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Iron Man 3 (2013)
Realização: Shane Black
Argumento: Drew Pearce, Shane Black
Elenco: Robert Downey Jr., Gwyneth Paltrow, Don Cheadle, Guy Pearce, Rebecca Hall, Jon Favreau, Ben Kingsley
Qualidade da banha:
O sucesso de Homem de Ferro nos cinemas está inegavelmente associado a Robert Downey Jr.. Ator extremamente talentoso, Downey Jr. ensombrou os elogios do início da sua carreira ao mergulhar na dependência nas drogas, com a agravante que, apenas há 10 anos, era considerado veneno de bilheteira. Até que veio a aposta arriscada em Homem de Ferro e que se revelou um imenso sucesso, explodindo o Universo Marvel nos cinemas. Convém ter isto presente já que, chegado ao terceiro capítulo (mais a participação emOs Vingadores), Tony Stark sobrevive graças ao talento do seu intérprete que, mesmo no piloto automático (culpa do argumento, mas já lá vamos), revela-se sempre acima do que o rodeia. E, em Homem de Ferro 3, é o que basta.
Escrito pelo estreante Drew Pearce e o realizador Shane Black (que retoma a colaboração com Downey Jr. depois do excelente e pouco visto Kiss Kiss Bang Bang), este novo filme traz Tony Stark abalado com os acontecimentos de Os Vingadores: sofrendo de crises e insónia, Stark afunda-se no trabalho como forma de escape do seu quotidiano, o que desgasta a sua relação com Pepper Potts (Paltrow). É neste contexto que surge a ameaça do Mandarim (Kingsley), um terrorista determinado a atacar os EUA pelas suas ações no Médio Oriente, enquanto Stark também tem de lidar com a aparição do vírus EXTREMIS - cujo desenvolvimento tem ligação com o seu passado.
Como em tantas terceiras partes de filmes com super-heróis, Homem de Ferro 3 traz mais vilões, mais perigos, mais recursos e obstáculos pessoais que carregam no drama das personagens - aspetos aos quais não me oponho desde que sejam bem trabalhados. No entanto, a leveza com que tudo é retratado suga qualquer tensão existente na narrativa: se antes tínhamos tópicos minimamente complexos e interessantes (para um blockbuster, entenda-se) como o facto de Stark ser atacado pelas armas que financiara ou as investidas do governo, sob a bandeira da segurança nacional, querer apropriar-se da tecnologia alheia, aqui temos uma cena onde James Rhodes (um apagado Don Cheadle) invade uma caserna no Paquistão e que é desenvolvida com efeitos cómicos. Outro exemplo são os inverosímeis ataques de ansiedade que acometem Stark que são tratados como alvo de risadas e que surgem apenas quando convenientes, sendo descartados logo de seguida.
Com um argumento com mais furos que uma peneira (Como funciona realmente o vírus EXTREMIS? Porque raio os seres infetados explodem sem deixar marcas? E porque motivo Stark só recorre às armaduras de reserva no clímax quando estas teriam dado um jeitaço ao longo da narrativa?), Homem de Ferro 3 até toma a opção corajosa de deixar Tony Stark sem grandes recursos por bastante tempo, o que nos levaria a admirar o seu intelecto para contornar as adversidades – isto, claro, até percebermos que a sua perspicácia dá pelo nome de deus ex machina. E o que dizer da preguiça do filme ao encenar a traição de um governante máximo dos EUA ao mostrar rapidamente um familiar seu sem um dos membros inferiores e que poderia ser um dos beneficiados com o EXTREMIS... caso vivêssemos num mundo onde próteses anatómicas nunca tivessem sido inventadas? E não esquecer o pirralho que auxilia Stark num vilarejo do interior que, mesmo divertido, é tão crânio em mecânica que me faz pensar que Stark não só é dos homens mais ricos do planeta como também um dos mais sortudos.
Espetacular nos seus aspetos técnicos (o mínimo para uma superprodução), Homem de Ferro 3 conta com sequências de ação dirigidas com segurança por Black, com destaque para o ataque à mansão Stark que encontra novas e inventivas soluções para a armadura de Stark, bem como o resgate de uma dúzia de pessoas em queda livre. Já a batalha final é sabotada pela sua boa ideia de trazer várias armaduras contra os vilões, visto que a sequência torna-se caótica por ter de acompanhar tantos intervenientes – e a montagem confusa não nos permite nem mesmo discernir a geografia do local e a posição de uns em relação aos outros (já a troca constante de armaduras por Stark é uma boa tirada, uma vez que seria ridículo que ele se limitasse apenas a uma com tantas ao seu dispor).
No entanto, mesmo com tantos problemas, Robert Downey Jr. carrega o filme nas costas com o seu carisma e humor depreciativo e há cenas no filme que dá para notar que foram escritas unicamente para que Downey Jr. pudesse brilhar - e praticamente todos saem a beneficiar com isto: Gwyneth Paltrow mostra-se mais à vontade como Pepper, Guy Pearce estabelece-se como um vilão à altura (as suas motivações e ações são outro problema do argumento) e diverte-se a valer como Aldrich Killian e até Paul Bettany, apenas com a voz, faz uma boa parelha com o protagonista. Apenas Rebecca Hall sai desperdiçada como um velho interesse romântico de Tony, mas é mesmo Ben Kingsley que merece ser comentado por fazer do Mandarim o mais surpreendente e improvável dos supervilões – e notem que o filme planta com cuidado as pistas da sua verdadeira natureza.
Beneficiado por não ser um preparativo para o próximo tomo da Marvel, o que lhe permite concentrar-se na sua própria estrutura (embora esta não esteja isenta de falhas), Homem de Ferro 3 demonstra a qualidade decrescente das aventuras do divertido Tony Stark e é bom que os produtores tenham isto em mente e alheiem-se dos fabulosos resultados de bilheteira (oh, utopia!). O carisma de Robert Downey Jr. não faz milagres.
PS: há uma cena após os créditos que dá sentido à narração que abre e fecha o filme.
Hugo (2011)
Realização: Martin Scorsese
Argumento: John Logan
Elenco: Asa Butterfield, Chlöe Grace Moretz, Ben Kingsley, Sasha Baron Cohen, Jude Law, Christopher Lee
Qualidade da banha:
Não deixa de ser curioso que dois dos grandes candidatos aos Oscars este ano abordem temáticas que remetam para os primórdios do Cinema, numa evocação de nostalgia que embala o espectador – mas, ao contrário deO Artista, esta curiosidade praticamente se torna numa bem-vinda ironia quando Scorsese abraça as mais recentes tecnologias para nos levar por uma viagem pelo fenómeno de popularização da Sétima Arte quando esta era ela própria... a mais recente tecnologia.
Escrito por John Logan a partir do livro de Brian Selznick, a história acompanha o órfão Hugo (Butterfield), que, vivendo numa estação ferroviária de Paris, tenta juntar peças a fim de reconstruir um autómato encontrado pelo seu pai (Law). Certo dia, Hugo é surpreendido pelo dono de uma loja de brinquedos ao tentar roubar mais um objeto para seu projeto e acaba por trabalhar para o sujeito ou será entregue ao ameaçador inspetor da estação, Gustave (Cohen). Tornando-se amigo de Isabelle (Moretz), filha adotiva do lojista, o rapaz acaba por descobrir que o seu patrão é Georges Méliès (Kingsley), esquecido realizador do icónico A Viagem à Lua e possível inventor do objeto descoberto pelo seu pai.
Com um tom de fábula mais do que apropriado à narrativa, A Invenção de Hugo situa a sua ação numa Paris fantasiosa, mas não irrealista: a estação de comboios é intensamente banhada por luz, a biblioteca está exageradamente apinhada de livros e os mecanismos dos relógios aparentemente não têm fim, mas estes cenários, mediante um design de produção e efeitos visuais impecáveis, nunca deixam de soar funcionais e harmoniosos – e Scorsese, um amante de planos-sequência, não hesita em empregá-los para acompanhar Hugo nas suas deambulações pelas entranhas da estação, sendo ainda beneficiado por um (finalmente!) trabalho em 3D memorável, já que a profundidade do campo visual é potenciada ao máximo e dando-se ao luxo de brincar com a tecnologia, como no momento em Gustave ameaça as crianças e a sua cabeça quase "salta" do ecrã.
Mas é a partir do momento em que a identidade do lojista é revelada que A Invenção de Hugo revela a sua ambição: Méliès já era um ilusionista reputado quando se deparou com o cinematógrafo dos irmãos Lumière e percebeu que poderia aplicar os seus truques para aperfeiçoar a técnica cinematográfica e contar histórias que desafiassem a imaginação do público. Tal como o Cinema, Hugo sofre uma trajetória emocional semelhante: limitado ao que via à distância no seu quotidiano (assim como os primeiros filmes traziam eventos prosaicos), ele logo é atirado para situações que remetem à aventura e que, de certa forma, refletem obras do primeiros anos da Sétima Arte (o incidente do comboio e o instante em que Hugo se pendura no ponteiro de um enorme relógio).
Noutras ocasiões, Scorsese faz uma recriação literal das produções de Mèliés e, mais uma vez, o efeito 3D é inteligentemente usado para traçar um paralelo entre a imersão que se busca atualmente e aquela que o pioneiro dos efeitos visuais almejava há mais de um século, como no brilhante momento no qual a câmara se afasta e vemos um aquário em grande plano e o cenário ao fundo, dando a ilusão de ambiente subaquático). A grande lição de A Invenção de Hugo, porém, é a necessidade de preservação dos clássicos como parte importante da História – e a salvação do esquecimento absoluto a que Mèliés (ainda) é sujeito justifica-se pela celebração de um legado artístico incalculável para criar as bases pelas quais o Cinema evoluiu e amadureceu.
Apenas prejudicado por histórias paralelas que se alongam mais do que o necessário e personagens secundárias sem grande relevância, A Invenção de Hugo é uma carta de amor não só a uma técnica, mas também a todas as suas potencialidades limitadas à imaginação de cada um. Uma homenagem feita com a tecnologia de ponta de agora para quem tudo isto proporcionou no passado.
É incrível, mas é verdade: entre as dezenas de adaptações de videojogos levadas às salas nos últimos 20 anos não há uma minimamente decente. Já não peço uma obra-prima, mas um filme razoável. Nem isso. Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo é a nova investida no género e mais uma página virada sem glória. Percebem-se as intenções: tentar repetir a fórmula que fez a fama de Piratas das Caraíbas (não por acaso uma adaptação de uma atracção de um parque de diversões), chamou-se o prolífero Jerry Bruckheimer que, para cada boa obra que entrega, comete uma mão cheia de atentados e recrutou-se Mike Newell, cuja última incursão nas grandes produções foi com Harry Potter e o Cálice de Fogo, o melhor capítulo da série cinematográfica. Porém, todos os valores à disposição do filme de pouco ou nada serviram. Ainda não foi desta que um videojogo deu direito a um bom filme.
Iniciando-se com uma pomposa narração sobre o Destino, Príncipe da Pérsia conta a história do mendigo Dastan que é adoptado por um rei Sharaman admirado pela bravura e carácter que o jovem demonstrou. Anos depois, o exército persa liderado pelos filhos do rei, Tus e Garsiv, e pelo seu irmão, Nizam, prepara-se para invadir a cidade sagrada de Alamut. Desejoso de provar o seu valor na batalha, Dastan auxilia a invasão e conhece a princesa Tamina, cuja função é guardar a Adaga do Tempo que permite ao seu portador recuar no tempo e subjugar o passado conforme as suas pretensões. Nisto, o rei Sharaman é assassinado e Dastan é dado como culpado, o que o levará a fugir com Tamina e tentar provar a sua inocência, bem como proteger as místicas Areias do Tempo.
Filmado com absoluta preguiça por Newell, Príncipe da Pérsia é todo ele um videojogo dos pés à cabeça e menos um filme: depois de ultrapassado um obstáculo passa-se para o nível seguinte (foge dos guardas, recupera a Adaga, salva a donzela, recupera a Adaga, foge dos mercenários, salva a donzela, enfrenta o vilão, recupera a Adaga que teima em perder-se, salva a donzela que não pára quieta…) ; as informações são disparadas à medida que o tempo passa (somos informados de um sacrifício que Tamina terá que se sujeitar, mas depois não há seguimento quanto a isto); a Pérsia vista aqui abrange vales com construções monstruosas, desertos com dunas majestosas e até uma montanha onde neva bastante, e não deixa de ser cómico que para um Império que vai da China ao Mediterrâneo, todos estes lugares estejam a poucos dias de distância. Além disso, Newell não consegue explorar os elementos presentes no jogo como as panorâmicas de cada cenário que aqui soam pirosas ou o constante recurso a planos em slow-motion sem nenhum propósito narrativo, ao mesmo tempo que o seu trabalho é sabotado pela fraca direcção de arte, cujas coreografias das lutas revelam que tudo aquilo não passa de um cenário, e os efeitos não tão especiais que abundam pela projecção.
Por falar em sabotagem, crime maior é cometido pelo elenco. Ben Kingsley telegrafa para o espectador mal aparece todas as suas intenções; Jake Gyllenhaal é bom actor, sem dúvida, mas não tem o perfil de herói de acção nem consegue segurar uma grande produção, ao passo que Gemma Arterton é bela, mas é zero em presença e em química com o seu par romântico. Para piorar, as alfinetadas que ambos trocam são irritantes, mas nada se compara à chatice que é a insistência de Newell em apostar nas cenas que o casal está para se beijar e são interrompidos no último momento. Assim, o único que se destaca é Alfred Molina como o “empresário” Sheik Amar que, com a sua leveza e críticas à aristocracia, diverte-se a valer e rende as (poucas) gargalhadas do filme.
No mais, o filme conta com uma montagem caótica que mal dá oportunidade de perceber a geografia e o intervenientes das sequências de acção (mas nada que chegue ao extremo mau gosto de Michael Bay, o que já é um alívio), enquanto assassina a fluidez da narrativa ao fazer cortes incompreensíveis no meio das cenas - como no instante em que uma tempestade de areia colossal surge do nada para atacar Alamut, num plano que dura poucos segundos e que, bem explorado, podia carregar na espectacularidade que o filme tanto carece. Sim, porque apesar de nos berrar "Épico! Épico!" aos ouvidos, Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo é seco e calmo como um deserto sem ponta de vento.
Qualidade da banha: 7/20
Muitos consideram que este último decénio fez mal ao bom velho Marty, que se deixou acomodar no lado mais comercial de Hollywood e deixou de ser o autor de outros tempos. Da minha parte não concordo: é certo que Gangs de Nova Iorque esteve aquém das expectativas, mas O Aviador e The Departed - Entre Inimigos deram novo fôlego a Scorsese (não vi, ainda, Shine a Light) e, em muito tempo, os seus filmes começaram a aliar boas carreiras nas bilheteiras com os elogios da crítica. Para todos aqueles que consideram que o mestre já não é o mesmo, é bem provável que o comercial Shutter Island seja mais lenha para a fogueira, levando-os a ignorar os méritos da produção e a passar um pano sobre o facto de que, mesmo a conduzir obras pouco pessoais, Scorsese já teve bons resultados como comprovam A Cor do Dinheiro ou O Cabo do Medo.
Em 1954, dois U.S. Marshalls são chamados para a remota ilha Shutter, onde funciona uma instituição psiquiátrica, com o objectivo de investigar o desaparecimento de uma paciente. A instituição alberga criminosos com doenças mentais e a desaparecida tem tendências homicidas. Para piorar, a mesma desapareceu sem deixar rasto e tudo indica que ainda estará na ilha, da qual se aproxima uma tempestade que a deixará isolada por uns dias. Um dos Marshalls é Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) que tem traumas de guerra para superar e depara-se a relutância do pessoal do hospital em colaborar nas investigações. Aos poucos, o clima de paranóia adensa-se e Teddy será obrigado a confrontar os seus fantasmas para resolver o caso.
Mergulhando o espectador numa atmosfera claustrofóbica, opressora e desconfortável, Scorsese deixa o público às cegas tal como o seu protagonista, o que se revelará importante para a compreensão da sua trajectória, algo salientado pelo própria situação social da altura, com a guerra às bruxas e ao comunismo promovida pelo Senador McCarthy. Teddy perdeu a esposa há uns anos e ainda não superou o choque da violência e degradação humana que presenciou no campo de extermínio de Dachau e como ele comprovou o pior que a natureza humana pode realizar, nada mais acertado que este se encontre dividido entre o que é irreal ou não compartilhando essa experiência com a plateia. Sonho e pesadelo, realidade e ficção andam de braço dado ao longo da projecção e Scorsese parece divertir-se imenso ao brincar com as expectativas e os receios do público, ao mesmo tempo que evidencia o seu típico amor pela Sétima Arte que vão de referências a filmes de terror dos anos 40, 50 e 60, passando por Hitchcock e Brian DePalma, onde a ambientação contava muito.
Para isso contribui a própria ilha Shutter que parece ganhar vida na objectiva de Scorsese: local deprimente tanto nos interiores do hospital como na vastidão florestal ou nas imponentes falésias, tudo contribui para a constante sensação de perigo que aflige o protagonista e, consequentemente, o espectador. Porém, nada disso valeria a pena se a personagem principal não levasse o público a identificar-se com ela e, neste aspecto, o filme só sai a ganhar com a actuação cuidada de Leonardo DiCaprio que há muito deixou de ser uma carinha laroca para se transformar num actor maduro e inteligente. O elenco secundário também não faz feio: Mark Ruffalo transmite confiança como o agente Chuck Aule, Sir Ben Kingsley demonstra todas as nuances e dualidades do afável e misterioso Dr. Cawley, ao passo que Michelle Williams desperta a nossa pena como a sofrida Dolores e o veteraníssimo Max von Sydow é a autoridade em pessoa como o Dr. Naehring.
Contando com uma fotografia belíssima de Robert Richardson que deprime e fascina na mesma medida e uma montagem precisa de Thelma Schoonmaker, ambos colaboradores habituais de Scorsese, Shutter Island até pode ter um desenlace mastigado demais para o público, mas o mesmo funciona porque acompanhamos toda a turbulência interior do momento e as razões que levaram até lá. E, como tantas vezes na sua filmografia, Scorsese oferece-nos a dissecação de um protagonista trágico, numa batalha consigo mesmo e com o seu habitat, tal como Travis Bickle, Jake La Motta, Robert Pupkin, Jesus Cristo, Frank Pierce e Howard Hughes.
Qualidade da banha: 16/20