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The Amazing Spider-Man (2012)
Realização: Mark Webb
Argumento: James Vanderbilt, Alvin Sargent, Steve Kloves
Elenco: Andrew Garfield, Emma Stone, Rhys Ifans, Denis Leary, Sally Field, Martin Sheen, Campbell Scott
Qualidade da banha:
Em 2008, a Marvel Studios, descontente com o esforço de Ang Lee à frente de Hulk (embora eu o considere bastante meritórios), decidiu fazer um reset à personagem em O Incrível Hulk: a origem do herói era recontada durante os créditos iniciais e uma nova história desenvolvia-se a partir daí. Em 2012, a Sony Pictures decidiu fazer um reset aos populares filmes do Homem-Aranha realizados por Sam Raimi (sou grande fã dos dois primeiros; o terceiro foi para esquecer) e, em vez de aplicar a economia narrativa e perder apenas alguns minutos a situar aqueles que vivem noutra dimensão, decide recontar praticamente a mesma história, obrigando o pobre espectador a ver um derivado de um filme que tem míseros dez anos. E pior: uma versão recauchutada e desnecessária de uma obra muito superior.
A história acrescenta alguns detalhes (que discutirei adiante) à conhecida génese do herói: Peter Parker (Garfield) é um adolescente inteligente mas introvertido que iniciou há pouco uma relação com Gwen Stacy (Stone), uma colega de turma que, ao contrário de si, é alegre e popular. Desde muito cedo a viver em Nova Iorque com os tios May (Field) e Ben (Sheen), Peter cresceu com o estigma do abandono dos seus pais, que sente nunca ter sido suficientemente explicado. Certo dia, descobre uma mala misteriosa que pertenceu ao progenitor. Decidido a descobrir tudo o que se possa relacionar com o passado da sua família, o jovem procura o Dr. Curt Connors (Ifans) que terá sido parceiro do pai no laboratório Oscorp. Porém, essa viagem ao passado terá o seu preço: o perigoso confronto com Lagarto, o terrível alter-ego de Connors, e a descoberta de segredos que mais valeriam ter ficado na sombra.
Um dos problemas de O Fantástico Homem-Aranha é também um daqueles que afligiu o terceiro filme de Raimi: a quantidade absurda de coincidências para manter a história em andamento e que servem como um bálsamo para o argumentista mais preguiçoso. Ora, não basta que Gwen sirva de interesse amoroso e seja filha do capitão da polícia que despreza e persegue o Homem-Aranha; ela também é a assistente de laboratório (o que a torna num pequeno génio, visto que ela ainda estuda no secundário) do reputado Dr. Connors que, por sua vez, está interligado ao passado misterioso do pai de Peter, cujos estudos científicos poderão ter providenciado a causa para os poderes do Homem-Aranha. Com isto, perde-se a sensação do trágico acaso que sempre rodeou a figura de Peter Parker para dar lugar ao irritante cliché de que tudo tem de ter um sentido devidamente explicado.
Demorando uma eternidade a estabelecer o bê-á-bá do herói (o romance com uma colega, a aquisição de poderes, o surgimento do vilão, a tragédia familiar, "com grande poderes vêm grandes responsabilidades" – a mítica frase não é dita ipsis verbis, mas anda lá perto), o realizador Mark Webb (ah!, está explicada a sua escolha) tenta pontuar a narrativa com a mesma sensibilidade que conferiu à comédia romântica (500) Days of Summer e o resultado parece isso mesmo: que o casal desse filme aterrou no universo do Homem-Aranha e reencarnou em Peter e Gwen, mas sem o mesmo grau de sofisticação. Os diálogos entre os dois resumem-se a que ela continue as frases que ele não consegue acabar e a piadas básicas. Além disso, a química entre Garfield e Stone é inexistente, o que é uma pena já que eles têm carisma para dar e vender e o filme simplesmente não aproveita os seus talentos.
Enquanto isso, Rhys Ifans compõe um vilão desinteressante que é sabotado pelas conveniências da história, uma vez que o Lagarto umas vezes age com nobreza e outras com absoluta vilania. Já o visual da criatura remete para um mini-Godzilla rastejante (o original japonês, não o hermafrodito norte-americano) e os seus planos são do mais reles que há: ele quer transformar os nova-iorquinos em lagartões como ele para que sintam a sua dor, sendo que o filme o desenvolvera como alguém que soube superar a sua deficiência. E para um filme que não quer levantar comparações com os anteriores, incluir uma cena em que Connors conversa com o seu alter-ego tal como Willem Dafoe brilhantemente fizera no primeiro Homem-Aranha é apenas sinal de estupidez aguda.
Estupidez que alastra à construção do nosso herói. Se Peter Parker é um jovem inseguro cheio de problemas pessoais que é agraciado com poderes extraordinários (daí o seu apelo universal), o Peter visto em O Fantástico Homem-Aranha dificilmente passaria despercebido num liceu qualquer. Com o seu cabelo milimetricamente despenteado, andar gingão e roupas da moda, este é um Peter desenhado para a geração Twilight que cobra dos seus "heróis" uma atitude emo e dilemas pessoais que mergulham na depressão ao mínimo obstáculo – e chega a ser cómico como os olhos de Garfield ficam marejados sempre que ele encara alguém. Do outro lado do extremo, o bom humor característico do herói tirou férias e deixou como substituto uma gama de piadinhas frágeis aquando as lutas com uns criminosos genéricos. Ainda assim, nada disto enerva tanto como as inúmeras vezes que Peter tira a máscara em público, o que me leva a suspeitar que, a cada vez que isto acontecia, os Homens de Negro eram chamados a intervir para criar amnésia coletiva.
No entanto, O Fantástico Homem-Aranha dececiona mesmo é nas sequências de ação: concebidas com uma falta de imaginação atroz e medianos efeitos especiais, elas são ainda prejudicadas por uma câmara irrequieta e cortes frenéticos que mais atrapalham do que ajudam e por um 3D descartável (e o filme não foi convertido, o que significa que nem a filmagem com o efeito tridimensional foi aproveitada) que escurece uma Nova Iorque já de si bastante escura e irrealista que tenta emular a Gotham City de Christopher Nolan, mas que acaba por assemelhar-se a uma metrópole enfeitada para os Santos Populares. A cidade nem parece ser conceptualmente coerente, como podemos perceber na ridícula cena onde vários trabalhadores se unem para que o Aranha use as suas gruas para atravessar vários quarteirões, embora seja perfeitamente capaz de prender a sua teia pelos arranha-céus que, de um momento para o outro, deixam de ser funcionais. E o que dizer do computador que emite a mensagem "antídoto de réptil" como se o vilão tivesse inserido no sistema a fórmula que o derrotaria?
Deixando pontas soltas para futuras sequelas de maneira trôpega, O Fantástico Homem-Aranha consegue dois feitos que eu achava inalcançáveis: transformar o fascinante e simpático Peter Parker num indivíduo aborrecido e chorão, e fazer com que o desastrado Homem-Aranha 3 disparasse na minha consideração. Volta Raimi que estás perdoado.
Quando A Rede Social foi anunciado há cerca de um ano, poucos devem ter sido aqueles que depositaram grandes expectativas no filme que retrataria a gestação do Facebook, uma das redes sociais mais utilizadas do Mundo. Nas mãos de Aaron Sorkin, renomado argumentista na Televisão, a pouco promissora história torna-se num conto sobre moralidade, ética, ambição e poder. O facto de ser sobre o Facebook é o que faz a acção seguir adiante, mas é um mero detalhe e poderia ser substituído perfeitamente por outro fenómeno da Internet como o Google, o YouTube ou o Twitter. O que interessa aqui são os efeitos dos actos na interacção entre Mark Zuckerberg e o seu parceiro Eduardo Saverin tanto no fenómeno que se tornou o referido website, bem como nas acções legais que o sucederam.
Baseado no livro The Accidental Billionaires, A Rede Social aproveita factos dispersos para ficcionar sobre eles, num esquema semelhante ao adoptado por Peter Morgan em A Rainha. Muito do que é descrito no ecrã não é verdade (aposto que as festas académicas estejam longe de ser aquilo que Hollywood nos costuma mostrar) ou, pelo menos, não aconteceu daquela maneira. No entanto, esta dramatização dos eventos não deprecia o filme, já que tudo ali soa verosímil e o belíssimo argumento de Sorkin permite-nos acompanhar tudo com a maior das clarezas: há códigos para aqui, gírias tecnológicas para ali, mas nada que permita que o espectador comum se perca entre as cenas de tribunal e os brainstormings de Mark Zuckerberg, o criador do Facebook.
Rejeitado pela namorada, Mark decide criar uma rede para o circuito de Harvard intitulada “FaceMash” que, em poucas horas, se torna um sucesso, mas sem que ele deixe de sofrer um castigo da Direcção. É aí que os gémeos Winklevoss o contratam para criar um site chamado Harvard Connection. No entanto, Mark une-se ao seu melhor amigo, Eduardo Saverin, e avançam com a criação de uma rede social, o “thefacebook”. Em meio a festas e estudos, a rede torna-se num fenómeno cada vez mais global, o que acarretará consequências para a vida de ambos e, em poucos meses, são accionados mecanismos legais que põem em causa a fortuna recentemente conseguida por Zuckerberg.
Anti-social ao extremo, Zuckerberg é o grande destaque do filme. Interpretado brilhantemente por Jesse Eisenberg, Mark é um tipo que revela um grande intelecto debaixo de um aspecto jovial que, como bem salienta o futuro sócio Sean Parker, ninguém leva a sério no mundo dos negócios. Ingénuo ao ponto de pensar que manter uma conversa com a namorada com base em deduções lógicas não deveria ser interpretado como um sinal de arrogância, Mark é um ser imensamente reprimido: ao ver a ex-namorada rejeitá-lo novamente e pouco interessada no seu projecto, ele decide avançar com a expansão do mesmo; ao saber que o seu melhor amigo foi aceite numa república universitária, a sua primeira reacção é lançar um comentário depreciativo; ao ser confrontado com factos que põem em causa a sua lealdade, a sua resposta é focar-se no trabalho. Desta forma, Mark surge não como um vilão, alguém detestável, mas sim como um indivíduo com que facilmente nos identificamos. No fundo, ele busca a aceitação social, ser acolhido pelos seus pares, mesmo que esse objectivo seja virtual, pouco palpável.
Contudo, o inteligente roteiro de Sorkin (aliado à composição de Eisenberg) delineia traços da personalidade de Zuckerberg que o tornam ainda mais fascinante. Seria ele assim tão ingénuo e influenciável? Afinal, ele não andou semanas a evitar os gémeos e o projecto de Harvard para se dedicar exclusivamente ao Facebook? Aquando a digressão para angariar investidores, Mark sabota todas as entrevistas com o seu jeito desleixado, só ficando entusiasmado com a reunião com Parker, o criador do Napster. Seria isto um acaso ou ele realmente pretendia juntar-se a Parker, já que ambos partilham traços em comum (inteligentes, alcançaram a fama jovens e são uns párias da sociedade)? No fundo, ainda que não alinhe no estilo de vida de Parker, Mark inveja o seu estatuto e acaba por sentir-se atraído pela sua trajectória rumo ao sucesso e, neste aspecto, há que realçar a prestação enérgica de Justin Timberlake como alguém que conhece os meandros daquele mundo, ao mesmo tempo que o peso do reconhecimento público lhe trouxe devaneios paranóicos.
Claro que o perfil do nosso anti-herói não estaria completo sem a sua relação com aqueles que lhe são mais próximos e aqui reside a grande surpresa do filme: Andrew Garfield. Como Eduardo Saverin, ele estabelece uma amizade com Mark que soa genuína e acompanhar a deterioração da relação entre eles está entre os pontos altos de A Rede Social. O certo é que Saverin não seria a melhor pessoa para ocupar o cargo de Director Financeiro (cuja nomeação por parte de Mark pode ter sido um impulso do momento ou uma recompensa pela ajuda inicial) e, num mundo implacável como é o empresarial, ele nunca manteria as funções por muito tempo. Porém, a forma como o processo é conduzido levanta muitas dúvidas sobre a afeição entre ambos: Mark só o queria por perto devido à conta bancária em seu nome ou preocupava-se realmente com ele? Garfield tem uma interpretação estupenda ao retratar um Saverin ansioso e que mal consegue conter a alegria de ser bem sucedido, ao passo que a expressão extasiada dá lugar à confusão e a uma desilusão cada vez mais maior com o passar do tempo (e o seu olhar de remorso para o ex-colega contrasta de forma perfeita com a frieza deste).
Longe de ser uma película pró-Facebook, A Rede Social dedica grande parte do seu tempo a retratar a ascensão de Zuckerberg e as consequências do sucesso na sua vida. A crítica velada às redes sociais por oposição às relações pessoais está lá, mas apenas nas entrelinhas, sem nunca fazer a apologia do slogan “o Facebook mudou o Mundo!” (algo que temi aquando o anúncio da produção), mas mantendo sempre presente que a Internet alterou a forma como nos relacionamos e que, como tudo na vida, tem aspectos a favor e contra. E mesmo que David Fincher tenha um trabalho discreto aqui, ele sabe bem o ouro que lhe foi parar às mãos e faz com que a narrativa flua naturalmente, condimentando-a com pequenos momentos de humor (como o relato sobre a galinha ou a reunião com o Reitor de Harvard). Outra excelente (e subtil) opção de Fincher é alternar entre os espaços fechados e acolhedores de Harvard com lugares mais amplos e claros dos escritórios, como se o sucesso do Facebook levasse a impessoalidade das corporações a invadir e a modificar o habitat daquelas personagens.
Numa indústria cada vez mais dedicada a lançar filmes acéfalos para audiências que até os justificam, é um prazer ver que A Rede Social não precisa de elaboradas cenas de acção ou de uma montagem "frenética" para prender o público, atingindo o mesmo efeito através dos seus primorosos diálogos que são debitados com imensa elegância e acidez. Apesar de poder ser acusado de ser historicamente impreciso, o grande mérito do filme é o seu argumento e o seu trágico protagonista: um indivíduo à procura do seu lugar na sociedade e que, ironicamente, criou uma das ferramentas de relacionamentos actualmente mais usadas por esse Mundo fora.
Qualidade da banha: 18/20