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Brave - Indomável

por Antero, em 17.08.12


Brave (2012)

Realização: Mark Andrews, Brenda Chapman, Steve Purcell

Argumento: Mark Andrews, Brenda Chapman, Steve Purcell, Irene Mecchi

Vozes: Kelly Macdonald, Billy Connolly, Emma Thompson, Craig Ferguson, Julie Walters, Robbie Coltrane, Kevin McKidd
 

Qualidade da banha:

 

The Bear and the Bow. Era este o título original de Brave - Indomável, a nova animação da Pixar, e foi com surpresa que durante a projeção percebi o motivo da mudança: o "urso" em questão é introduzido com metade do filme decorrido, o que para efeitos de promoção seria um desastre contar boa parte da história em trailers de dois minutos. Com o principal conflito a ser estabelecido a meio da narrativa, a animação expõe o descuido com que foi trabalhada – o que aliado ao fraquíssimoCarros 2lançado o ano passado mostra que o outrora infalível estúdio mergulhou num triste bloqueio criativo.

 

Realizado por seis das oito mãos que mexeram no argumento, a história começa a acompanhar a destemida princesa Merida (Macdonald) ainda na infância, quando, no dia do seu aniversário, ganha um arco do pai, o gigantesco rei Fergus (Connolly), o que é visto com reprovação pela rainha Elinor (Thompson), que se dedica a transformar a filha numa “dama”. Anos depois, a já crescida Merida revela-se uma criatura apaixonada pela liberdade e por aventuras arriscadas, fugindo do estereótipo de princesa delicada que a sua mãe tenta construir. No entanto, quando descobre que a sua mão será oferecida em casamento a um dos três nada atraentes pretendentes que batalharão pela honra numa disputa desportiva, Merida decide entrar na competição, levando a consequências potencialmente desastrosas. Já farta, a princesa pede a uma bruxa que interfira na questão, o que faz com que a sua mãe se transforme num urso e complique ainda mais a situação.

 

Só neste resumo foi-se metade de Brave - Indomável, o que denota que o filme demora mais do que o aconselhado até chegar ao que realmente interessa e, uma vez chegada lá, a narrativa perde-se irremediavelmente: em vez de aprofundar a relação entre Merida e Elinor, o filme investe no humor físico e vemos a rainha-urso a esbarrar em tudo o que lhe aparece à frente, a arrotar, a tropeçar, a aprender a pescar e outras gags que, além de terem pouca piada, acentuam a desilusão por não vermos o desenvolvimento da trajetória da protagonista. Mas os esforços "cómicos" não param por aqui: os trigémeos irmãos de Merida ganham mais atenção do que deveriam e não passam de uma tentativa falhada de copiar o efeito dos tampouco cativantes Minions do péssimo Gru - O Maldisposto.


O mais dececionante, no entanto, é ver a Pixar contagiada pelos piores vícios da Disney ao incluir números musicais sem relevância ou interesse que arrastam a história, o que é realmente surpreendente visto que o processo oposto (a Pixar a intervir nas animações da Disney) deu bons resultados como Bolt ou Entrelaçados. Aliás, para perceber como a história é mal costurada há uma espécie de vilão caído do céu talvez por que os produtores se aperceberam que o filme não tinha um antagonista (e nem precisava) e uma maldição a ser quebrada "em dois dias" apenas para dar urgência à narrativa e para que Merida e mão resolvam as suas diferenças da forma mais ranhosa. E por "ranhosa" entenda-se todo aquele sentimentalismo bacoco ao qual a Pixar afastava-se ao injetar temáticas ambiciosas nas suas obras.

 

O que nos traz ao elemento que salva Brave - Indomável da mediocridade: a sua protagonista. Merida não é uma princesa à espera de ser resgatada por um homem; ela é aventureira, espontânea e determinada – e os seus longos cabelos num ruivo tão vivo que quase saltam do ecrã são o reflexo do seu espírito livre. Assim, é um conceito brilhante que o vestido da sua apresentação aos príncipes quase não a deixe respirar e oculte completamente a sua farta cabeleira e que ela, posteriormente, rasgue-o para praticar tiro ao alvo (a analogia é perfeita: ao romper o vestido, Merida rompe a tradição). Por outro lado, a rainha Elinor não é má pessoa, mas sim alguém ciente da sua reduzida posição numa sociedade machista e que se atem às tradições por achar que estas serão o melhor para a sua filha – e mesmo assim, de maneira subtil, o filme mostra-a como uma voz firme no meio do caos já que é a sua postura altiva que acalma a brutalidade dos homens a certa altura. Neste aspeto, Brave merece aplausos pela sua coerência e até coragem em não se render às convenções até ao fim, surgindo como uma louvável ode ao feminismo (ainda que mal trabalhada).

 

Eu poderia comentar o apuro estético da Pixar na conceção dos cenários (os amplos salões do castelo e a bela e sombria floresta), mas isso seria chover no molhado uma vez que o estúdio nunca falha neste ponto. O espantoso é que Pixar falhe naquilo que sempre a diferenciou da concorrência que só pensa em alongar franquias que mal tinham histórias para um único filme (casos de A Idade do Gelo e Madagáscar): narrativas envolventes capazes de promover discussões profundas. Sim, Brave - Indomável está muitos furos acima dessas obras, mas da casa que nos deu a trilogiaToy Story, Ratatouille,WALL•Ee outras pérolas, espera-se sempre a excelência e nunca a mediania.

 

Observações:

  • há uma cena adicional após os créditos;
  • La Luna, a curta-metragem que antecede a exibição de Brave e que concorreu ao Oscar da sua categoria, é de uma beleza ímpar;
  • Brave foi lançado em Portugal com um grande número de cópias 3D e 2D legendadas, o que é de saudar: além de quebrar com o estigma de que animações restringem-se ao público infantil, permitem que os espectadores possam optar pelo áudio original ou dobrado e, como vinha acontecendo comigo, não obrigam a ter de levar com o dispensável efeito tridimensional sempre que se deseja assistir à versão original. 

publicado às 00:59

O Gato das Botas

por Antero, em 09.12.11

 

Puss in Boots (2011)

Realização: Chris Miller

Argumento: Tom Weeler, David H. Steinberg, Brian Lynch

Vozes: Antonio Banderas, Salma Hayek, Zach Galifianakis, Billy Bob Thornton, Amy Sedaris
 

Qualidade da banha:

 

Depois de artisticamente secar a teta da série Shrek, a Dreamworks Animation volta à carga com um derivado protagonizado pela emblemática personagem surgida no segundo capítulo daquela franquia: o Gato das Botas. Apesar de não chegar aos calcanhares das animações computorizadas da casa (os dois primeiros Shrek e Como Treinares o Teu Dragão), é reconfortante perceber que o filme está muitos furos acima de disparates como Madagáscar ou Monstros vs. Aliens. O Gato das Botas é divertido e empolgante e, no fundo, isso é o que basta, talvez por que as expectativas não eram as melhores.


Como já se tornou habitual em Hollywood, a narrativa é uma história de origem: no país dos contos de fadas, vive o lendário Gato das Botas (Banderas), um corajoso felino possuidor de um génio peculiar e de uma coragem sem limites. Apesar da sua reputação em todo o reino, o seu carisma e sedução são postos à prova quando conhece Kitty Patas Fofas (Hayek), uma misteriosa gata mascarada, que não tenciona deixar-se levar em conversas e que ele descobre estar ligada a Humpty Alexander Dumpty (Galifianakis), um seu amigo de infância. Os três acabam assim envolvidos num plano de assalto a Jack e Jill (Thornton e Sedaris), dois terríveis bandidos na posse de um antigo poder que ameaça o mundo.

 

Sem contar a ambição temática e adulta que caracteriza as maravilhosas longas-metragens da Pixar, O Gato das Botas investe num clima de aventuras que homenageia os velhos filmes protagonizados por Errol Flynn ou Douglas Fairbanks ao mesmo tempo que ressuscita aquilo que fez a fama de Shrek (e consequentemente esquecido as sequelas): a subversão das histórias de encantar. O maior exemplo disto vem na personagem de Humpty Dumpty: solitário e com uma imaginação fértil (dois traços de personalidade engenhosamente desenvolvidos a partir do seu isolamento em cima de um muro), é dele que parte o plano mirabolante de usar os feijões mágicos como forma de dar relevância à sua existência e, mesmo que o filme não consiga estabelecer um arco dramático profundo, a personagem torna-se querida pela sua condição de rejeitado e pelo certeiro casting de voz de Zach Galifianakis que lhe fornece um misto de comicidade e drama que cai como uma luva.

 

Cheio de piadas referentes a gatos (sendo a da fixação por luzes a melhor), O Gato das Botas conquista o espectador com personagens carismáticas como o já citado Humpty Dumpty, a arisca Kitty Patas Fofas e, claro, o protagonista vocalizado por Antonio Banderas – e se o efeito 3D é bem trabalhado na profundidade dos cenário, embora parta para o óbvio (leia-se objetos lançados para o público), o filme encontra espaço para gags visuais inspiradas como aquela que envolve abutres e a divisão do ecrã ou a cena em que o vilão revela os seus planos e temos um rápido flashback que o situa em momentos-chave da história, numa paródia a tantos outras obras que usam este artifício.

 

Contando com sequências de ação bem montadas (a do Pé de Feijão chega a ser alucinante), O Gato das Botas surge como uma mistura de Zorro com d'Artagnan, exatamente como ele havia sido imaginado aquando a sua aparição em Shrek 2. E não posso deixar de salientar como aspeto positivo o facto deste filme me ter lembrado o divertimento e o charme que se viu nas duas primeiras aventuras do ogro verde. Só isto já faria de O Gato das Botas uma obra recomendável.

 

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

 

publicado às 21:18

O crepúsculo dos brinquedos

por Antero, em 30.07.10

 

O voo final de Buzz Lightyear. As lembranças de Jessie. O sorriso de Sulley. O desespero de Marlin. O quotidiano de Bob Parr. O discurso de Anton Ego. O bailado de WALL-E e Eva. A vida a dois de Carl e Ellie. Momentos de puro brilhantismo proporcionados pelos estúdios da Pixar, cujo impressionante currículo traçou uma meta praticamente inigualável e, ironicamente, acaba por amaldiçoá-los – afinal, como manter a fasquia tão alta? O que antes era improvável tornou-se impossível. Só que a Pixar não tem medo de ousar, vai até ao infinito e mais além e, magnificamente, volta a superar-se. Toy Story 3 é o melhor, mais complexo, humano e comovente filme da casa. O que era inicialmente uma nova sequela feita para render mais uns trocos à Disney torna-se numa obra assombrosa com um coração imenso. Se a primeira e a segunda parte já mereciam o Olimpo, o que dizer agora? Nada, a não ser levarmo-nos pela montanha-russa de emoções oferecidas por Woody, Buzz, Jessie e companhia.

 

Ao levar-nos pela imaginação de Andy numa das suas típicas brincadeiras, Toy Story 3 evoca um agradável sentimento de nostalgia logo nos primeiros minutos. Só que os anos passaram e Andy está crescido e prestes a ir para a universidade. O seu quarto, palco que dá sentido à vida dos bonecos, já não lembra o mesmo cenário dos filmes anteriores, sendo agora forrado com posters e decorado com adereços que retratam as actuais preocupações do jovem adulto. Os brinquedos, ou melhor, aqueles que sobraram, foram confinados a permanecer num baú e a esperar qualquer momento em que o dono repare neles, algo já antecipado no final de Toy Story 2. As opções para os brinquedos passam pela doação, o lixo ou o sótão, solução que os manteria próximos de Andy. No entanto, um lapso leva-os até ao infantário Sunnyside onde surgem novos dilemas e aventuras.

 

Se o primeiro Toy Story era um luminoso conto sobre identidade e objectivos, a sequela ampliava o dilema e trazia a curiosa questão “o que acontece aos brinquedos quando os donos crescem?”. No terceiro capítulo, o mais sombrio e denso de todos, Woody e Buzz devem enfrentar o seu destino e reconhecer que Andy não mais brincará com eles. A temática passa agora pela morte e aceitação. Emocionalmente carentes, os brinquedos entregam-se a qualquer instante, por mais fugaz que seja, que lhes devolva a sensação de cumprimento dos seus propósitos – e não deixa de ser comovente a ansiedade do grupo ao chegar a Sunnyside, onde poderão brincar para sempre, ou o sentimento de negação de Woody que se recusa a abandonar o rapaz ao qual foi presenteado anos atrás.

 

Por falar em Andy, um dos grandes acertos do novo capítulo é retratar o adolescente com extrema sensibilidade. Desenvolvido a partir da relação com os seus brinquedos e da devoção que estes lhe têm, Andy passa de figura periférica a um individuo que vê nos antigos companheiros uma reminiscência de uma fase distante e mais inocente e da qual não se quer despedir totalmente – um dilema que ressoa junto a qualquer um de nós, já que envelhecer não é fácil. Se Andy terá que seguir em frente, também os brinquedos terão que fazê-lo e a separação, por mais antecipada que seja, será sempre custosa. Se eles vivem em função do dono, o que será deles quando forem deixados de parte? Sem uma razão para viver, eles deixarão de existir? Qual o sentido de continuar? É este tipo de questões profundas que elevam Toy Story 3 a um patamar mais maduro e intrincado, acima do preconceituoso argumento de que filme de animação é só para crianças.

 

Não que a película seja completamente depressiva; se há coisa que a Pixar faz como ninguém é divertir e emocionar na mesma medida. Assim, para cada ocasião mais introspectiva, há uma mão cheia de tiradas hilariantes, sendo que os destaques ficam por conta do efeminado Ken, a figura caricata do Sr. Cabeça de Batata ou a reprogramação operada em Buzz. Com um sentido de humor invejável, Toy Story 3 traz uma imensidão de bonecos novos, dos quais o reprimido Lotso é mais uma prova de que a Pixar faz o que a maioria dos realizadores não consegue com actores de carne e osso: personagens tridimensionais e cheias de humanidade.

 

Com uma narrativa fluída e valores técnicos já característicos da Pixar (Sunnyside é de uma concepção espectacular), Toy Story 3 adopta a estrutura de filme de fuga da prisão, com influências notórias de A Grande Evasão, e conta com habilidosas e emocionantes sequências de acção. O terceiro acto, em particular, é construído com uma tensão crescente e desesperadora que culmina num momento arrebatador, na qual a firmeza dos heróis perante a provável morte é admirável e tocante. Acima de tudo, a trilogia Toy Story fala sobre valores como amizade e família e, se choramos e rimos ao longo de toda a jornada, é por que nos identificamos com aquelas carismáticas personagens.

 

Capaz de provocar, ao mesmo tempo, sentimentos de alegria e melancolia nos seus instantes finais, Toy Story 3 fecha com chave de ouro a caminhada do estouvado Woody, do heróico Buzz Lightyear, da esquentada Jessie, do cínico Porquinho, do mal-humorado Sr. Cabeça de Batata, do fiel Slinky, do acanhado Rex e de tantos outros que nos acompanharam por três maravilhosas longas-metragens que a imaculada Pixar teve o prazer de criar.

 

Qualidade da banha: 20/20

 

PS: ainda que Toy Story 3 faça um uso discreto da dimensão adicional, a inventiva curta que o precede, intitulada Dia e Noite, vale por si só o pagamento extra dos malfadados óculos 3D.

 

publicado às 12:01

 

Lançado em 2001, Shrek foi a primeira grande resposta da Dreamworks ao domínio, até então, da parceria entre a Disney e a Pixar. Irreverente e cativante justamente por satirizar vários elementos que fizeram a fortuna da companhia concorrente, o filme subvertia as próprias regras do género e, três anos depois, veio a inevitável sequela que, já sem o efeito surpresa do original, expandia o universo fantasioso com personagens carismáticas como o Gato das Botas ou a Fada Madrinha. No terceiro filme, a irreverência deu lugar ao humor infantil e a ruína era ainda maior por constatarmos que a série rendia-se aos piores defeitos das animações que parodiava. Não contente em deixar de espremer a franquia, a Dreamworks lança agora o prometido (será?) encerramento das aventuras do ogre verde numa história que, apesar de soar irrelevante, ainda contém motivos suficientes para manter a série em andamento. Seria um crime que a última aparição de personagens tão queridas fosse o desastroso Shrek, o Terceiro.

 

Confortável com o seu casamento e adquirido o estatuto de celebridade, Shrek começa a entrar numa espécie de crise de meia-idade: a rotina tomou conta da sua vida e a adrenalina das aventuras anteriores parece bem distante e praticamente impossível de reaver. Depois de ter um colapso em plena festa de aniversário dos filhos, o ogre decide fazer um pacto com o sinistro Rumpelstiltskin que lhe dá a oportunidade de ter um dia inteiro onde tudo o que aconteceu anteriormente é uma ilusão e onde ele poderá reviver os tempos em que era temido e caçado pelos humanos. No entanto, o vilão tem planos obscuros e leva-o para uma realidade paralela onde Shrek nunca existiu, Bué, Bué Longe é governada sob mão de ferro por Rumpelstiltskin, Fiona é uma criminosa, o Gato das Botas está obeso e pouco charmoso e os ogres são capturados e mantidos como escravos. A solução para isto passa pelo (adivinhem só!) o verdadeiro beijo do amor que invalidará o contrato que Shrek firmou.

 

Longe do politicamente incorrecto (com as devidas ressalvas, claro) que marcou as duas primeiras longas-metragens, Shrek Para Sempre parece ir, nos primeiros minutos, pelo mesmo caminho que condenou o terceiro tomo, ao incluir piadas frágeis que envolvem arrotos e excrementos. Contudo, logo o filme abandona este tipo de piadas e constrói a sua narrativa na mesma base de Do Céu Caiu Uma Estrela que, usada e abusada nas últimas décadas, denota a secura de ideias que invadiu a série. Além disso, a ideia da realidade paralela poderia ter sido melhor aproveitada: é intrigante perceber como a história regressa às origens para subvertê-las (Fiona teve de se desenrascar da Torre sozinha, uma vez que o seu amado nunca chegou a existir), porém poderiam ter trazido Lorde Farquaad de volta, já que este continua a ser o melhor e mais hilariante antagonista que a série rendeu. A ideia que fica é que Rumpelstiltskin é uma pálida comparação com o diminuto fidalgo e que os argumentistas limitaram-se a criar um "clone" que apenas faz suspirar pelo original.

 

Não que as personagens surjam desinteressantes como o vilão de agora. É impossível resistir ao charme de seres que acompanhamos por vários anos e, novamente, são o Gato das Botas e o Burro que seguram o filme e garantem as maiores gargalhadas. O Gato, por exemplo, é daqueles que por muito que insistam na mesma piada, ela revelar-se-á sempre certeira, como a sua expressão de suplício ou os seus trejeitos de conquistador (que, aqui, soam ridículos vide a sua forma pançuda). Por outro lado, Shrek continua o menos interessante do quarteto e nem me vou alongar muito sobre a adição do Flautista Mágico em duas cenas patéticas que nem o facto de isto ser um filme animado redime a conclusão inevitável: aquilo não tem graça nenhuma.

 

Realizador do lastimoso Deuce Bigalow: Gigolo Profissional, Mike Mitchell é uma verdadeira surpresa por não deixar o filme resvalar para o humor de casa de banho que caracterizava aquele lixo protagonizado por Rob Schneider, mas os seus méritos acabam por aqui. De resto, o seu trabalho acaba por ser tão impessoal, quase como se a série fosse realizada sempre pelo mesmo sujeito. E não podemos esquecer que, como todos os filmes animados saídos dos grandes estúdios, não podia faltar a lição moralista e Shrek Para Sempre enfia-nos goela abaixo a máxima do "só se valoriza aquilo que se perde" em discursos óbvios ditos por alguém a cada dez minutos, para que ninguém saia da sala sem a lição estudada.

 

Inofensivo e desnecessário, Shrek Para Sempre é a prova que a série deveria ter acabado no terceiro volume, visto que o sentido de gozo e espectáculo dos dois primeiros filmes é uma distante memória. Ainda que divertido aqui e ali, é uma pena ver a Dreamworks dar tantos passos em falso nas suas animações, logo depois de terem acertado em cheio com o espectacular e comovente Como Treinares o Teu Dragão, não por acaso, um filme que vai beber (e bem) à fonte de inspiração das obras da Pixar. A nível técnico até podem estar ela por ela, mas a um nível narrativo e emocional, a produtora do candeeiro ambulante ainda segue rainha e senhora.

 

Qualidade da banha: 11/20

 

publicado às 01:22

Para cima é o caminho

por Antero, em 15.08.09

 

Provavelmente o estúdio mais eficaz em Hollywood (o saldo é todo ele positivo), a Pixar Animation Studios estabeleceu um patamar elevado nas suas animações lançadas para o cinema, não sendo de todo injusto afirmar que a mesma ocupa agora o lugar anteriormente reservado aos clássicos dos estúdios Disney (que não lança uma obra-prima desde O Rei Leão). Alicerçada em produções cuja perfeição técnica é algo de secundário na arte de bem contar uma história, a Pixar consagra uma nova idade de ouro para a animação, com obras como Ratatouille,WALL·Ee Toy Story (1 e 2), sem também esquecer os excelentes Monstros & Companhia, The Incredibles – Os Super-Heróis, À Procura de Nemo e, os menos bons do curriculum, Uma Vida de Insecto e Carros. E é com pena que incluo o recente Up – Altamente! neste último grupo: apesar de plasticamente belo e de contar uma história comovente, o filme acaba por sucumbir à previsibilidade e à falta de rasgo por parte dos realizadores Pete Docter e Bob Peterson.

 

Logo a abrir, Up – Altamente! apresenta-nos ao jovem Carl Fredicksen que se delicia com as crónicas do explorador Charles Muntz. Esta admiração é partilhada com a excêntrica Ellie que se tornará a sua esposa por várias décadas até morrer de velhice. Sozinho e rezingão, Carl vê a sua casa ameaçada pela onda do progresso urbanístico (leia-se, arranha-céus por toda a parte) e decide levá-la para a América do Sul recorrendo a milhares de balões de hélio, satisfazendo um dos sonhos do casal. Involuntariamente, acaba por levar consigo o prestável (até demais) escuteiro Russel e ambos embarcam numa aventura que envolve cães falantes, aves raras e paisagens de sonho.

 

Começando pelo óbvio, o visual do filme é arrebatador: com uma palete de cores forte e vibrante, principalmente a partir do momento em que a América do Sul torna-se o centro da acção (o que faz um contraste exemplar com o cinzentismo da urbanização inicial), a Pixar revela todo o cuidado na concepção dos seus planos e das suas personagens, mesmo que a sua relevância seja reduzida. A título de exemplo, podem verificar a caracterização dos executivos das obras (que aparecem por poucos segundos), com as suas formas esguias e vestuário escuro, ressaltando, de forma económica, a impessoalidade das grandes corporações. Outro grande exemplo de economia narrativa é a montagem que mostra o passar das décadas e o envelhecimento do casal, onde, num único plano, ficamos a saber que Carl e Ellie não podem ter filhos. Neste aspecto, há que realçar a partitura de Michael Giacchino (do qual sou grande fã) que consegue passar de momentos alegres para outros mais melancólicos de forma natural e exibindo uma tremenda consistência ao longo de toda a narrativa. 

 

Mas é na composição das personagens que a Pixar esbanja todo o seu talento: rejeitando aquela tendência para as tornar as suas feições mais reais (o que tornaria tudo aborrecido), as personagens são desenvolvidas com traços que logo determinam a sua personalidade. Assim, Carl exibe uma face quadrada que revela o seu jeito inicialmente recatado e resmungão passado uns anos; Russel é retratado com traços mais arredondados que mostram uma certa insegurança infantil (que se revelará determinante no decorrer da história); Charles Muntz é como se fosse uma mistura de Errol Flynn e Howard Hughes octogenário, com a sua pose de aventureiro e magnata; e a postura fechada do doberman Alpha (que, com este nome, só poderia ser chefe da matilha) acaba por render momentos hilariantes devido à sua voz fininha e afeminada. E se isto não chega, resta dizer que o filme conta com óptimas sequências de acção e cenas de puro brilhantismo, como o momento em que Carl revê um álbum da esposa e torna-se impossível para o espectador não se comover com a angústia da personagem.

 

Por outro lado, é inegável que Up - Altamente! é um filme que não arrisca muito: ao contrário de obras como os já citados Ratatouille eWALL·E(e isto só para referir os mais recentes), Pete Docter e Bob Peterson revelam-se como realizadores que jogam pelo seguro, preferindo o divertimento em detrimento de uma complexidade maior da história. A trajectória de Carl é perfeitamente construída, mas o filme pisa terrenos já vastamente explorados, tornando-se previsível de acompanhar. Há a cena em que duas personagens se chateiam, uma delas reflecte sobre a sua nova situação e parte no encalço da outra. Não tenho nada contra estes artifícios, que até aparecem em praticamente todas as obras da Pixar, mas não há aqui um momento como o monólogo final de Ratatouille ou a impactante introdução deWALL·Eque eleve Up - Altamente! a outro patamar, embora nunca deixe de ser um filme divertido e muito melhor que as obras mais recentes da sua principal concorrente, a PDI (cuja irregularidade já se tornou imagem de marca).

 

Este decréscimo na qualidade é perfeitamente compreensível, uma vez que a Pixar não pode manter o nível das suas obras sempre nos píncaros. Acontece que a produtora nos habitou mal. E isto é o melhor elogio que se pode fazer a ela mesma.

 

Qualidade da banha: 16/20

 

publicado às 23:48

Melhor. Filme. Do. Ano.

por Antero, em 16.08.08

 

A cada filme da Pixar Animation Studios que é lançado, cresce a ansiedade e o receio. Afinal, a empresa estabeleceu um patamar de qualidade tão elevado nas suas animações, que é impossível não pensar em desiludir-nos com um novo filme. E como no ano passado a Pixar lançou Ratatoille, que é, sem dúvida, um dos melhores filmes de animação de sempre, as expectativas e os receios estavam nos píncaros. Mais uma vez, a Pixar troca-nos as voltas e consegue o impensável: WALL•E é tão magnífico como Ratatouille (e Toy Story 2, já agora); uma obra arriscada que surpreende tanto na premissa quanto no desenvolvimento da acção. Uma experiência apaixonante a jornada do robot solitário que há 700 anos limpa um planeta Terra desabitado devido aos altos níveis de poluição e acaba por desenvolver uma personalidade humana. Com a chegada ao planeta do robot EVA, WALL•E entusiasma-se por encontrar um semelhante seu, sem saber que ambos estão prestes a embarcar numa aventura que poderá definir o futuro da Terra.

 

Na primeira metade, WALL•E praticamente não tem diálogos (o primeiro surge só aos 20 minutos), investindo todo o peso do desenvolvimento da história nas imagens. E que imagens! Panorâmicas de tirar o fôlego do planeta Terra deserto, seco, com lixeiras empilhadas como se fossem edifícios. Mais à frente, há um belíssimo bailado no espaço e é incrível constatar a antropoformização dos vários robots que vão surgindo no filme (melhor, só mesmo o efeito conseguido em Carros). Aliás, a nível visual, o filme é um regalo para os olhos, como já é hábito da Pixar. Os efeitos sonoros também são formidáveis, ou não fossem do mesmo técnico de Star Wars. O perfeccionismo técnico é algo que hoje já não é tão difícil de atingir e os magos da Pixar sabem isso, uma vez que nada se sobrepõe a algo tão descurado nos dias de hoje: o argumento. E o argumento de WALL•E é, numa palavra, perfeito.

 

A história de amor entre WALL•E e EVA é das mais belas que o Cinema já nos ofereceu: ele vê nela algo que o completa, ela tenta lutar contra as directrizes que lhe foram estabelecidas e, se a princípio ela o encara como uma anomalia do ecossistema terrestre, é comovente assistir ao surgimento gradual do afecto entre os dois. E depois temos a caracterização da raça humana no futuro: subjugada a uma vida de luxos e poucos esforços (os robots fazem tudo... mesmo tudo!), os humanos tornam-se obesos, vitimas do consumismo e de um estilo de vida fútil. O humor do filme é outro ponto alto: descendente directo da comédia clássica que fez história no Cinema, o filme homenageia Chaplin, Disney, Keaton, Spielberg (Wall•E tem semelhanças com ET) e até Kubrick (a inteligência central AUTO parece primo de Hal de 2001 - Odisséia no Espaço). E não de forma descarada e metida a martelo como em tantos outros filmes (tipo Shrek), mas de maneira orgânica e puramente dentro do contexto.

 

Mas o grande destaque acaba mesmo por ser o robot WALL•E: carismático ao máximo, ele age como uma criança, plena de curiosidade e inocência. E num filme com tanta coisa para arrebatar os sentidos, a melhor sequência é mesmo aquela que é a mais minimalista, hilariante e reveladora ao mesmo tempo: quando WALL•E leva EVA ao seu refúgio e ambos partilham várias experiências com objectos que ele foi recolhendo ao longo do tempo. Depois, ele tenta conquistá-la da mesma maneira como assiste repetidamente num velho VHS do filme Hello, Dolly!, porque, no seu entender, é assim que os humanos se relacionam.

 

Com uma mensagem ecológica que só engrandece a película, WALL•E é a prova da vitalidade da Pixar (se é que eram precisas mais), que não tem medo de ser ousada, desafiando a criatividade e não seguindo fórmulas feitas a pensar no lucro fácil. Que o Joker me perdoe, mas o posto número um do ano já tem dono. Podem fechar as contagens. Uma obra-prima inesquecível!

 

Qualidade da banha: 20/20

 

PS: é favor não chegar tarde à sessão, pois antes passa a costumeira curta-metragem da Pixar e desta vez é a hilariante Presto, que mais parece ter sido realizada por Chuck Jones com a tecnologia actual. E, se não for muito incómodo, fiquem para assistir aos créditos finais que fazem uma inventiva e bela homenagem à evolução da animação ao longo da História. E versão original, se possível.

 

publicado às 04:02


Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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