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X-Men: Days of Future Past (2014)
Realização: Bryan Singer
Argumento: Simon Kinberg
Elenco: Hugh Jackman, Michael Fassbender, James McAvoy, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Peter Dinklage, Ellen Page, Shawn Ashmore, Omar Sy, Evan Peters, Josh Helman, Halle Berry, Patrick Stewart, Ian McKellen
Qualidade da banha:
Bryan Singer nasceu para filmar os X-Men. Não adianta ele andar perdido com objetos medíocres como Jack, o Caçador de Gigantes; esta é a sua praia. Foi ele que viu que os comics podiam não só ser uma fonte de (muita) receita para Hollywood, mas também o seu potencial dramático para criar obras sérias, adultas e instigantes que acabassem com o estigma da infantilidade com que a Nona Arte ainda é catalogada. Esta foi a conclusão a que cheguei após assistir ao mais recente e fabuloso capítulo dos X-Men no grande ecrã que, além de mostrar Singer de volta ao topo da forma, aproveita todos os acertos do igualmente fantástico X-Men: O Início.
Baseado num arco de duas partes publicado em 1981, Dias de Um Futuro Esquecido consegue a proeza de simultaneamente servir como prequela da trilogia original e continuação direta de X-Men: O Início: em 2023, os mutantes encontram-se praticamente exterminados devido à ação dos Sentinelas, máquinas letais que detetam o gene X e capazes de mimetizar poderes mutantes. Os poucos sobreviventes, encabeçados pelo professor Xavier (Stewart) e Magneto (McKellen), têm a ideia de usar os poderes de Kitty Pride (Page) para enviar a consciência de Wolverine (Jackman) de volta à década de 70 a fim de impedir que Mística (Lawrence) assassine o empresário Bolivar Trask (Dinklage) – um incidente que daria impulso à criação daquelas máquinas. Porém, para convencer Mística a abandonar os seus planos, Wolverine terá de procurar a ajuda das versões mais jovens de Xavier (McAvoy) e Magneto (Fassbender), que não são exatamente os melhores amigos.
Provando que o seu riquíssimo universo é um prato cheio para alegorias sobre preconceito e intolerância, Dias de Um Futuro Esquecido equilibra-se entre a leveza do seu bom humor e tópicos mais sérios como a promoção da cultura do medo no seio da população (via a comunicação social, claro) ao mesmo tempo que impede que aqueles seres se tornem caricaturas coloridas. Trask, por exemplo, até pode odiar e temer os mutantes, mas a sua mente científica permite-lhe fascinar-se com as potencialidades oferecidas por estes, enquanto Magneto, sempre imprevisível e instável, age consoante as suas convicções diante do ódio que é dirigido à sua raça. Por outro lado, Xavier percorre o arco emocional mais intenso da narrativa ao começar como alguém que abriu mão dos seus poderes (e, consequentemente, da sua missão de mentor) devido a falhanços sucessivos e que, aos poucos, redescobre a própria vocação na causa mutante e a intrigante Mística encontra-se dividida entre o dever de proteger os seus e o custo que as suas ações implicam.
Entretanto, o Wolverine de Hugh Jackman serve como fio condutor entre as duas linhas temporais e o ator mostra-se completamente à vontade no papel não só a demonstrar o seu timing cómico como a fornecer a Logan um olhar ora entristecido ora determinado pelo peso da missão que tem em mãos. O elenco do filme é tão certeiro que o argumento de Simon Kinberg não tem receio de pôr frente a frente James McAvoy e Patrick Stewart como as duas versões de Charles Xavier, numa das melhores sequências da projeção. Contudo, a melhor cena deste novo X-Men é uma que envolve o mutante Mercúrio (Peters, divertidíssimo) numa cozinha e que é um prodígio de efeitos especiais, inventividade e irreverência.
Beneficiado por usar novamente eventos históricos para ancorar aquela realidade fantasiosa (no anterior era a Crise dos Mísseis de Cuba; aqui é o rescaldo da Guerra do Vietname), Dias de Um Futuro Esquecido é hábil ao lidar com um elenco numeroso e vários focos de ação – e o mérito do trabalho de Singer pode ser atestado a partir do momento em que a história salta com precisão entre o passado e o futuro e os eventos de ambos convergem para um clímax trepidante. Além disso, Synger também brilha na condução das cenas de ação que nunca soam gratuitas e aproveitam ao máximo os poderes de cada mutante para conferir agilidade e clareza na forma como se complementam uns aos outros.
Recheado de referências a todos os filmes anteriores (incluindo as dececionantes aventuras a solo de Wolverine) embora seja facilmente acompanhado por aqueles alheios ao universo mutante nos cinemas, Dias de Um Futuro Esquecido fecha a maioria das pontas da velha trilogia e abre novas possibilidades para a franquia, mas vale, acima de tudo, por ser o bálsamo de qualquer blockbuster sazonal: ambicioso, envolvente, fascinante e divertido.
É, numa palavra, um filmaço.
PS: há uma cena adicional após os créditos.
Godzilla (2014)
Realização: Gareth Edwards
Argumento: Max Borenstein
Elenco: Aaron Taylor-Johnson, Ken Watanabe, Elizabeth Olsen, David Strathairn, Bryan Cranston, Juliette Binoche, Carson Bolde, Sally Hawkins
Qualidade da banha:
A nova versão da seminal criatura que inaugurou o género de filmes kaiju reforça o velho chavão de que não existem más ideias, apenas más execuções. E tudo havia para que o resultado fosse positivo: orçamento gigantesco, efeitos especiais de ponta, bons atores e a noção de adiar ao máximo a entrada em cena da estrela da companhia (o monstro, claro) e investir no desenvolvimento das suas personagens como forma de ancorar o drama da situação. Contudo, Godzilla revela-se um excelente soporífero, sem vida, uma falta de ritmo gritante e que é sabotado pelas suas próprias boas intenções.
Iniciando-se de maneira promissora com uma boa e tensa sequência inicial passada nas Filipinas em 1999, o argumento escrito por Max Borestein atira as suas boas ideias janela fora uma a uma com o desenrolar da projeção e deposita as suas fichas no mais aborrecido dos protagonistas: Ford (Taylor-Johnson, inexpressivo) que, regressado ao Japão depois de uma tragédia familiar, tem de cuidar do pai (Craston, desperdiçado) que, por sua vez, mostra-se obcecado com o acidente que decretou o estado de quarentena na central nuclear onde trabalhava. Em pouco tempo, está um monstro à solta que ameaça a vida de milhões de pessoas.
Não, esse monstro não se trata de Godzilla: nesta versão, a origem do famoso ser foi alterada para algo de acordo com a Evolução das Espécies e este surge para manter o equilíbrio natural caso outras criaturas se lembrem de aparecer – pelo menos foi isto que percebi da verborreia técnica cuspida pelos talentosos Sally Hawkins e Ken Watanabe que, coitados, fazem o possível para dar credibilidade a explicações que envolvem "fome de radiação" e "se são dois, então um deve ser macho e outro fêmea, logo vão acasalar", embora a forma como eles chegam a estas conclusões permaneça um mistério.
Estes absurdos, porém, fazem parte da proposta e a sua aceitação depende da elasticidade da suspensão de descrença de cada um. Eu estou disposto a aceitar isto tudo, a sério que estou, mas sabem o que me custa a aceitar? Que um tsunami se forme quando uma enorme massa se desloca pelo mar e atinge a costa, mas quando essa mesma massa retorna ao oceano nem a uma onda para surfar temos direito. Que uma criança reencontre num instante os pais perdidos tendo em conta a devastação sofrida à sua volta. Ou que queiram exterminar seres que se alimentam de radiação com... uma bomba atómica. Ou que o exército vasculhe instalações inóspitas de resíduos nucleares para procurar um gigantesco monstro e somente o encontram quando verificam uma divisória do local (meios aéreos incluídos), sendo que a criatura deixou um imenso rastro de destruição atrás de si – e, mesmo assim, os militares precisam de binóculos para a discernir no meio do deserto.
Sem mostrar a sua estrela na maior parte da projeção, o realizador Gareth Edwards obriga-nos a acompanhar e a tentar (sem sucesso) que temamos pela vida de um bando de clichés ambulantes (o cientista paranoico, o militar que deseja voltar para casa, a esposa sofredora, etc.), mas os seus dilemas são tão desinteressantes que dá vontade de berrar "saiam da frente que eu quero é ver a destruição!". Enquanto isso, a estratégia de Edwards em adiar ao máximo as sequências de ação até cria um ou outro momento bem esgalhado (como a do noticiário), mas a sua insistência em recorrer a fades para a transição das cenas leva à conclusão que a história não tem soluções para os obstáculos que levanta – e quando Godzilla entra verdadeiramente em ação, as burocráticas lutas e o facto de termos lutado hora e meia contra o sono retiram toda a excitação do icónico momento.
Contando com momentos que, isoladamente, funcionariam às mil maravilhas num trailer promocional (como a descida dos paraquedistas, embora o filme se esqueça que já havia estabelecido que Godzilla não era um dos vilões, logo a tensão é inexistente), este novo Godzilla consegue o impossível: fazer com que a versão de Roland Emmerich seja, à sua maneira, superior. O de 1998 com certeza era idiota, mas o de 2014 é idiota... e frustrante.
Se querem ver um bom, vigoroso e divertido filme de monstros à porrada, não vão muito longe: Batalha do Pacífico manda cumprimentos.
A minha ordem de preferência para Melhor Filme:
Gravidade
12 Anos Escravo
O Lobo de Wall Street
Capitão Phillips
Philomena
Golpada Americana
Não cheguei a ver Her - Uma História de Amor, O Clube de Dallas e Nebraska a tempo deste artigo (eu sei, sou uma vergonha), mas vou tentar até à cerimónia e depois digo o que achei.
MELHOR FILME
Vai ganhar: 12 Anos Escravo
Devia ganhar: Desde que os nomeados foram anunciados que a disputa se firmou entre 12 Anos Escravo, Gravidade e Golpada Americana - e as semanas seguintes só vieram incendiar uma luta a dois, já que o filme de David O. Russell parece ter desistido do prémio máximo. E está mais do que visto que vai haver divisão entre este prémio e o seguinte. Favorito pessoal: Gravidade.
MELHOR REALIZAÇÃO
Vai ganhar: Alfonso Cuarón (Gravidade).
Devia ganhar: Aqui não parece haver grande discussão: Cuarón merece ganhar. O que ele faz em Gravidade é digno de um escultor no pleno das suas capacidades artísticas.
MELHOR ATOR
Vai ganhar: Matthew McConaughey (O Clube de Dallas)
Devia ganhar: Já foi a fase de Robert Redford (que nem nomeado foi), de Bruce Dern e de Chiwetel Ejiofor (que passou a ser o meu favorito mal vi 12 Anos Escravo). Até poderia ser o ano de Leonardo DiCaprio, mas a transformação física e o embalo ganho por McConaughey durante a temporada de prémios são o suficiente para que ele dispare como um verdadeiro vencedor antecipado.
MELHOR ATRIZ
Vai ganhar: Cate Blanchett (Blue Jasmine)
Devia ganhar: Outra sem grande discussão, já que é praticamente unânime que Blanchett está acima de todas as outras e é uma aposta segura há vários meses (e nem a vida privada de Woody Allen suavizou as hipóteses da atriz). A única que lhe poderá fazer frente será Judi Dench, mas é um cenário muito remoto.
MELHOR ATOR SECUNDÁRIO
Vai ganhar: Jared Leto (O Clube de Dallas)
Devia ganhar: Barkhad Abdi (Capitão Phillips) que ainda não está fora da disputa.
MELHOR ATRIZ SECUNDÁRIA
Vai ganhar: Lupita Nyong'o (12 Anos Escravo)
Devia ganhar: A pressão para que Jennifer Lawrence ganhe é enorme, mas a atriz já levou o ano passado por Guia Para um Final Feliz e é incompreensível como foi nomeada este ano por um papel inadequado à jovem atriz (viva o marketing!). E Nyong'o merece bem mais.
MELHOR ARGUMENTO ORIGINAL
Vai ganhar: Her - Uma História de Amor. É o favorito, simples.
Devia ganhar: Nunca substimar o poder de Woody Allen nesta categoria (se bem que as recentes polémicas não o ajudem em nada) nem o lobby de Golpada Americana, mas parece que desta vez o Oscar vai mesmo ser seduzido pela criatividade e surrealismo de Spike Jonze.
MELHOR ARGUMENTO ADAPTADO
Vai ganhar: 12 Anos Escravo
Devia ganhar: 12 Anos Escravo
MELHOR FILME LÍNGUA NÃO-INGLESA
Vai ganhar: A Grande Beleza, de Itália.
Devia ganhar: The Hunt - A Caça. Foi o único que vi e é incrível.
MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO
Vai ganhar: Frozen - O Reino de Gelo
Devia ganhar: Fácil de prever e é a aposta mais segura da noite (110% de probabilidades de ganhar!). Poderia ser a despedida em grande de Hayao Miyazaki, mas vai cair para o filme que, quanto a mim, é um dos pontos altos desta nova fornada da Disney.
MELHOR DIREÇÃO ARTÍSTICA
Vai ganhar: O Grande Gatsby
Devia ganhar: O Grande Gatsby
MELHOR FOTOGRAFIA
Vai ganhar: Gravidade
Devia ganhar: Gravidade
MELHOR MONTAGEM
Vai ganhar: Gravidade
Devia ganhar: Gravidade
MELHOR BANDA SONORA
Vai ganhar: Gravidade
Devia ganhar: Gravidade
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
Vai ganhar: 'Let It Go' (Frozen - O Reino de Gelo)
Devia ganhar: http://www.youtube.com/watch?v=0HtACLaRDk0
MELHOR GUARDA-ROUPA
Vai ganhar: Golpada Americana
Devia ganhar: O Grande Gatsby
MELHOR CARACTERIZAÇÃO
Vai ganhar: O Clube de Dallas
Devia ganhar: Eu não estou a ver a Academia a dar um prémio a um filme com a chancela Jackass... e daí...
MELHOR MISTURA DE SOM
Vai ganhar: Gravidade
Devia ganhar: Gravidade
MELHOR MONTAGEM DE SOM
Vai ganhar: Gravidade
Devia ganhar: Gravidade
MELHORES EFEITOS VISUAIS
Vai ganhar: Gravidade
Devia ganhar: Gravidade
MELHOR DOCUMENTÁRIO
Vai ganhar: The Act of Killing, somente porque é o favorito.
Devia ganhar: não vi nenhum dos nomeados.
MELHOR DOCUMENTÁRIO (curta-metragem)
Não vi nenhum dos nomeados
MELHOR CURTA-METRAGEM
Não vi nenhum dos nomeados
MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO
Não vi nenhum dos nomeados
Considerações iniciais:
1
00:30 A Hora Negra
Zero Dark Thirty
Com mais de duas horas e meia e um final que toda a gente conhece, a realizadora Kathryn Bigelow e o argumentista Mark Boal (do oscarizado Estado de Guerra) vai aos bastidores das guerras modernas e mostra que a desumanização da mesma não ocorre somente no campo de batalha. Tenso, fascinante e com Jessica Chastain a carregar o filme nas costas, 00:30 A Hora Negra é também a melhor obra sobre o pós-11/09 por não ter receio de retratar uma América que, ferida no seu orgulho, não olhou a meios para capturar Osama bin Laden – mas a que preço?
2
Gravidade
Gravity
Um injeção de esperança nas capacidades do Cinema como fábrica de sonhos capaz de transportar o público para uma experiência de imersão total, Gravidade é também um entretenimento de altíssima qualidade que só pode ser devidamente apreciado no grande ecrã.
3
The Master - O Mentor
The Master
Menos um filme sobre as polémicas dos fundamentos da religião (qualquer uma!), O Mentor é, sim, um absorvente estudo de personagens com os sensacionais Joaquin Phoenix, Phillip Seymour Hoffman e Amy Adams no topo das suas formas e a imagética irrepreensível do sempre excelente Paul Thomas Anderson.
4
The Hunt - A Caça
Jagten
Uma cuidada e apavorante análise sobre a histeria coletiva que faz perguntas difíceis sem medo de as encarar de frente, A Caça traz Mads Mikkelsen numa poderosa interpretação digna de todos os prémios.
5
Raptadas
Prisioners
Intenso e visceral, Raptadas propõe um desgastante exercício moral ao espectador enquanto acompanha a investigação minuciosa e as consequências devastadoras do maior pesadelo para um pai: o rapto de uma filha.
6
Além da Escuridão: Star Trek
Star Trek Into Darkness
A sequela do fabuloso Star Trek de 2009 é tudo o que se pede num blockbuster: inteligente, pleno de aventura, divertido, personagens cativantes e um vilão sensacional que Benedict Cumberbatch interpreta com vigor. E, claro, um sentido de espetáculo que nunca perde de vista a história que quer contar.
7
Efeitos Secundários
Side Effects
Penúltima obra do prolífero Steven Soderbergh que deixaria Alfred Hitchcock inchado de orgulho. Um thriller que começa com um casal fraturado, passa pela indústria farmacêutica e dá tantas voltas no argumento que acaba em... bom, quanto menos souberem melhor.
8
Não
No
Reconstituição da campanha para o referendo que destituiria Augusto Pinochet e filmado com fitas de vídeo U-Matic tal como se fazia nos anos 80, Não atinge um nível quase documental duma altura em que o Mundo tinha os olhos postos no Chile e ainda oferece uma trajetória dramática impecável ao seu ambíguo protagonista.
9
Rush - Duelo de Rivais
Rush
O melhor filme de Ron Howard em ano (quiçá o seu melhor até), Rush é um trepidante mergulho na temporada de 1976 da Fórmula 1 e que capta o fascínio e os perigos da prova mesmo para aqueles que nunca foram fãs (como eu). Além disso, os carismáticos James Hunt e Nikki Lauda encontram os intérpretes perfeitos nas peles de Chris Hemsworth e do incrível Daniel Brühl.
10
Django Libertado
Django Unchained
Não é Tarantino vintage, mas basta ao realizador trabalhar bem para deixar a concorrência a milhas. Django Libertado é meramente estilo dos pés à cabeça – mas, bolas, que estilo!
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-10
Gru - O Maldisposto 2
Despicable Me 2
O anterior já era uma porcaria que ripava sem dó o que de melhor tem a Pixar, mas este conseguiu a proeza de descer ainda mais baixo. História? Não existe. Momentos engraçados? Um ou dois. Personagens? Chatas. Os Minions? São fofos, mas a qualidade de um filme não se mede pela fofura do elenco secundário que existe clara e somente para vender bonecos.
-9
Os Estagiários
The Internship
Aí está: o primeiro anúncio publicitário em forma de longa-metragem que tenta estabelecer o Google como uma corporação paradisíaca, benevolente e utópica e que até pode funcionar como peça de marketing, mas, como comédia, comete um erro fatal: não tem piada.
-8
Assalto à Casa Branca
Olympus Has Fallen
Uma espécie de Die Hard na Casa Branca que não descansa enquanto não atingir os níveis mais ridículos de violência, barulho e patriotismo possíveis.
-7
A Ressaca - Parte III
The Hangover Part III
Isto era mesmo necessário?
-6
Só Deus Perdoa
Only God Forgives
O dinamarquês Nicolas Winding Refn pegou nos créditos conseguidos com Drive e aplica a mesma fórmula, embore aqui nada funcione. Os visuais imersivos e as músicas envolvem ocasionalmente e, quando estas falham (e falham muito!), somos abandonados numa história de vingança inócua, violenta apenas porque sim e um elenco completamente perdido em cena (sim, até Ryan Gosling parece não saber o que fazer).
-5
Depois da Terra
After Earth
Projeto de vaidade da parte de Will Smith para alavancar o filho como estrela, Depois da Terra até teria algum potencial não fosse pelo cada vez mais desastroso M. Night Shyamalan que é incapaz de alterar o seu estilo consoante as necessidades de cada trabalho. O resultado é o costume: um ritmo lentíssimo, prestações constrangedoras, diálogos atrozes debitados com uma opulência hilariante e um desperdício de recursos que só não chateia por percebermos que Shyamalan provavelmente já não dará mais do que isto.
-4
Hansel e Gretel: Caçadores de Bruxas
Hansel and Gretel: Witch Hunters
Até poderia ter resultado como paródia, mas o balanço final é tão agressivamente mau (em tudo: elenco, história, efeitos especiais, cenas de ação) que eu só queria apagá-lo da minha memória mal o acabei de ver.
-3
Die Hard - Nunca É Bom Dia para Morrer
A Good Day to Die Hard
Em condições normais, Die Hard 5 não estaria tão baixo nesta lista. Em condições normais, eu não teria sequer visto este filme e iria ignorá-lo como tanto lixo lançado diretamente para o mercado de vídeo. John McClaine, porém, ainda tem o poder de atrair povo à salas e lá fui eu assistir à destruição de um ídolo. Tudo o que tornava McClaine tão caro a nós (a sua vulnerabilidade e pragmatismo) é atirado janela fora num argumento que o mete a destruir metade de Moscovo atrás do aborrecido filho em intermináveis e incompreensíveis sequências de ação.
-2
Miúdos e Graúdos 2
Grown Ups 2
Um clássico cá do estaminé: Dennis Dugan atrás das câmaras e Adam Sandler à frente delas. Os dois – a prova máxima que Hollywwod inverte as leis de seleção natural – orgulhosamente desenvolvem "piadas" que envolvem urina, dejetos, homofobia, misoginia, preconceitos e tudo o que há de mais vulgar e infantil em comédia enquanto promovem valores familiares!
-1
Comédia Explícita - Movie 43
Movie 43
Eu hei-de estar até ao fim da minha vida a tentar esquecer este filme. Ou então a tentar recordá-lo para que nunca mais o veja. Todos os envolvidos direta e indiretamente com este monte de estrume recheados de estrelas a fazer as piores figuras das suas carreiras deviam estar envergonhados. Até os irmãos Lumière.
Listagem de filmes estreados em Portugal em 2013 e respetivas estrelas:
Os Miseráveis (Les Misérables)
Eu, Alex Cross (Alex Cross)
Decisão de Risco (Flight)
Guia Para um Final Feliz (Silver Linings Playbook)
00:30 A Hora Negra (Zero Dark Thirty)
Seis Sessões (The Sessions)
Django Libertado (Django Unchained)
O Impossível (Lo Imposible)
Hansel e Gretel: Caçadores de Bruxas (Hansel and Gretel: Witch Hunters)
Lincoln (Lincoln)
Parker (Parker)
Hitchcock (Hitchcock)
The Master - O Mentor (The Master)
A Descida - Parte 2 (The Descent: Part 2)
Aguenta-te aos 40 (This Is 40)
Bestas do Sul Selvagem (Beasts of the Southern Wild)
Die Hard - Nunca É Bom Dia para Morrer (A Good Day to Die Hard)
Cidade Dividida (Broken City)
Comédia Explícita - Movie 43 (Movie 43)
Força Anti-Crime (Gangster Squad)
O Último Desafio (The Last Stand)
Efeitos Secundários (Side Effects)
Mamã (Mama)
Oz: O Grande e Poderoso (Oz: The Great and Powerful)
The Hunt - A Caça (Jagten)
Jack, o Caçador de Gigantes (Jack, the Giant Killer)
Vigarista à Vista (Identity Thief)
Sete Psicopatas (Seven Psychopaths)
G.I. Joe: Retaliação (G.I. Joe: Retaliation)
Terra Prometida (Promised Land)
Esquecido (Oblivion)
Regra de Silêncio (The Company You Keep)
Um Homem a Abater (Dead Man Down)
Homem de Ferro 3 (Iron Man 3)
Não (No)
Transe (Trance)
A Noite dos Mortos-Vivos (Evil Dead)
O Grande Dia (The Big Wedding)
Viagem de Finalistas (Spring Breakers)
Assalto à Casa Branca (Olympus Has Fallen)
O Grande Gatsby (The Great Gatsby)
O Outro Lado do Coração (Rabbit Hole)
Velocidade Furiosa 6 (Fast & Furious 6)
A Ressaca - Parte III (The Hangover Part III)
Antes da Meia Noite (Before Midnight)
Além da Escuridão: Star Trek (Star Trek Into Darkness)
Mestres da Ilusão (Now You See Me)
Os Estagiários (The Internship)
Monstros: A Universidade (Monsters University)
WWZ: Guerra Mundial (World War Z)
Homem de Aço (Man of Steel)
Imperador (Emperor)
Gru - O Maldisposto 2 (Despicable Me 2)
Depois da Terra (After Earth)
Batalha do Pacífico (Pacific Rim)
Miúdos e Graúdos 2 (Grown Ups 2)
Só Deus Perdoa (Only God Forgives)
Wolverine (The Wolverine)
A Gaiola Dourada (La Cage Dorée)
O Mascarilha (The Lone Ranger)
Elysium (Elysium)
Percy Jackson e o Mar dos Monstros (Percy Jackson: Sea of Monsters)
Dá & Leva (Pain and Gain)
Jobs (Jobs)
Os Instrumentos Mortais: Cidade dos Ossos (The Mortal Instruments: City of Bones)
Kick-Ass 2: Agora É a Doer (Kick-Ass 2)
Trip de Família (We're the Millers)
Armadas e Perigosas (The Heat)
R.I.P.D.: Agentes do Outro Mundo (R.I.P.D.)
Ataque ao Poder (White House Down)
A Evocação (The Conjuring)
Isto É o Fim (This Is the End)
Rush - Duelo de Rivais (Rush)
A Chamada (The Call)
Gravidade (Gravity)
Raptadas (Prisioners)
Capitão Phillips (Captain Phillips)
Fuga (Mud)
Thor: O Mundo das Trevas (Thor: The Dark World)
The Hunger Games: Em Chamas (The Hunger Games: Catching Fire)
O Hobbit: A Desolação de Smaug (The Hobbit: The Desolation of Smaug)
Bom ano e bons filmes!
The Hobbit: The Desolation of Smaug (2013)
Realização: Peter Jackson
Argumento: Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson, Guillermo del Toro
Elenco: Martin Freeman, Richard Armitage, Ian McKellen, Orlando Bloom, Evangeline Lilly, Lee Pace, Luke Evans, Ken Stott, James Nesbitt, Stephen Fry, Benedict Cumberbatch
Qualidade da banha:
O desespero em justificar a divisão de O Hobbit em três filmes de quase três horas cada é notório em A Desolação de Smaug que, tal como o anterior, revela-se longo e arrastado para uma simplória história que consiste em levar um grupo de indivíduos do ponto A ao B. Daí que quando Bilbo vislumbra uma caverna recheada de ouro e objetos preciosos, não consegui conter o pensamento de que aquilo é o que realmente guia os produtores deste filme numa nova incursão à Terra Média.
Continuando a partir do momento em que Uma Viagem Inesperada se encerrou, A Desolação de Smaug pega novamente em Bilbo (Freeman) e nos 13 anões para levá-los basicamente ao reino dos elfos, à cidade de Esgaroth e, finalmente, à Montanha Solitária onde mora o tal Smaug (Cumberbatch), o dragão que se apoderou do reino e dos bens dos anões e que está a pedir uma vingança à medida. Enquanto isso, Gandalf (McKellen) vai para sabe-se lá onde investigar sabe-se lá o quê ao lado do insuportável feiticeiro Radagast, o que o leva a estar ausente na maior parte do tempo já que esta película sente a necessidade de fazer alguma ponte com a trilogia de O Senhor dos Anéis.
Não que precisássemos de sermos lembrados da relação entre ambas, uma vez que o compositor Howard Shore faz acompanhar os conhecidos acordes a cada aparição do Um Anel – e até Smaug se refere ao objeto como "precioso" (e Peter Jackson não se contém e repete a expressão em eco: "Precioso! Precioso! Precioso!"). O dragão, aliás, surge como o vilão ideal para a megalomania de Jackson: adepto de longos discursos e incapaz de derrotar os oponentes com facilidade, Smaug até pode ser tecnicamente impecável e contar com a voz imponente de Cumberbatch, mas não tem um décimo da densidade de Gollum ou da ameaça de Sauron – e é triste perceber que quando ele está prestes a mostrar porque é tão temido, Jackson simplesmente interrompe a película e obriga-nos a voltar daqui a um ano. Bom, ao menos isto fará com que o terceiro capítulo entre a matar e não inclua uma introdução sonolenta... a não ser que a autoindulgência de Jackson leve a melhor.
Cometendo o crime de deixar a personagem que dá título ao filme em segundo plano para dar relevância a uma mão cheia de indivíduos aborrecidos, A Desolução de Smaug perde tempo precioso (não resisti) com o ridículo Radagast, o egoísta rei-elfo Thranduil (que serve para nada) e desperdiça a boa ideia de trazer uma guerreira elfa que não existia no livro apenas para limitá-la ao mais cliché dos triângulos amorosos. Entretanto, só dois ou três dos treze anões ganham destaque de facto, com o líder Thorin (Armitage) à cabeça – e mesmo a impressão que este deixa não é das melhores visto que mostra-se um comandante de homens irritante e pouco digno do trono que almeja – enquanto os restantes só estão lá para fazer número. Já o carismático Martin Freeman tem a ingrata tarefa de carregar o filme nas costas (e consegue) mesmo sendo uma figura periférica na sua própria história.
Impressionante nos aspetos técnicos, A Desolação de Smaug conta com um design de produção espetacular que transforma Esgaroth numa espécie de Veneza de madeira e cria soluções visuais inventivas como a escadaria esculpida numa estátua imensa ou a primeira aparição do vilão sob uma montanha de moedas de ouro. Contudo, os bonecos digitais que substituem os atores são meramente passáveis e dá para perceber a sua artificialidade, o que prejudica particularmente a enérgica sequência dos barris. Neste ponto, Jackson faz plena questão que admiremos os faustosos valores de produção que teve ao seu dispor tantas são as vezes que investe no movimento de afastar a câmara para que admiremos os cenários e as paisagens – isto ao som da excessiva banda sonora que se mostra disposta a nunca dar descanso aos nossos ouvidos.
Beneficiado por ter um ritmo mais regular do que Uma Viagem Inesperada (que só ganhava vida quando Gollum entrava em cena) ainda que não disfarce o seu objetivo de "encher chouriços", O Hobbit: A Desolação de Smaug reforça a impressão que estamos a pagar para assistir a um Terra Média: As Sobras. Se o anterior, porém, era fraco, este é somente razoável – e, quem sabe, o próximo até possa ser algo memorável. É, eu sei, sou um otimista.
Mas que estes filmes precisam de umas versões reduzidas, ai isso precisam!
The Hunger Games: Catching Fire (2013)
Realização: Francis Lawrence
Argumento: Simon Beaufoy, Michael Arndt
Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Elizabeth Banks, Lenny Kravitz, Philip Seymour Hoffman, Jeffrey Wright, Stanley Tucci, Donald Sutherland, Sam Claflin, Jena Malone
Qualidade da banha:
Um erro comum em sequelas é repetir tudo aquilo que fez sucesso no original. Em vez de apostarem numa história nova que aprofunde o universo e as relações já estabelecidas, a maioria dos produtores prefere jogar pelo seguro e dar uma nova roupagem que, a rigor, não altera nada. The Hunger Games: Em Chamas, continuação do ótimo Os Jogos da Fome, não comete este erro: apesar dos heróis serem levados de volta à arena para combaterem entre si sob uma desculpa meio esfarrapada, o filme mergulha nas tensões políticas resultantes da vitória dos protagonistas na 74ª edição dos Jogos ao mesmo tempo que explora aqueles amargurados indivíduos.
Passando-se pouco tempo depois dos eventos do capítulo anterior, Em Chamas estabelece desde logo um clima cinzento e opressivo no qual Katniss (Lawrence) e Peeta (Hutcherson) deverão participar na ronda dos vitoriosos e visitar cada um dos 12 Distritos e fomentar uma farsa do romance entre os dois como forma de aplacar as sementes de revolta criadas pelas suas ações. Encarada como uma ameaça pelo ardiloso Presidente Snow (Sutherland), Katniss deve manter-se apática às mudanças que ocorrem à sua volta sob pena da sua família e o seu amado Gale (Hemsworth) serem mortos. É então que Snow, juntamente com o novo diretor dos Jogos, Plutarch Heavensbee (Seymour Hoffman), decidem alterar as regras para a edição especial dos 75º Jogos da Fome: os concorrentes serão selecionados consoante os vencedores anteriores de cada Distrito e, assim, Katniss e Peeta estão de volta à arena em que só um poderá sair vivo.
Distanciando-se do primeiro filme na maneira como retrata um Capitólio mais militarizado (mas, ainda assim, burlesco), Em Chamas não perde grande tempo com o triângulo amoroso da narrativa uma vez que há assuntos bem mais urgentes a tratar no momento (como Katniss clarifica para Gale) e os pretendentes da moça posicionam-se para auxiliá-la e não para fazer birrinhas e declarações de amor (o que dispara The Hunger Games para muitos degraus acima da péssima saga Twilight). Da mesma forma, o filme dá continuidade à sátira aos reality shows com o culto da celebridade, o voyeurismo mórbido em acompanhar detalhes da vida privada de alguém que tem uma objetiva sobre si e, claro, o facto de estes programas fabricarem uma realidade quando argumentam que estão meramente a "retratá-la" (e até o modelo da nova edição – uma espécie de “Big Brother All Stars” – toca no tema da arbitrariedade das regras destes programas onde novas decisões são tomadas pelos organizadores com o intuito de "melhorá-los").
Assim, Em Chamas não tem medo de abordar temáticas fortes e adultas para um blockbuster voltado ao público jovem: opressão, revolução, autoritarismo, segregação, controlo de informação (quando Katniss deixa de ser uma aliada valiosa aos governantes, estes não hesitam em apostar numa campanha de desinformação para denegri-la aos olhos do povo), o filme serve como alegoria onde cada um poderá projetar as suas convicções políticas – e, aqui, a mensagem de Em Chamas surge mais focada do que em Os Jogos da Fome no qual Katniss teria de basicamente sobreviver à disputa na arena e, agora, os riscos são bem maiores já que ela, mesmo não querendo, tornou-se no símbolo de uma luta. Daí que acompanhar a sua trajetória entre a submissão às ordens de Snow como forma de se proteger até à sua revolta com o totalitarismo dos governantes torna-a ainda mais complexa visto que ela abraça a luta por se aperceber do que o que está em jogo é algo bem maior do que ela.
Interpretada com entrega total por parte da talentosíssima Jennifer Lawrence, Katniss é uma figura feminina forte e determinada que não depende do sexo oposto para realizar as suas ambições pessoais. Pragmática e inteligente, ela atravessa a projeção com os olhos inchados de melancolia pela realidade triste que não consegue abandonar e pela fúria subjacente que cresce nela com o avançar dos acontecimentos. Sempre que Lawrence não está em cena (o que ocorre poucas vezes), Em Chamas sofre: há uma cena que alguém próximo quase morre e é pela atuação da atriz que a sequência comove e deixa um nó na garganta. Já Hutcherson constrói um sujeito digno do amor de Katniss e torna-se mais ativo na disputa (em Os Jogos da Fome ocorria uma inversão de papéis uma vez que Peeta era a "donzela em perigo"), Sutherland cria um vilão ameaçador somente com os seus olhares e inflexões e pausas do discurso e Philip Seymour Hoffman aposta num indivíduo ambíguo que deverá ter o devido destaque nos próximos capítulos.
Curioso por alterar a dinâmica dos próprios jogos já que os vencedores, ressentidos por terem de voltar à arena após a promessa de um resto de vida em paz, firmam alianças com os adversários, Em Chamas conta com uma realização mais cuidada da parte de Francis Lawrence que conduz as sequências de ação sem a irritante câmara tremida que prejudicou o antecessor e desenvolve um clima de urgência e perigo que assalta o espectador e nunca mais o larga. Interessante também por apostar num final em aberto do género de O Império Contra-Ataca que deixa uma vontade louca que acompanhar o que se seguirá, o filme só peca por ser mais longo que o ideal – e há um tópico de gravidez atirado lá para o meio que depois não é desenvolvido e poderia ter sido limado sem grande prejuízo.
Melancólico e sombrio, Em Chamas prova que a saga (esta sim!) The Hunger Games ainda tem bastante por explorar, mas que, para lá de toda a pirotecnia, da sátira e das mensagens políticas, o seu ponto forte é mesmo as suas personagens carismáticas com a admirável Katniss à cabeça.
Thor: The Dark World (2013)
Realização: Alan Taylor
Argumento: Christopher Yost, Christopher Markus, Stephen McFeely
Elenco: Chris Hemsworth, Natalie Portman, Tom Hiddleston, Anthony Hopkins, Stellan Skarsgård, Idris Elba, Christopher Eccleston, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Kat Dennings, Ray Stevenson, Zachary Levi, Tadanobu Asano, Jaimie Alexander, Rene Russo
Qualidade da banha:
Facto: quem não gostou de Homem de Ferro 3 provavelmente também não irá gostar de Thor: O Mundo das Trevas. Ambos sofrem do mesmo mal: excesso de piadinhas, história superficial e genérica, festival de efeitos especiais como se isso sustentasse qualquer narrativa. No entanto, eu que até gostei moderadamente da terceira aventura de Tony Stark vejo-me na posição de ter de cascar forte e feio no segundo capítulo do Deus do Trovão. Aqui não há Robert Downey Jr. a salvar a honra do convento ou boas ideias espalhadas aqui e ali (como a revelação sobre a natureza de Mandarim), embora o resultado seja praticamente o mesmo: uma oportunidade falhada.
Realizado por Alan Taylor (que comandou alguns episódios da chatíssima série Game of Thrones), O Mundo das Trevas traz Thor (Hemsworth) a corrigir os problemas que se levantaram nos Nove Reinos depois dos eventos de Os Vingadores. De volta a Asgard onde deverá ocupar o lugar de Odin (Hopkins) no trono, Thor não consegue esquecer Jane Foster (Portman) que ainda o espera passado tanto tempo. Com o aproximar de um raro alinhamento dos Nove Reinos, vários portais são abertos que levarão a que Jane tome contacto com uma força destrutiva chamada Aether e que desperta o moribundo Malekith (Eccleston), cuja missão é apoderar-se desse elemento e destruir o universo.
Escrito por três pessoas (sendo que mais duas ajudaram a elaborar a história), Thor: O Mundo das Trevas serve mais como epílogo de Os Vingadores visto que perde imenso tempo em explicações sobre o que aconteceu ao protagonista após os eventos desse filme e a fazer várias referências ao universo da Marvel. O problema é que estas menções são convenientemente esquecidas para explicar certas situações: ora, porque é que os outros heróis não auxiliam Thor já que o universo que está em causa? Porque a SHIELD não intervém para deter a destruição de Londres? E como a ponte Bifrost foi reconstruída após o final do filme anterior? Em vez disso, o filme prefere pôr Loki (Hiddleston) a incorporar o Capitão América apenas para arrancar mais gargalhadas.
Prejudicada pelo tremendo sucesso de Os Vingadores, a Marvel vê-se numa encruzilhada artística: há que dar ameaças maiores às aventuras a solo dos seus heróis, mas sem que haja o perigo de alterar o rumo dos acontecimentos gerais para que todos permaneçam essencialmente os mesmos quando atenderem ao toque de recolher de Nick Fury. Desta forma, os filmes da Marvel arriscam-se a tornarem-se peças sem identidade, meros objetos de uma linha de produção que trabalha para manter o interesse do público aceso. Não há o mínimo de tensão ou sensação de perigo em O Mundo das Trevas - mesmo quando uma ação violenta é cometida sobre Thor, percebe-se na hora que o filme arranjará maneira de reverter as suas consequências.
Incrivelmente insípido para uma obra de fantasia, O Mundo das Trevas não consegue aproveitar que o seu universo já foi estabelecido no divertido e equilibrado filme anterior e, apesar de contar aventuras que se passam em mundos fantasiosos, soa terrivelmente derivativo. De Star Wars, O Senhor dos Anéis, Alien/Prometheus e até o primeiro Tron (!), a película suga vários elementos para que a identificação seja rápida e fácil mesmo que estas não contribuam para mais nada que não a constatação da ausência de vitalidade da narrativa. Até uma ideia inventiva como a convergência dos Reinos e os saltos entre vários mundos durante uma batalha é sabotada porque os cenários visitados limitam-se a Londres, Asgard, o tal Mundo das Trevas e as montanhas de gelo vistas no primeiro filme.
De resto, é uma benção que Loki traga alguma vida à narrativa (embora não traga nada de novo) porque o vilão com as suas motivações rasas passa completamente ao lado. Tom Hiddleston, aliás, é o único do numeroso elenco que consegue tirar proveito do relativo pouco tempo de antena a que tem direito, já que os nomes sonantes vistos na relação de atores no início deste texto não fazem mais do que figuração de luxo. Entretanto, a química entre Natalie Portman e Chris Hemsworth é praticamente nula e é uma incógnita como a insossa Jane Foster arranca tantos suspiros do Deus do Trovão. Era preferível, portanto, acompanhá-lo ao lado da guerreira Sif (Alexander) e, como esta ainda viverá uns bons milénios em comparação com a humana Jane, é esperar que a terráquea morra de velhice para a deusa se fazer ao piso.
Com bons efeitos especiais e um design de produção majestoso (menos mal), Thor: O Mundo das Trevas serve como paliativo para a expectativa para a segunda reunião dos Vingadores, mas é perfeitamente dispensável.
PS: há uma cena durante os créditos finais que está relacionada com o próximo filme da Marvel, Guardiões da Galáxia, e ainda outra no final que encerra parte da história.
Gravity (2013)
Realização: Alfonso Cuarón
Argumento: Alfonso Cuarón, Jonás Cuarón
Elenco: Sandra Bullock, George Clooney e a voz de Ed Harris
Qualidade da banha:
Gravidade já seria um filme digno de ser visto – mais: apreciado – numa sala de cinema somente graças às belíssimas e arrebatadoras imagens do planeta Terra visto na perspetiva da sua órbita, pelas ações e eventos em gravidade zero e até como retrato cientificamente apurado do que se passa no espaço (ausência de som, sem oxigénio não existem explosões, etc...). No entanto, isso seria apenas uma experiência meramente sensorial que Alfonso Cuarón eleva a outro nível ao desenvolver um exercício de tensão que deixa os nervos do espectador em frangalhos. Para Cuarón, a Ciência (mesmo que ficcionada) é tão importante como o Drama – e isto é o que basta para criar um sério candidato a melhor filme do ano.
Escrito pelo realizador em conjunto com o filho, Gravidade traz dois astronautas numa missão de reparação de uma estação norte-americana que é interrompida quando são atingidos por destroços de um satélite russo e ficam isolados. Com oxigénio limitado, Ryan Stone (Bullock) e Matt Kowalski (Clooney) precisam de encontrar alguma forma de alcançar uma estação espacial chinesa ou morrerão. O que se segue são 90 minutos apavorantes em que testemunhamos a luta dos dois sujeitos contra a brutalidade da natureza.
Iniciando-se com um longo plano-sequência (marca registada do realizador) que evidencia a liberdade absoluta de movimentos que a câmara adotará em toda a projeção, Gravidade mostra Cuarón em pleno domínio das suas capacidades: em certos momentos, ele acompanha sem cortes aparentes os atores apenas para, subtilmente, aproximar-se e entrar no seus capacetes e permitir que o espectador assuma os seus pontos de vista. Noutros momentos, ele recorre a cortes secos para acentuar o choque entre a turbulência que ocorre dentro de uma estação e o seu exterior silencioso. O silêncio, aliás, é gerido com mestria já que ouvimos exatamente aquilo que os astronautas ouvem (e percebemos o isolamento a que estão fadados) e, como a destruição ocorre no vácuo, tudo ganha mais impacto pela forma impiedosa que é retratada.
Enquanto isso, o recurso ao 3D revela-se dos mais acertados desde que a tecnologia invadiu as salas com o sucesso de Avatar: a sensação de imersão na vastidão do espaço é acentuada ao mesmo tempo que se revela paradoxalmente claustrofóbica – e basta reparar que num momento estamos maravilhados com as imagens da face oculta da Terra para, logo a seguir, nos aterrorizarmos ao ver Stone a girar descontroladamente rumo ao vazio. Por outro lado, é de admirar que o fascínio com os aspetos técnicos nunca tolde a segurança com que Cuarón desenvolve a narrativa uma vez que, por mais belo que seja ver lágrimas ou chamas flutuantes, o que realmente interessa é a situação desesperadora dos dois astronautas.
Desta forma, o elenco diminuto consegue a proeza de soar minimamente tridimensional: Clooney deposita toda a confiança no seu reconhecido carisma para demonstrar Matt como alguém experiente e confiável ao passo que Bullock carrega o filme inteiro nas costas com a sua persistência face às suas inseguranças e receios – o que nos leva imediatamente a temer pela sua vida.
Com um ritmo sempre em crescendo que só deixa respirar no final da sessão, Gravidade é uma obra assombrosa que só me faz lamentar o tempo que Alfonso Cuarón demora para nos entregar os seus filmaços. Um realizador tão incrível não pode estar tanto tempo parado. E daí talvez seja isto que o torne tão especial.
La Cage Dorée (2013)
Realização: Ruben Alves
Argumento: Ruben Alves, Hugo Gélin, Jean-Andre Yerles
Elenco: Rita Blanco, Joaquim de Almeida, Roland Giraud, Chantal Lauby, Barbara Cabrita, Lannick Gautry, Maria Vieira, Jacqueline Corado, Jean-Pierre Martins, Alex Alves Pereira
Qualidade da banha:
Êxito surpresa em França e a caminho de se tornar o filme mais visto em Portugal este ano, A Gaiola Dourada deve o seu sucesso ao olhar simpático que dirige à comunidade portuguesa por terras gaulesas (e que, de certa maneira, reflete a maior parte da diáspora portuguesa) ao seguir as peripécias de uma série de personagens que, mesmo com as suas peculiaridades, nunca soam como meros artifícios para provocar o riso. É a doçura com que Ruben Alves encara aquele universo que faz com que a narrativa ressoe junto do espectador e torne a película numa agradável experiência.
Escrito pelo próprio realizador ao lado de dois colaboradores, A Gaiola Dourada foca-se em Maria (Blanco) e José (Almeida), um casal de portugueses emigrados em França há mais de três décadas. Ela trabalha como porteira num condomínio de uma bairro de Paris e ele trabalha como construtor civil e ambos são vistos pelos patrões e pela família como pessoas trabalhadoras e humildes. Quando recebem a notícia que José herdou uma quinta no Douro, o casal vê o sonho de regressar a Portugal e viver uma vida desafogada mais perto da realidade. No entanto, a decisão deles encontrará vários obstáculos: a irmã de Maria pretende abrir um negócio com ela, a filha do casal começou a namorar com o filho do patrão de José e ninguém no condomínio quer perder os seus valiosos zeladores.
Com uma galeria de personagens que abraçam todos os estereótipos atribuídos aos emigrantes, A Gaiola Dourada não permite que estes clichés os definam por inteiro: o filme até transmite a ideia de que são os próprios visados que fomentam esta ideia (os jogos de cartas, o Fado, o futebol, o bacalhau, o jogo da malha), mas não permite que estes resvalem para a caricatura, usando-os a favor da história ao evitar que estes se tornem o centro absoluto da narrativa. Da mesma forma, Ruben Alves delineia os traços gerais das personagens com imensa economia: quando a herança lhes cai do céu, José e Maria mal perdem tempo a idealizar um regresso a Portugal e imediatamente começam a pensar nas implicações que a saída de Paris traria aos demais – o que demonstra o pragmatismo do casal. Ao mesmo tempo, quando José e Maria recebem os compadres num divertido jantar que indica a perceção equivocada de ambas as famílias, José mal consegue disfarçar o desconforto por receber o chefe de trinta anos em sua casa – o que, mais uma vez, dá a entender toda uma vida dedicada à condição de subalterno sem praticamente mostrar nada (neste ponto não posso deixar de referir o hilariante momento em que Solange decide consultar a Wikipedia para se preparar para o referido jantar com a família portuguesa, o que revela o caráter sem noção da sujeita – como se ler um website substituísse a aprendizagem de uma cultura nacional).
O elenco do filme é certeiro e injeta imenso coração na história: Rita Blanco, a mais completa das atrizes nacionais, retrata todo o carinho de uma mulher devotada ao trabalho e à família ao mesmo tempo que deixa transparecer uma certa confusão despoletada pela situação; Joaquim de Almeida surge à vontade no papel de pai de família modesto e orgulhoso; Chantal Lauby rouba todas as cenas em que aparece como a despassarada Solange e o resto do elenco composto por franceses e luso-descendentes faz um bom trabalho ao tornar aquela galeria de indivíduos cativantes e minimamente interessantes. Enquanto isso, o design de produção faz um trabalho discreto mas competente: reparem como a casa dos Ribeiro está desprovida de grandes luxos ou espaços amplos como as demais do prédio, mas evoca uma familiaridade e um calor humano mais do que apropriado àquela família – sem esquecer as janelas que estão protegidas com uma grade exterior, o que faz um belo e curioso reflexo do título do filme.
No entanto, nem tudo são rosas: a simplicidade da história acaba por jogar em desfavor, já que esta se mostra sem grandes ambições – uma constatação que surge nalguns tópicos desaproveitados ou abandonados a meio como o facto de Pedro ter vergonha da sua ascendência portuguesa ou a discussão que Paula tem com os pais no tal jantar se encerrar com uma ação grave por parte de José que não gera grandes consequências. Além disso, o argumento investe numa zanga absurda entre Paula e o namorado que era resolvida com duas frases, mas que é usada para criar um conflito artificial que os separe e torne a reunir no fim da projeção. Nada disto se compara, porém, à gratuita e embaraçosa participação especial de Pauleta (sim, esse Pauleta!) que, com meros dois diálogos, prova que como ator é um excelente futebolista.
Relativamente curto e ágil nos seus pouco mais de 90 minutos, A Gaiola Dourada não é mais do que uma comédia de situação povoada por seres que provocam imediata empatia no público e que traça um retrato sensível e amigável sobre os emigrantes. Não é nenhuma obra-prima, mas isso também não lhe era pedido.
Man of Steel (2013)
Realização: Zach Snyder
Argumento: David S. Goyer
Elenco: Henry Cavill, Amy Adams, Michael Shannon, Russel Crowe, Kevin Costner, Laurence Fishburne, Diane Lane, Antje Traue, Ayelet Zurer
Qualidade da banha:
NOTA: este texto discute detalhes importantes sobre o filme (entre eles, o final), por isso aconselho a sua leitura após a visualização do mesmo. É por vossa conta e risco! Depois não digam que eu não avisei...
O grande mérito de Christopher Nolan na recente trilogia de Batman foi abandonar a tom fantasioso de Tim Burton e o Carnaval de Ovar de Joel Schumacher e devolver o super-herói às suas raízes mais sombrias ao dar uma ambientação mais verosímil a Gotham City (que refletia problemas das metrópoles atuais) e dissecar a fundo na psique conturbada de Bruce Wayne. A proposta tinha tudo a ver com a personagem: não se tratava apenas de um novo ponto de vista sobre Batman, mas aquilo era a sua essência – e quem não tinha os filmes de super-heróis em grande conta (um grupo onde não me incluía) percebeu ali que o género tinha mais profundidade, drama e engenho do que se suponha à primeira vista.
Contudo, o que funcionou maravilhosamente com o Cavaleiro das Trevas não significa necessariamente que vá funcionar com outros heróis mascarados. Basta recuar ao ano passado e ver que mais drama, mais soturnidade e mais negrume reduziram o fascinante Peter Parker a um sujeito desinteressante e enfadonho – e agora a mesma receita é aplicada ao Super-Homem nesta espécie de Superman Begins que traz a assinatura do menino bonito da Warner, Zach Snyder, ao lado de Christopher Nolan e David S. Goyer, nada mais nada menos que as mentes por detrás da reformulação de Batman. O resultado, infelizmente, está mais paraO Fantástico Homem-Aranhae menos para (esse sim fantástico)O Cavaleiro das Trevas.
Ao contrário de Batman (cuja reputação cinematográfica andava pelas ruas da amargura depois do hediondo Batman e Robin), não havia nada de errado com a abordagem anterior sofrida pelo Super-Homem. Sim, Super-Homem: O Regresso falhava no quesito da ação espetacular requerida neste tipo de obras e em não fornecer um vilão à altura dos poderes do herói (e, invariavelmente, limitava-se a Lex Luthor e à kriptonita), mas ao menos não desvirtuava a personagem e funcionava maravilhosamente como homenagem a um filme (o Super-Homem de Richard Donner) que já de si era uma carta de amor a uma das referências da cultura popular do último século. Agora não: em tempos mais cínicos o Super-Homem imortalizado por Christopher Reeve não tem lugar e, na ânsia de enquadrá-lo naquilo que Hollywood infelizmente perceciona como os desejos das plateias atuais, os produtores recriam um herói mais sombrio, afundado em dilemas e com a devida carga histérica de ação. Nada contra esta ideia, mas ao querer afastar-se tanto do que estava (e está) estabelecido sobre Super-Homem, Homem de Aço acaba por ser uma obra problemática e sisuda até ao tutano.
Iniciando-se numa Krypton perto da destruição, Homem de Aço acompanha os esforços de Jor-El (Crowe) em enviar Kal-El (Cavill), o seu filho concebido naturalmente numa sociedade tecnologicamente avançada e estratificada em que cada bebé é criado artificialmente com uma função, para a Terra de modo a salvar a sua vida e a herança da sua raça. Anos depois, Kal-El torna-se Clark Kent pela mão dos seus pais adotivos, Jonathan (Costner) e Martha (Lane), e vive angustiado por um constante sentimento de não-pertença a uma raça que não é a dele, questionando a origem dos seus poderes, que gradualmente se têm fortalecido. Ao mesmo tempo que descobre a finalidade da sua existência, o planeta é ameaçado pelo General Zod (Shannon), um terrorista de Krypton que havia sido banido antes da sua destruição, e que levará Kent a assumir de vez o papel de protetor do planeta que o acolheu.
Dominado por uma palete de cores tristes que variam entre o cinzento e o castanho, Homem de Aço é um filme drenado de qualquer resquício de vida ou alegria, já que não há um único momento de leveza ou bom humor. Aqui o assunto é ser sério. Tão sério que não há espaço para uma Lois Lane (Adams) indiferente a Clark e derretida pelo Super-Homem: em pouco tempo, a aguerrida jornalista descobre a identidade do nosso herói e auxilia-o na sua busca. É como se Goyer nos dissesse que seria absurdo demais que Lois fosse tão tapada ao ponto de não reconhecer ambos (o que é verdade) e mais vale abordar o assunto de outra forma (concordo), mas o certo é que a deliciosa dinâmica entre a jornalista e o herói desaparece e é substituída pelo, bem... vácuo.
Porém, se o filme prefere contestar determinados absurdos também não tem receio em apostar noutros tantos, como o facto de Lois aparecer em todo o lado: desde Smallville a Metrópolis (que teve a sua denominação genérica típica dos comics legendada no filme como... Metrópole!) até ser convidada inexplicavelmente a subir à nave de Zod ou acompanhar missões militares, a moça deve ser também uma refugiada de Krypton com poder de teletransporte. Enquanto isso, Jor-El dá-nos a resposta para a eterna questão "haverá vida para além da morte?" ao transformar-se numa espécie de Obi-Wan Kenobi interativo que não apenas serve de guia espiritual para o filho como também interage com seres humanos e aparelhos. E o que dizer da falta de bom senso do plano de Zod em querer destruir a atmosfera terrestre em prol da kriptoniana quando na Terra os vilões seriam semideuses e em Krypton seriam normais?
Apostando a sua primeira metade em desenvolver a trajetória de Kal-El, Homem de Aço assume o caráter de narrativa não-linear ao pontuar a sua história com flashbacks do crescimento de Clark em Smallville nos quais o seu processo de autodescoberta é rebatido por Jonathan e Martha como forma de proteger o filho do pânico que este causaria nos humanos ao confrontá-los com o desconhecido. É nestes momentos que o filme mostra como poderia ter sido excelente graças às sensíveis interpretações de Kevin Costner e Diane Lane como pais carinhosos e que tentam aconselhar Clark da melhor maneira que sabem. Isto tudo até à ridícula cena onde Jonathan é sugado por um tornado e Clark nada faz a pedido deste – um momento tão arbitrário e escusado que existe apenas para semear o conflito entre os deveres e os limites de alguém com poderes extraordinários, o que não estaria mal não fosse o caso de que qualquer pessoa, naquela situação, tentaria fazer algo para ajudar e o nosso herói nem isso.
No entanto, os bons momentos proporcionados pela infância de Clark não compensam a chatice dos eventos "atuais" onde somos obrigados a acompanhar lérias sobre a sociedade de Krypton, lições de moral do Holograma-El e as tecnicalidades sobre um Codex e uma Criadora qualquer. Mas para não esquecermos que isto é coisa séria e profunda, há que retratar os óbvios paralelismos entre a mitologia do Super-Homem e a figura de Cristo (sujeito superpoderoso que vem dos céus enviado pelo pai para nos salvar), algo que Snyder retrata com subtileza inigualável ao mostrar o herói duas vezes na posição da cruz, ao recorrer a diálogos expositivos ("Vivo aqui há 33 anos...") e a fazer com que ele se apresente aos militares diante do Sol e suspenso no ar tal e qual uma divindade religiosa. Até um momento que deveria ser arrebatador como o primeiro voo é sabotado pela banda sonora repetitiva e enjoativa de Hans Zimmer que, com os seus arranjos eletrónicos e sonoridade simplista, mostra o reputado compositor na sua pior forma.
Com um elenco que parece proibido de se rir de si mesmo tamanha é a seriedade com que encaram o universo onde residem, Homem de Aço traz Henry Cavill como um Clark Kent de expressão cansada (o que reflete a sua jornada pessoal) e que transpira confiança quando pode usar os seus poderes (principalmente depois de assumir-se como Super-Homem) o que demonstra o sucesso da sua adequação. Entretanto, o talentoso Michael Shannon chama a atenção pela sua entrega ao papel, construindo um vilão de trejeitos exagerados numa interpretação que engole o cenário, os atores, a tela e quiçá os óculos 3D. Já Amy Adams é desperdiçada como Lois Lane, uma vez que a sua graça vem da química com o Clark Kent estabelecido em Metrópolis e não da sua interação com o Super-Homem e Russel Crowe empresta dignidade e autoridade a Jor-El. Por outro lado, o staff do Daily Planet, encabeçado por Laurence Fishburne, não causa impressão alguma nem é convenientemente desenvolvido para que nos preocupemos com eles – uma constatação que chega da forma mais deprimente quando o filme perde tempo com eles a tentar escapar à destruição promovida pelos vilões.
E aqui chegamos ao ponto que poderia salvar Homem de Aço da mediocridade, mas que acaba por enterrá-lo de vez: as cenas de ação. Tirando um ou outro embate, as grandes sequências de lutas e destruição ficam reservadas para os últimos 45 minutos do filme. Usar o termo destruição é um eufemismo: o que ocorre é a devastação total. Prédios caem, veículos são esmagados, estradas são desfeitas, muitas explosões e... milhares de vítimas? O filme ignora. Tem a sua piada ver semideuses a combaterem no melhor estilo Dragon Ball Z (juro!), mas ao terceiro ou quarto desabamento já estava saturado da mesmice de sempre. A sequência alonga-se até o centro de Metrópolis virar pó e é estranho (para não dizer revoltante) perceber que, de tanto querer proteger a cidade, o Super-Homem acaba por ser diretamente responsável por praticamente arrasá-la e, no processo, matar milhares de pessoas. Ele só se preocupa verdadeiramente em salvar a prolífera Lois Lane do meio do caos e, claro, uma família ameaçada pela visão de calor de Zod – o que leva o Super-Homem a matá-lo a sangue frio. Isso mesmo: o maior herói de todos os tempos, o símbolo da esperança para a raça humana acaba por ser um assassino. A própria condução desta cena leva à impressão que esta abordagem é tão errada já que, com certeza, haveria formas mais eficazes e menos cruéis de resolver a situação. Mas depois de Metrópolis ser pulverizada à boa maneira de Michael Bay, eu já nem digo nada.
Longo, monótono e inchado de efeitos especiais cujos enquadramentos e cortes rápidos de Snyder mal deixam discernir (apesar de um ou outro raccord bem esgalhado, como a passagem da queda da nave para o navio no meio do oceano), Homem de Aço é também UM DOS FILMES MAIS BARULHENTOS QUE JÁ ASSISTI! E se acham esta frase em maiúsculas incomodativa que chegue, garanto que isto não chega aos calcanhares de ter de ouvir uma película onde até um abrir de olhos tem direito a um ultra dramático *POM!*. Porque, sabem como é, tudo agora tem de ser dramático, introspetivo e denso. A leveza e a diversão de uma aventura à moda antiga são atiradas borda fora para dar lugar a um visual sombrio, heróis desnecessariamente violentos e emoções à flor da pele tratadas com mão pesada.
Ao final de Homem de Aço, com os cidadãos de Metrópolis arrebatados e orgulhosos do seu "salvador", veio-me à lembrança um dos diálogos de O Cavaleiro das Trevas, mas com as devidas alterações: ele não é o herói que eles precisam de momento, mas é aquele que merecem.