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Há dez anos um avião desaparecia no Pacífico Sul e dava início ao maior fenómeno televisivo deste jovem século. Misto de drama profundo com aventura, história de sobrevivência, ficção científica, filosofia e muitos (muitos!) mistérios, Lost capturou a imaginação do público com a história dos sobreviventes do fatídico Oceanic 815 e daqueles que se cruzaram nos seus caminhos. Durou 6 excelentes temporadas (sim todas, sem exceção!) e marcou um virar de página na forma como se produz e se vende em Televisão.
Surgida numa fase de grande experimentalismo e de proliferação de diferentes propostas e abordagens na Televisão norte-americana (em que as emissoras abertas começaram a ter de correr atrás dos canais do cabo), Lost ousou em desafiar aquilo que era regra nas narrativas serializadas: assistir ao piloto após tantos anos e com outros olhos é ver cada uma dessas leis atiradas janelas fora. Não há exposição para situar eventos e personalidades: sabemos exatamente aquilo que as personagens sabem, como se nós próprios também tivéssemos caído naquela Ilha - e, com isso, a tensão aumenta ao estabelecer-se desde logo uma atmosfera de urgência e perigo. A maneira como os flashbacks são introduzidos e incorporados organicamente na narrativa é genial: da Ilha saltamos para os últimos minutos do voo e experimentamos o pânico e a confusão da queda do avião. Mais à frente, descobrimos que Charlie é um viciado em heroína e que Kate encontrava-se algemada. Como chegaram àquele ponto? O que fez Kate para ser procurada pelas autoridades? É inocente? Cometeu um crime? Qual? Como? Porquê? E por aí fora à medida que a teia de enigmas se vai adensando e em que uma resposta longamente ansiada pode despoletar outra mão cheia de questões.
Nem só de flashbacks vivia Lost. Entre o núcleo de sobreviventes da cauda do avião, os flashforwards, as viagens no tempo, realidades paralelas, mais o misticismo, esoterismo, pseudo-ciência, teologia, etc., a série encontrava sempre novas e interessantes formas de contar a sua história, mantendo o espectador às escuras em relação ao que iria acontecer e como iria acontecer. Nada disto, porém, serviria de muito caso os dramas daspersonagens não fossem envolventes e esse era o ponto onde a produção mais se esmerava: se Lost se tornou tão memorável deve-se em grande parte à sua fascinante e multifacetada galeria de personagens que tivemos a oportunidade maravilhosa de os ver crescer diante dos nossos olhos. E os mistérios? O Monstro. O urso polar. A francesa louca. Os Outros. A Iniciativa DHARMA. O eletromagnetismo. 4 8 15 16 23 42. A Ilha desaparecer. Os saltos temporais. Jacob. Aquele desfecho.
No entanto, isto é somente a ponta do icebergue na experiência que foi acompanhar Lost ao longo dos anos e o seu sucesso deve-se a um timing perfeito com a popularização dos downloads de séries aquando a sua exibição original. A ABC, atenta ao hype que se foi gerando, nunca interferiu nesta questão e procurava formas de manter o interesse sem alienar a audiência mundial. Daí que a janela de exibição entre os EUA e o resto do Mundo tenha diminuído cada vez mais. Cabia na cabeça de alguém que, há meros dez ou cinco anos, pudessemos ver o final de uma série em simultâneo com os norte-americanos ou assistir ao mais recente episódio de Game of Thrones um dia após a exibição original? O paradigma mudou com os downloads e com Lost no topo das preferências da "pirataria online".
Revisitar Lost é também reavaliar-me. É ler textos antigos aqui do estaminé e ver outra pessoa, outra escrita (por vezes, terrível e de corar) e outra energia. De alguém que descobrira que a Televisão podia ser mais do que os CSIs da vida e pílulas de boa disposição em formato de 30 minutos. De uma excitação digna de uma criança na véspera de Natal - todas as semanas. De ler artigos por essa Internet fora (e quantos blogues e sites não surgiram graças à série?) e formular mil e uma teorias. De desesperar meses a fio entre temporadas.
Há muitas e boas séries ainda no ar, mas Lost era única. O prazer de ver a série começava quando o episódio acabava. Breaking Bad ensaiou algo parecido na reta final quando o Mundo abriu os olhos para o seu valor, mas foi algo ainda longe do fenómeno de culto que foi a primeira. Nenhuma série me desperta o mesmo grau de fascínio e viciação. Game of Thrones parei no final da terceira temporada e nunca mais retomei, The Walking Dead estanquei na primeira, desisti de Homeland, House of Cards vi dois episódios e "nhé",vi uns três capítulos de Hannibal e não me cativou. Podia pegar em True Detective, Sons of Anarchy, Fargo ou Masters of Sex, mas a verdade é que nunca vi essas séries nem as mesmas me puxam muito. Ainda tive Fringe (gostei muito, mas...), House (errrr...) e Dexter (cruzes, credo!). Claro que ainda tenho Sherlock (quando temos direito) e a cada vez mais incrível The Good Wife (que eu amo), mas Lost era... Lost!
O certo é que, gostando do final ou não, dos caminhos fantasiosos pelos quais se meteu e um ou outro engonhar da história, Lost merece ser recordada e celebrada como um dos mais originais, criativos, bizarros e admiráveis esforços que a Televisão já ofereceu. Que muitas outras tentem até hoje replicar o seu efeito é só mais um atestado de toda a sua qualidade.
Tenho saudades daquela maldita Ilha.