke Evans, Evangeline Lilly, Lee Pace, Orlando Bloom, Cate Blanchett, Hugo Weaving, Christopher Lee, Billy Connolly, Aidan Turner, Ryan Gage, Ken Stott, Stephen Fry, Ian McKellen
Qualidade da banha:
E eis-nos chegados ao último tomo da trilogia mais dispensável de sempre. Um final que nunca consegue justificar a divisão deste fiapo de história em três filmes e que acredita que nos preocupamos com os destinos de Bilbo, dos anões, dos elfos e do raio que o parta quando as seis horas anteriores não conseguiram torná-los minimamente interessantes ou queridos junto do público (até porque sabemos de antemão quem sobreviverá para aparecer no O Senhor dos Anéis).
Quase não estive para escrever este texto já que os erros e acertos de A Batalha dos Cinco Exércitos são os mesmos que referi quando analisei Uma Viagem Inesperada e A Desolação de Smaug: um exercício de prepotência e excessos, um festim para os olhos sem emoção, longos e grandiosos discursos que não diminuem o tédio dos acontecimentos e, claro, cenas irrelevantes para a jornada em questão e que só estão lá revermos caras conhecidas e fazer ligações desnecessárias com eventos posteriores. Isto tudo ao som da banda sonora de Howard Shore que deve ser pago ao minuto visto que praticamente não há um momento de silêncio durante o filme.
Iniciando-se com o ataque de Smaug a Esgaroth prometido no desfecho do capítulo anterior, A Batalha dos Cinco Exércitos começa logo a pressionar os botões da irritação já que o dragão sai de cena aos dez minutos - o que me levou a questionar o bom senso artístico de Peter Jackson que poderia perfeitamente ter incluído esta parte em A Desolação de Smaug e não o prejudicar com aquele fim abruto. Com a criatura fora da equação, os anões liderados por Thorin (Armitage) conquistam a Montanha Solitária e, enquanto procura a Arkenstone que Bilbo (Freeman) mantém escondida, o rei anão fica paranóico em relação aos tesouros que agora possui e decide renegar o seu acordo com os humanos liderados por Bard (Evans). Entretanto, o rei elfo Thranduil (Pace) decide atacar a Montanha para recuperar parte do tesouro que julga pertencer ao seu povo, ignorando a aproximação dos perigosos orcs comandados por Azog (Bennett). Isto resultará na batalha do título e que ocupa a maior parte da projeção.
Impecável nos aspetos técnicos (com a exceção do tenebroso rejuvenescimento digital de Legolas), A Batalha dos Cinco Exércitos não é mais do que um longo e cansativo desfecho indeciso entre o tom épico que deseja imprimir e a infantilidade proveniente dos escritos de Tolkien. A repetição e a falta de subtileza são atributos que Peter Jackson parece ter abraçado ao longo dos anos e este filme poderia ser um best of desta constatação: dos diálogos expositivos às mudanças de caráter inexplicáveis e repentinas (Thorin, Thranduil), passando pelas incontáveis vezes que alguém é salvo no último instante e acabando na insistência em passagens com seres descartáveis (Alfrid, Radagast, Galadriel, Sauron, etc.). É inacreditável, aliás, que tanto tempo investido naquele universo não tenha deixado espaço para amarrar as pontas: o que aconteceu aos tesouros da Montanha? Foram divididos pelos pretendentes? Ficaram todos satisfeitos? Para quê, então, toda aquela batalha?
Batalha essa que empalidece daquelas vistas n' O Senhor dos Anéis não obstante os avanços tecnológicos na última década já que a carga dramática é nula. Thorin é um líder tão antipático e Thranduil tão arrogante que fica impossível torcer por algum deles - e, assim, ficamos entregues à pasmaceira de esperar que Bilbo saia vivo da Montanha (o que sabemos que acontecerá) e deprimir por vê-lo tão apagado na sua própria história. De qualquer forma, o nosso Hobbit sempre está um patamar acima dos anões que o rodeiam que, chegados ao terceiro capítulo, continuam sem se distinguirem uns dos outros a não ser em termos de vestuário e maquilhagem. Já a adição da elfa Tauriel volta a revelar-se uma curiosidade inócua por estar caída de amores por um anão e presa a pastosos diálogos que fazem estremecer a Terra Média (e Evangeline Lilly merecia um prémio só por permanecer inteira ao dizer coisas como "Não há amor em ti!" e "Porque dói tanto?!")
Incluindo um combate numa arrebatadora cascata congelada que tem tanto de empolgante como de estúpido (o pouco prático calhau usado como arma por Azog é ridículo até porque este tem uma enorme lâmina no lugar do braço!), A Batalha dos Cinco Exércitos ganha uma certa vida quando Jackson descortina a imensidão e o alinhamento dos exércitos e tem um ou outro momento de tirar o fôlego (quando os elfos saltam sobre uma fileira de anões), mas é a prova que um ou dois filmes seriam mais do que suficientes para elaborar esta prequela. É triste ver um cineasta como Peter Jackson desperdiçar os seus créditos desta maneira. A Terra Média precisa de descanso, Hollywood!
Perdido algures num passado remoto e com uns fogachos aqui e ali (Thelma e Louise, Hannibal e Amigos do Alheio), o talento do realizador Ridley Scott tem servido uma carreira instável, para dizer o mínimo. O homem por trás de obras seminais como Alien – O Oitavo Passageiro e Blade Runner – Perigo Iminente atingiu o pico da montanha cedo na vida, há longos 28 anos, e, de lá para cá, entregou-se a obras menores numa filmografia que abrange diversos géneros. Em Robin Hood, percebe-se a intenção de repetir o efeito do premiado Gladiador (que acho bonzinho, mas só), não por acaso o filme que o trouxe de volta para a ribalta e deu o Oscar a Russel Crowe. Porém, de boas intenções está o inferno cheio e a obra recém estreada é mais um esforço meritório, mas inconsequente, numa carreira recheada deles. Em suma: um filme digno do seu realizador.
Desenvolvido como uma espécie de prequela das histórias conhecidas de Robin dos Bosques, Robin Hood pretende dar a conhecer o início da lenda. Assim, temos Robin Longstride, um soldado do exército do Rei Ricardo Coração de Leão, que aproveita a morte deste e o fracasso das Cruzadas para regressar a casa com os parceiros João Pequeno, Will Scarlet e Alan A’Dayle. Para isso, eles passam-se pelo batalhão encarregue de entregar a coroa na Inglaterra, o que o levará a conhecer Lady Marion e a conhecer a realidade dos barões falidos que se revoltam contra o Rei João, irmão do falecido Rei Ricardo. Ao mesmo tempo, intrigas no seio da Corte e a bancarrota da Inglaterra permitem uma planejada invasão por parte dos franceses.
Ridley Scott não é nenhum novato nestas andanças: Gladiador e Reino dos Céus são tecnicamente impecáveis e transpiram épico pelos poros. Por isso, uma das grandes surpresas de Robin Hood é que ele nem se dedicar tanto a batalhas, mas sim a tentar fundamentar a narrativa (unindo todas as pontas que levarão à história já conhecida) e dar novas dimensões a velhas personagens. Desta forma, Robin surge como um guerreiro mais preocupado com o seu bem-estar do que propriamente com os problemas do reino, ao mesmo tempo que o Rei Ricardo abandona toda a nobreza que o caracteriza, estando quase sempre ébrio e tomando medidas pouco prudentes. Por outro lado, o Rei João mantém a faceta arrogante e mimada de sempre, embora revele o desejo de cair nas graças do povo (o que é diferente de ser um bom monarca) e conseguir tão boa fama como o seu irmão, ao passo que Lady Marion condiz mais com os tempos modernos e surja como mulher determinada e de forte personalidade (o orgulho das feministas actuais), isto até ao desastroso acto final – do qual falarei mais abaixo.
A colaborar na tarefa de revelar novas dimensões das personagens vem o elenco encabeçado por Russell Crowe que dá a Robin Hood todo o ar de um Maximus mais bem-humorado, enquanto Cate Blanchett dá credibilidade (dentro do possível) a uma personagem fora do seu tempo e Mark Strong interpreta, pela terceira vez em seis meses, um vilão – aliás, basta vê-lo em cena para perceber que a sua personagem não é confiável, uma vez que ele não inova nada de filme para filme, o que não deixa de ser uma pequena proeza. Em contrapartida, são os secundários quem mais brilham, como William Hurt no papel do valoroso e dedicado William Marshal e o veteraníssimo Max von Sydow numa participação curta e marcante.
Ainda que os valores de produção sejam competentes, eles acabam por não impressionar muito devido à realização burocrática de Ridley Scott que não consegue imprimir o mínimo de energia às cenas de acção. Outro tropeço é a estrutura narrativa que parece incluir elementos de forma inorgânica, apenas para avançar a narrativa artificialmente: o casal que discute mas ama-se profundamente, o trauma do passado que se revela determinante (numa cena imbecil em que uma lembrança aparece do nada, praticamente inventando a psicanálise como tratamento médico) ou o facto de o tempo ser convenientemente relativo – não por acaso, o exército francês está a caminho de Inglaterra pelo Canal da Mancha, mas ainda há tempo de alertar a Corte, reunir com os barões a Norte, seguir para a costa e surpreender os franceses. Nada como a pontualidade britânica.
O grande erro de Robin Hood, porém, é o seu terceiro acto, que praticamente consegue destruir o que de bom se vinha feito anteriormente (mesmo com todos os percalços). A batalha final mais parece o desembarque das tropas Aliadas na Normândia e, se isto já seria pouco adequado num filme de época, a sequência ainda se torna mais constrangedora pelo facto da mesma ser encenada de forma pouco majestosa (económica, diria eu), com uma Lady Marion armada em Joana D’Arc – o que pode ser muito louvável nos dias de hoje, mas não deixa de ser uma facada na credibilidade do filme – e com um Robin Hood a revelar-se um canivete suíço do exército, já que ele ajuda os arqueiros, a cavalaria e, como não podia deixar de ser, a donzela em perigo.
Contudo, o que mais decepciona no filme é a própria preguiça com que ele foi produzido. O argumento original pretendia dar a conhecer um lado mais simpático do Xerife de Nottingham que apenas tentava cumprir o seu dever contra um Robin dos Bosques retratado como um fora-da-lei menos idealista. Infelizmente esta ideia não foi avante e preferiu-se jogar pelo seguro, subestimando a inteligência do espectador. Poderia ter saído daqui um filme muito mais interessante que este inconsequente, mas passável, Robin ‘Maximus’ Hood.
Qualidade da banha: 11/20
É uma pena quando um filme no qual depositamos grandes esperanças acaba por nos deixar um gosto amargo na boca. Não me estou a referir àquelas decepções tremendas que apanhamos de vez em quando, mas sim quando encaramos que o saldo final é positivo, mas que podia ser melhor. Ou seja, quando uma obra não explora a fundo todo o seu potencial. E potencial era coisa que não faltava a este O Estranho Caso de Benjamin Button: uma história com tons de fantasia bastante promissora; um realizador consagrado (David Fincher), uma produção de altos valores e um casal de protagonistas apelativo (Brad Pitt e Cate Blanchett). No entanto, as opções narrativas questionáveis de Fincher aliadas a um argumento que mais parece um remake de Forrest Gump (Eric Roth escreveu ambos) com toques de O Grande Peixe de Tim Burton, acabam por amolgar bastante um filme que se pretendia arrebatador. Que não é, mas não deixa de ser um bom filme, capaz de levantar questionamentos intrigantes.
Benjamin Button é um indivíduo com uma grande particularidade: ele nasceu com o aspecto de um bebé com 80 anos e, com o passar do tempo, vai rejuvenescendo. Adoptado por uma família de negros em plena Nova Orleãs no fim da I Grande Guerra, ele atravessa vários momentos históricos do século XX (hello? Forrest Gump), envolve-se com várias personagens caricatas (Forrest Gump, ainda aí?), apaixona-se por uma mulher que o rejeita inicialmente (Forre… ok, já deu para perceber), sempre com a lógica inversa da sua vida a assombrar-lhe. A história é entrecruzada com outra situada em 2005 (durante o Furacão Katrina), na qual a tal rapariga, Daisy Fuller, está às portas da morte e relata à filha (com a ajuda de um diário) toda a fábula de Button. E se acham que isto pouco terá relacionado com O Grande Peixe, resta dizer que mãe e filha não são muito ligadas e a ocasião é aproveitada para resolver zangas antigas.
Enquanto as cenas do hospital vão quebrando o ritmo da narrativa principal, Fincher decide adoptar um tom enfadonho em boa parte do filme: as situações sucedem-se de forma pouco equilibrada e enquanto há algumas que são prazerosas de assistir (como o encontro com Elizabeth Abbott na antiga União Soviética) outras já surgem desnecessárias e burocráticas, como o regresso a casa de Button e o encontro com o pai biológico doente. Aliás, a realização de David Fincher – apesar de sensível em boa parte do tempo – não demonstra a garra que o fez famoso e em apenas um momento da projecção, quando Button relata várias situações hipotéticas que poderiam ter evitado uma tragédia, é que se vê o verdadeiro Fincher à solta. Outro grande mal do filme é a sua previsibilidade e tremenda falta de emoção nos momentos finais: há uma reviravolta no terceiro acto do filme que qualquer um adivinha aos 5 minutos de filme e o final acaba por ser um pouco anti-climático na resolução que dá à personagem principal.
Ainda assim, O Estranho Caso de Benhamin Button consegue dar a volta por cima graças a inúmeros factores, a começar pela brilhante caracterização e aos subtis efeitos especiais que levas as personagens desde a juventude à velhice de forma totalmente credível. O argumento levanta também vários questionamentos sobre a vida e a condição humana: qual o efeito do tempo nas nossas vidas? Devastador? Positivo? Será a morte a única certeza que temos na vida? Porquê amar um semelhante se este é um sentimento que, mais tarde ou mais cedo (com rompimento ou morte), terá sempre um fim doloroso? Vale a pena apegarmo-nos às pessoas e aos locais, sabendo que tudo isso é efémero? E convém perceber que Button mesmo sendo uma anomalia que contraria a passagem comum do tempo, acaba por ficar preso às leis da passagem do mesmo (ele, eventualmente morrerá, só que morrerá jovem), algo salientado no momento em que é baptizado pela mãe adoptiva e no qual se ouvem as badaladas de um relógio ao longe (aposto que este detalhe passou ao lado de muita gente). Mesmo assim, o filme defende que a sua trajectória não é muito diferente das restantes pessoas: no início da sua vida ele está completamente dependente de outros (e a sua inserção numa casa de abrigo para idosos realça o efeito que o tempo tem na vida das pessoas – interna e externamente); ele vai descobrindo e ficando encantado com o mundo ao seu redor nos primeiros anos; sai para trabalhar longe de casa no final da adolescência; e por aí vai.
Toda esta trajectória é retratada com imensa competência por Brad Pitt que, sob quilos e quilos de maquilhagem, consegue transmitir toda a inocência infantil de Button, bem como a transição para uma postura mais madura, introspectiva e sabedora com o decorrer dos anos. Cate Blanchett também está óptima como de costume no papel de Daisy Fuller, embora ela só se destaque mesmo numa fase mais avançada do filme, quando a sua personagem revela o peso dos anos e de tudo o que passou e passa a dedicar a sua vida a um jovem Benjamin Button. O restante elenco é excelente, principalmente pela pequena, mas marcante, prestação de Tilda Swinton como Elizabeth Abbott que se torna na materialização da mensagem do filme: não deixar que o tempo limite os nossos alcances, as nossas capacidades, no fundo, a nossa vida. O Estranho Caso de Benjamin Button é, desta forma, um filme que faz jus ao adjectivo do título: tematicamente, é fabuloso; narrativamente, é um objecto falho.
Qualidade da banha: 13/20