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The Hobbit: The Desolation of Smaug (2013)
Realização: Peter Jackson
Argumento: Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson, Guillermo del Toro
Elenco: Martin Freeman, Richard Armitage, Ian McKellen, Orlando Bloom, Evangeline Lilly, Lee Pace, Luke Evans, Ken Stott, James Nesbitt, Stephen Fry, Benedict Cumberbatch
Qualidade da banha:
O desespero em justificar a divisão de O Hobbit em três filmes de quase três horas cada é notório em A Desolação de Smaug que, tal como o anterior, revela-se longo e arrastado para uma simplória história que consiste em levar um grupo de indivíduos do ponto A ao B. Daí que quando Bilbo vislumbra uma caverna recheada de ouro e objetos preciosos, não consegui conter o pensamento de que aquilo é o que realmente guia os produtores deste filme numa nova incursão à Terra Média.
Continuando a partir do momento em que Uma Viagem Inesperada se encerrou, A Desolação de Smaug pega novamente em Bilbo (Freeman) e nos 13 anões para levá-los basicamente ao reino dos elfos, à cidade de Esgaroth e, finalmente, à Montanha Solitária onde mora o tal Smaug (Cumberbatch), o dragão que se apoderou do reino e dos bens dos anões e que está a pedir uma vingança à medida. Enquanto isso, Gandalf (McKellen) vai para sabe-se lá onde investigar sabe-se lá o quê ao lado do insuportável feiticeiro Radagast, o que o leva a estar ausente na maior parte do tempo já que esta película sente a necessidade de fazer alguma ponte com a trilogia de O Senhor dos Anéis.
Não que precisássemos de sermos lembrados da relação entre ambas, uma vez que o compositor Howard Shore faz acompanhar os conhecidos acordes a cada aparição do Um Anel – e até Smaug se refere ao objeto como "precioso" (e Peter Jackson não se contém e repete a expressão em eco: "Precioso! Precioso! Precioso!"). O dragão, aliás, surge como o vilão ideal para a megalomania de Jackson: adepto de longos discursos e incapaz de derrotar os oponentes com facilidade, Smaug até pode ser tecnicamente impecável e contar com a voz imponente de Cumberbatch, mas não tem um décimo da densidade de Gollum ou da ameaça de Sauron – e é triste perceber que quando ele está prestes a mostrar porque é tão temido, Jackson simplesmente interrompe a película e obriga-nos a voltar daqui a um ano. Bom, ao menos isto fará com que o terceiro capítulo entre a matar e não inclua uma introdução sonolenta... a não ser que a autoindulgência de Jackson leve a melhor.
Cometendo o crime de deixar a personagem que dá título ao filme em segundo plano para dar relevância a uma mão cheia de indivíduos aborrecidos, A Desolução de Smaug perde tempo precioso (não resisti) com o ridículo Radagast, o egoísta rei-elfo Thranduil (que serve para nada) e desperdiça a boa ideia de trazer uma guerreira elfa que não existia no livro apenas para limitá-la ao mais cliché dos triângulos amorosos. Entretanto, só dois ou três dos treze anões ganham destaque de facto, com o líder Thorin (Armitage) à cabeça – e mesmo a impressão que este deixa não é das melhores visto que mostra-se um comandante de homens irritante e pouco digno do trono que almeja – enquanto os restantes só estão lá para fazer número. Já o carismático Martin Freeman tem a ingrata tarefa de carregar o filme nas costas (e consegue) mesmo sendo uma figura periférica na sua própria história.
Impressionante nos aspetos técnicos, A Desolação de Smaug conta com um design de produção espetacular que transforma Esgaroth numa espécie de Veneza de madeira e cria soluções visuais inventivas como a escadaria esculpida numa estátua imensa ou a primeira aparição do vilão sob uma montanha de moedas de ouro. Contudo, os bonecos digitais que substituem os atores são meramente passáveis e dá para perceber a sua artificialidade, o que prejudica particularmente a enérgica sequência dos barris. Neste ponto, Jackson faz plena questão que admiremos os faustosos valores de produção que teve ao seu dispor tantas são as vezes que investe no movimento de afastar a câmara para que admiremos os cenários e as paisagens – isto ao som da excessiva banda sonora que se mostra disposta a nunca dar descanso aos nossos ouvidos.
Beneficiado por ter um ritmo mais regular do que Uma Viagem Inesperada (que só ganhava vida quando Gollum entrava em cena) ainda que não disfarce o seu objetivo de "encher chouriços", O Hobbit: A Desolação de Smaug reforça a impressão que estamos a pagar para assistir a um Terra Média: As Sobras. Se o anterior, porém, era fraco, este é somente razoável – e, quem sabe, o próximo até possa ser algo memorável. É, eu sei, sou um otimista.
Mas que estes filmes precisam de umas versões reduzidas, ai isso precisam!
Star Trek Into Darkness (2013)
Realização: J. J. Abrams
Argumento: Roberto Orci, Alex Kurtzman, Damon Lindelof
Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Zoe Saldana, Karl Urban, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelchin, Benedict Cumberbatch, Bruce Greenwood, Peter Weller, Alice Eve
Qualidade da banha:
Ao escrever sobreStar Trekhá quatro anos referi que a maior vantagem daquela reinvenção (e o termo ajusta-se na perfeição) era ser acessível tanto aos fãs de longa data que eram bafejados com uma lufada de ar fresco como aos recém-chegados que tinham ali uma porta de entrada para décadas e décadas de mitologia distribuídas por filmes, séries, livros e outras plataformas. Um novo universo era criado através do recurso das viagens no tempo, o que, além de demonstrar respeito pelo que já fora estabelecido no cânone da série, implicava que, a rigor, tudo poderia acontecer dali em diante. Por adorar tanto o filme de 2009 (e admito sem problemas: Star Trek nunca foi a minha praia), tinha um enorme receio que J. J. Abrams e companhia não fossem capazes de aguentar o pique e desperdiçassem todo o potencial gerado pela aquela obra – e posso assegurar que estes temores são deitados por terra diante de Além da Escuridão, uma aventura espetacular que faz justiça ao legado deixado por Gene Roddenberry.
Escrito por Damon Lindelof juntamente com os mesmos argumentistas do filme anterior, Além da Escuridão agarra o espectador e atira-o para uma sequência de ação frenética logo no início – e nunca mais o larga já que as cenas de ação sucedem-se a um ritmo alucinante. Depois de cumprir uma missão no planeta Nibiru e desrespeitar os regulamentos da Frota Estelar, o agora Capitão Kirk (Pine) é destituído do seu posto e a Enterprise passa a ser comandada pelo seu antigo mentor. É então que um terrorista que dá pelo nome de John Harrison (Cumberbatch) leva a cabo vários atentados contra a Federação e cabe à equipa da USS Enterprise descobrir o seu rasto e detê-lo a todo o custo.
Beneficiado pelo facto de já ter devidamente contextualizado as suas personagens, Além da Escuridão expande e enriquece o seu universo obrigando a tripulação da Enterprise a encarar novos desafios que, por sua vez, desenvolvem a dinâmica dos seus elementos. Se o capítulo anterior ancorava a sua narrativa na temática da filiação e das relações pais-filhos, esta sequela vai mais além ao determinar a tripulação como um verdadeiro núcleo familiar e, a partir daí, remeter para temas como a responsabilidade e a maturação emocional requeridas a qualquer membro de um grupo. Neste particular, Kirk assume o papel do líder (ainda) inexperiente que comete erros de julgamento e cuja impulsividade só é atenuada pelos relacionamentos criados com aqueles que o rodeiam, nomeadamente o emotivo Dr. Leonard McCoy (Urban) e o extremamente racional Spock (Quinto). Há uma cena em que estes discutem uma certa decisão e Abrams filma-os sentados em triângulo, o que não poderia ser mais apropriado visto que a dinâmica deste trio é a alma da geração clássica d' O Caminho das Estrelas.
E por falar na série original, convém dizer que o argumento de Além da Escuridão encontra tempo para incluir alegorias políticas que refletem questões contemporâneas – e é este lado mais "cerebral" e ambicioso de Star Trek (por oposição à fantasia de Star Wars – que eu amo do coração) que a torna tão respeitada e lembrada após tanto tempo. Desta forma, o filme questiona a validade de uma ação violenta contra uma "nação" vizinha baseada em dados falíveis como resposta a um ato terrorista ou mesmo o recurso a armas de destruição em massa como método de retaliação. Que estas questões venham embrulhadas num pacote de diversão requisitada ao típico blockbuster de Verão em nada desmerece a película: em vez de servirem como desculpa para explosões e tiroteios, estas questões são discutidas com inteligência e acabam por serem as catalisadoras de todos os acontecimentos, culminando num momento dramático em que o próprio Kirk admite que falhou.
Sem a frescura e o arrojo da obra que a antecedeu, Além da Escuridão conta com um vilão bem mais interessante que o Nero de Eric Bana: o John Harrison do excelente Benedict Cumberbatch (o Sherlock dasérie homónima) assume-se como uma ameaça letal à Enterprise com a sua voz colocada e sibilante e uma postura que exala frieza e uma perspicácia fora do normal. Entretanto, Chris Pine e Zachary Quinto mostram que nasceram para estes papéis tamanha é a naturalidade com que incorporam personagens míticas e reproduzem a riquíssima interação entre Kirk e Spock. O resto do elenco também se encontra em boa forma ainda que um pouco apagados diante dos protagonistas e do antagonista, embora a história encontre tempo e dê que fazer a cada um deles (e o timing cómico de Simon Pegg continua impecável).
Com um ritmo frenético (a meia hora final é um turbilhão de emoções) e momentos de bom humor, Além da Escuridão é simplesmente irrepreensível nos seus aspetos técnicos e visualmente estonteante: desde o planeta com a sua vegetação avermelhada em contraste com um mar impossivelmente azul ao centro de um vulcão em erupção, passando por uma Londres futurista e verosímil, o filme nunca deixa de ser um festim para os olhos (e, felizmente, J. J. Abrams mostra-se mais contido nos seus característicos flares). No entanto, é no equilíbrio entre o clima de aventuras e o peso dramático da narrativa que Abrams realmente se destaca, conseguindo harmonizar momentos mais introspetivos com situações trepidantes – tudo isto pontuado com uma banda sonora sensacional de Michael Giacchino, somente o melhor compositor da atualidade.
Incluindo inúmeras referências à mitologia da série que provocará pequenos orgasmos nos fãs, Além da Escuridão consegue a proeza de reutilizar ideias de outros capítulos (um em especial, mas referi-lo pode contar como spoiler – embora a Internet se tenha encarregue de destruir a surpresa) sem parecer uma mera cópia disfarçada de homenagem e usá-las em benefício da sua narrativa ao intensificar os arcos dramáticos de Kirk e Spock. Que Star Trek não vá onde nenhum homem jamais esteve não é problemático desde que a série se mantenha tão excitante e intrigante como tem estado desde que Abrams e companhia operaram uma revolução na velhinha USS Enterprise.
War Horse (2011)
Realização: Steven Spielberg
Argumento: Richard Curtis, Lee Hall
Elenco: Jeremy Irvine, Emily Watson, Peter Mullan, David Thewlis, Tom Hiddleston, Benedict Cumberbatch
Qualidade da banha:
"Separados pela guerra. Testados em batalha. Unidos pela amizade." – esta é a frase promocional de Cavalo de Guerra, o novo drama de Steven Spielberg, que teria sido mais honesto se incluísse a expressão "Vamos fazer de tudo para chorares!". Esqueçam que este é um filme sobre um cavalo e o seu dono: é Spielberg a amarrar o espectador na poltrona do cinema e a usar todos os meios disponíveis para emocionar. A única emoção que experienciei foi a tristeza em ver que um talentoso realizador insiste em permanecer no poço de mediocridade no qual caiu há uns anos atrás.
Inspirado num livro e escrito pelos experientes Lee Hall e Richard Curtis (este mais à vontade na comédia), Cavalo de Guerra passa-se na Inglaterra rural do início do século passado, onde o jovem Albert Narracott (Irvine) estabelece uma amizade com o seu cavalo puro-sangue Joey. Essa relação é ameaçada com a eclodir da Primeira Guerra Mundial, quando Joey é enviado para a frente de batalha (o Reino Unido havia declarado guerra à Alemanha) e Albert tenta manter a promessa de o encontrar.
O problema é que Cavalo de Guerra desenvolve-se da pior maneira possível: como Joey salta de dono em dono, há toda uma galeria de personagens que aterra na história e, como têm pouco tempo de antena, cumprem uma de duas funções narrativas: ou servem de obstáculos a serem ultrapassados ou ajudam os heróis de alguma maneira. Não há uma única participação marcante no elenco secundário e a culpa não é do ótimo elenco, já que a narrativa episódica e o desleixo na sua construção fazem com que estes se agarrem a clichés para manter o andamento (o avô protetor, o tratador de animais carinhoso, o militar bondoso, o senhorio ganancioso, e por aí fora).
Se o elenco secundário não causa impacto algum, o estreante Jeremy Irvine é um desastre a carregar o filme às costas: inexpressivo como Robert Pattinson nos seus melhores dias, Irvine perde até para os impecáveis animais que dão forma e alma a Joey (sem esquecer os excelentes e discretos efeitos digitais). Pior que as personagens, porém, é a fixação de Spielberg em estabelecer situações ora ilógicas, como o facto do pai de Albert adquirir um cavalo sem ter dinheiro para tal nem precisar dele e tudo apenas para irritar o senhorio; ora completamente forçadas, como o leilão enfiado a martelo para reservar mais desafios para os protagonistas; ou totalmente idiotas, como quando toda uma aldeia decide parar o que está a fazer para acompanhar o lavrar de um terreno.
Com uma fotografia evocativa do sempre confiável Janusz Kamiński (colaborador habitual de Spielberg), Cavalo de Guerra conta com paisagens de tirar o fôlego e sequências de batalha que, mesmo sem estarem ao nível de um O Resgate do Soldado Ryan, conseguem transmitir o pesadelo de um campo de batalha – e a cavalgada de Joey pelas trincheiras é o único momento memorável em toda a película por ser simultaneamente bela (o vigor e a vontade do animal) e aterradora (o contexto de destruição promovida pela guerra). Por outro lado, Spielberg mal se controla na sua demanda em atingir o coração do público na cena em que dois soldados rivais ajudam Joey, alongando-a mais do que o necessário e pontuando-a com escusadas piadinhas e comentários.
Finalizando com uma sequência "photoshupada" de E Tudo o Vento Levou, o que denota uma gritante falta de ideias ou uma colossal estupidez em achar que passaria como mera "homenagem", Cavalo de Guerra é o Spielberg maniqueísta em modo turbo, com o seu arsenal de músicas compostas por John Williams (outro que anda pelas ruas da amargura), diálogos rasteiros e situações presunçosas prontos a atacar o espectador e a obrigá-lo a lacrimejar pela sua dolorosa mensagem: guerra é mau, amor e família é bom.
A sério?!