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Sinto-me angustiado. Envergonhado. Revoltado. 12 pessoas foram assassinadas nos seus locais de trabalho esta manhã em Paris. O motivo? Uns desenhos satíricos.
Sou ateu e abomino religião por tudo de mau que ela representa. Este foi só mais um episódio. Mas, na verdade, o que me move contra a religião não é propriamente a crença em dogmas retrógrados e seres fantasiosos (longe de mim impedir que alguém tenha a sua crença, mas convém perceber que, como construção humana e escolha pessoal, a religião está sujeita à crítica e à sátira - e isto faz toda a diferença), mas sim o fundamentalismo religioso. É este fundamentalismo que permite agregar sociopatas que usam a religião como válvula de escape para os seus impulsos violentos. Achar que é exclusivo do Islamismo é estupidamente míope: o fundamentalismo existe em todas as religiões e não se manifesta somente através de atos terroristas. Raios, ele não está sequer confinado aos limites da religião.
A bandeira da liberdade de expressão é levantada por todos aqueles chocados com esta barbaridade (e com razão), mas muitos nem se apercebem do que ela implica no nosso quotidiano. Há que perceber uma coisa: a liberdade de expressão é uma coisa muito bonita e digna de ser preservada, mas é uma rua de dois sentidos. Implica ouvir algo que não gostamos, de mau gosto, que seja escandaloso e altamente reprovável. Se alguém tece comentários racistas, homofóbicos, misóginos e outros adjetivos carregados de intolerância, essa pessoa tem o direito de o fazer. Basicamente, esse alguém tem o direito de ser um imbecil.
O que nos leva a outro ponto: a liberdade de expressão implica que cada um seja responsabilizado pelo que diz, escreve ou defende. E responsabilizado no aspeto em que está sujeito a ser taxado de impropérios, que lhe deixem de falar, que o condenem, que o critiquem, que gozem com ele, que o desmintam ou, em última instância, que lhe espetem com um processo em tribunal. Partir para a violência por desgostar da opinião alheia é a resposta dos covardes. Responsabilizar não é ser fuzilado logo pela manhã, ou entrar numa ilha e matar 76 pessoas, ou declarar uma fatwa porque se escreveu um livro, ou enviar aviões comerciais contra edifícios, ou espancar e segregar os "não-heterossexuais", ou manter mulheres prisioneiras em campos de trabalhos forçados publicamente conhecidos como "lavandarias", ou explodir bombas em transportes públicos, ou... bem, poderia estar aqui toda a noite.
Para agravar o estado de insanidade no qual o planeta parece ter mergulhado, é só ler o esgoto da Internet: as secções de comentários seja de jornais ou no Facebook. Entre declarações que tentam justificar e/ou minimizar o ocorrido ("eles puseram-se a jeito") e outras que vão ao extremo de enfiar tudo no mesmo saco ("os muçulmanos são todos terroristas e têm de ser expulsos da Europa/presos/mortos"), dá a impressão que muitos esperavam algo do género para extravasar as suas mentalidades da Idade Média.
Está difícil manter a esperança na raça humana.