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The Tourist (2010)
Realização: Florian Henckel von Donnersmarck
Argumento: Florian Henckel von Donnersmarck, Christopher McQuarrie, Julian Fellowes
Elenco: Johnny Depp, Angelina Jolie, Paul Bettany, Timothy Dalton, Steve Berkoff
Qualidade da banha:
Então temos dois actores bonitos e estabelecidos, capazes de atrair multidões às salas, uma história de intrigas onde nem tudo é o que parece, deixando o espectador às cegas e interessado no que virá a seguir, e uma cidade (Veneza) cuja beleza é inatacável e que servirá de cenário para uma potencial história de amor e muitos mistérios? Pensamentos como este devem ter invadido a mente dos executivos que deram luz verde a este pavoroso O Turista que não só abre o ano, como também inaugura a lista de piores filmes de 2011. E vamos apenas na primeira semana.
Escrito por seis pessoas (nunca um bom sinal), a narrativa abre com a tentativa de captura de Elise Clifton-Ward (Jolie) por parte da Scotland Yard. Ela é a ligação com um indivíduo que desviou 2 bilhões de dólares de um mafioso e é perseguido por fuga ao Fisco sobre o montante que roubou (?!). Elise, seguindo instruções do seu contacto, decide apanhar um comboio para Veneza, onde deverá encontrar e travar conhecimento com o sujeito que ela achar mais parecido com o fugitivo de forma a despistar as autoridades – e a escolha recai sobre Frank Tupelo (Depp), um pacato turista norte-americano a viajar pela Europa para ultrapassar um desgosto amoroso. Logo o par chega a Itália, onde a confusão de identidades trará inúmeros perigos, até por que o mafioso em questão quer o dinheiro de volta. Ah! E um romance entre os dois começa a desabrochar.
Num argumento com claras inspirações em Hitchcock (a troca de identidades, o inocente perseguido, as belas localizações como pano de fundo para um romance), é até surpreendente como O Turista não consegue aproveitar a sua mais do que batido história para criar um entretenimento minimamente passável. Claro que Depp e Jolie têm carisma, mas estão no piloto automático e revelam uma falta de química embaraçosa, algo fatal para uma produção do género. Ela passeia o seu corpo e o seu rosto bonito, ele está mais contido no papel do indivíduo vulgar arrastado para uma situação caricata e potencialmente perigosa. Porém, o filme afunda de vez quando os dois estão juntos em cena, já que o romance pedestre, aliado aos diálogos formulaicos, retiram toda e qualquer tensão sexual que poderia existir entre os dois.
Se o romance falha em toda a linha, a parte de espionagem é uma hecatombe. Para além de previsível (a “reviravolta” final é tão chocante como saber que Clark Kent e o Super-Homem são a mesma pessoa), tudo é realizado com uma falta de tacto tremenda, como a (sonolenta) perseguição nos canais de Veneza ou a insistência do agente da Scotland Yard em perseguir Elise mesmo depois de o seu superior informar que a operação seria terminada – o que me leva a perguntar como ele consegue os usar os recursos do departamento, mais a Interpol, sem ninguém lhe apontar o dedo. Isto, obviamente, até à ofensivamente estúpida resolução de um impasse, onde o suposto superior parece materializar-se em Veneza apenas para salvar o dia.
Por falar em Veneza, convém dizer que cidade é belissimamente fotografada, mas aí os méritos terão de ser dados aos directores da segunda unidade, uma vez que ela é tão mal aproveitada pela objectiva de Florian Henckel von Donnersmarck (o uso de chroma-key é uma constante) que, após o reconhecimento com A Vida dos Outros, junta-se à longa lista de realizadores inexpressivos sempre que são absorvidos por Hollywood. E se isto não seria o suficiente, o que dizer de momentos em que o vilão (que, para mostrar como é mau, mata um dos seus capangas por que fica sempre bem, não é?) está a experimentar um fato novo e rola a seguinte conversa com um dos seus subordinados:
– Fica-me bem?
– Sim… como sempre.
– O que é sempre?
Ao contrário de películas superficiais, mas divertidas, como Dia e Noite (com o qual divide algumas semelhanças), o grande problema de O Turista é levar-se demasiado a sério e mesmo os seus esforços para fazer piadinhas – como o facto de Tupelo não distinguir o Espanhol do Italiano – nascem frustrados graças a uma narrativa frouxa, personagens unidimensionais e sem motivações que nos levem a preocupar-nos com elas, e a sequências de acção sem qualquer noção de ritmo. Assim, o filme falha como comédia, romance e thriller, o que não deixa de ser um feito e tanto, tendo em conta os envolvidos.
Da próxima vez que decidirem visitar Veneza, falem de O Turista. Talvez tenham descontos.
Já não escrevia um destes há muito tempo...
Costuma dizer-se que Clint Eastwood é o últimos dos clássicos, a única lenda viva no Cinema actual. E não é para menos: ele é o último resquício de um cinema que já não se faz, a sua realização transpira velhice pelos poros (com tudo de bom que esta expressão tem). Claro que o homem também erra, mas, regra geral, quando os seus filmes falham, é devido a argumentos desastrosos ou pouco ambiciosos (Dívida de Sangue no primeiro caso; As Bandeiras dos Nossos Pais no segundo). Mas isso são migalhas numa filmografia - e vou só limitar-me a esta década - conta com duas obras sublimes como Mystic River e Million Dollar Baby. Não que este A Troca atinja o nível destes dois, mas é um filme que merece respeito. Principalmente, com a mensagem que quer passar.
Baseado num caso real, A Troca conta a história de Christine Collins, mãe solteira a trabalhar em Los Angeles, que, ao chegar a casa, dá com o filho, Walter, desaparecido. A polícia encarrega-se do caso, mas é só depois de 5 meses que Walter é dado como encontrado. É então que, numa aparatosa cobertura dos media promovida pela polícia cuja imagem estava em baixa, Christine se apercebe que a criança não é Walter mal a vê. A partir daí, Christine vai lutar contra um departamento policial corrupto que não quer admitir o erro, tentando manter viva a esperança de que o filho se encontre são e salvo. E é assim que Eastwood nos dá um retrato do que de mais podre existe na sociedade e o desespero do povo que se vê completamente desprotegido por aqueles que os deviam proteger. E força não falta à polícia de Los Angeles: com a ameaça da exposição ao ridículo cada vez mais latente, eles tentam calar Christine de todas as formas, enviando até um médico para explicar, de forma hilariante, como uma criança de 8 anos pode mingar em poucos meses.
Isto até interná-la por insanidade e aí o filme mostra realmente o seu propósito: a partir daí entra em cena a história de um serial-killer e ambas as tramas começam a ser intercaladas e dá-se uma sucessão de cenas capazes de acender o choque e a repulsa no espectador. Mas enquanto o filme vai passando, A Troca mostra uma crença inabalável nas leis, demonstrando que o problema não está na Lei em si, mas sim naqueles que a representam, o que destrói à partida um dos pilares das sociedades democráticas (uma das maiores representações dos Estados Unidos da América). Christine vai superando os seus obstáculos até descobrir a verdade que envergonhará e despertará uma Los Angeles mergulhada na corrupção, no crime e na manipulação.
Angelina Jolie torna-se no elo com o público na desesperada busca pelo filho que todos clamam que ela já tem. Interpretanto Christine de forma intensa, mas sem nunca descambar no exagero tão característico nesta altura de prémios e nomeações, e num constante estado de "desespero controlado", Jolie torna Christine numa mulher real, uma mãe que só quer encontrar o filho e que se vê metida numa situação que, a cada momento que passa, assume contornos gravosos gigantescos. Ela é a heroína, o cowboy feminino de Eastwood, algo realçado pela contínua presença do chapéu, as roupas em tons castanhos e da figura determinada de Christine. Por muitos passos em falso que deu na carreira (e foram muitos), Jolie comprova aqui o seu imenso talento na construção de uma personagem que faz com que os espectadores se preocupem com ela. Outro que surge em destaque é John Malkovich como Gustav Briegleb, um pastor que conhece bem os meandros lamacentos da Polícia de Los Angeles e que presta auxílio a Christine na descoberta da verdade.
Filmando A Troca como se de um filme noir dos anos 30 fosse, Clint Eastwood surge mais classicista que nunca: desde o antigo logo da Universal que abre o filme, aos enquandramentos simples, à paleta de cores frias e ao jogo de sombras que ocorre em certas alturas, este é o filme mais extremo do cineasta, no que ao classicismo diz respeito. E Eastwood, como de costume, filma tudo com uma sobriedade ímpar evitando que o filme se torne manipulador logo de cara, pedindo a lágrima fácil e a comoção geral. Que acabam por surgir, é certo, mas se for feito com esta construção narrativa, este modo de filmar e com tamanha naturalidade, venham mais filmes para manipular as nossas emoções. Ou não é esta a função principal do Cinema?
Qualidade da banha: 16/20
Antes de falar de Procurado, filme de acção que estreou ontem, gostaria de fazer umas explicações que poderão servir para o futuro. Sempre gostei de cinema e leio revistas de banda-desenhada desde os meus 7/8 anos. Nos últimos anos temos assistido a uma proliferação de obras cinematográficas baseadas em BD's, principalmente comics norte-americanos. Isto só prova a secura de ideias que anda por Hollywood: basta ver a quantidade de sequelas, prequelas, adaptações de livros, remakes e outras ideias para disfarçar aquilo que está à vista de todos. Mas, divago. O certo é que não sou daqueles espectadores que se irritam com a mínima coisa num filme baseado numa BD. Há que ter em conta que são medias diferentes, com linguagem distintas e públicos mais ou menos homogéneos (e aqui entra a questão do pilim), e alterações devem ser feitas. Desde que se capte a essência da obra original e se faça um bom filme (ou BD) com isso, estamos conversados. Que me interessa que o Homem-Aranha não tenha os atiradores de teia? Eu quero é ver as agruras de Peter Parker com tudo o que o rodeia! Isto só para dar um exemplo. E se há pessoas que reclamam (muitas vezes, sem razão) de filmes baseados em comics, deviam ver era o oposto. Garanto que não dormiam dias a fio.
Serve isto para dizer que Procurado tinha mais a ganhar se fosse mais fiel ao comic que o originou. O filme acaba por ser um típico entretenimento de Hollywood e é uma pena constatar aquilo que poderia ter sido. Baseado muito levemente na obra de Mark Millar e J.G. Jones, a história começa com a apresentação de Wesley Gibson (James McAvoy, excelente no papel), apelidado pelo próprio de gajo mais fracassado à face da Terra. A namorada trai-o com o melhor amigo, o seu trabalho é um tédio, a sua chefa é uma víbora e ele precisa constantemente de comprimidos para ataques de pânico. Isto até ser recrutado por Fox (Angelina Jolie, esquelética que até mete dó) para um grupo de super-assassinos, apelidado de Fraternidade, e descobre ser o filho do melhor assassino que por lá passou, recentemente morto. No comic, tratava-se de super-vilões, o que dava para fazer imensas referências ao mundo das BDs (e picardias com o universo da DC Comics) e a Fraternidade era melhor explorada, com as suas sub-divisões e rivalidades entre os seus mentores. A primeira alteração ainda se justifica, a segunda não.
O filme mantém a irreverência da BD (embora não chegue tão longe) e nunca se leva muito a sério (basta ver a caracterização do universo de Gibson antes da recruta). E como o argumento abraça o absurdo logo desde o ínicio (o disparo de uma determinada arma a muitos quilómetros de distância), o espectador sente-se à vontade para se divertir com as exageradas (exageradíssimas) sequências de acção, com destaque para a primeira perseguição de carros e o segundo trabalho de Gibson (a do comboio, por ser menos divertida, já soa mais ridícula). A violência é tão estilizada e tão descompromissada que se torna inevitável o riso com o absurdo da cena.
E aqui entram os defeitos da máquina de Hollywood: a história previsível e telegrafada para o espectador; a necessidade de fornecer um passado triste para que nos identifiquemos com determinada personagem; a redenção do herói e por aí vai. O realizador russo Timur Bekmambetov (outra mania de Hollywood: ir buscar realizadores de sucesso europeus e transformá-los em tarefeiros de serviço) emprega todo o seu estilo na condução da narrativa: cortes rápidos e secos, voltas de 360º com a câmara e uso da câmara lenta, que aqui é contextualizada como a "percepção" das personagens (só vendo o filme para ter a explicação) e até nem se sai mal. Bom entretenimento, mas prefiram a banda-desenhada, se tiverem oportunidade de ler.
Qualidade da banha: 13/20