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X-Men: First Class (2011)
Realização: Matthew Vaughn
Argumento: Ashley Edward Miller, Zack Stentz, Jane Goldman, Matthew Vaughn
Elenco: James McAvoy, Michael Fassbender, Kevin Bacon, Rose Byrne, January Jones, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult
Qualidade da banha:
Quando Bryan Singer assinou o primeiro X-Men, em 2000, as adaptações de comics (salvo raras excepções) vinham sendo tratadas como meros depósitos de infantis batalhas entre o Bem e o Mal onde nada era levado muito a sério. Com esse filme, o género deu o salto qualitativo que precisava: com uma abordagem adulta e inteligente (que foi seguida, em maior ou menor grau, nos dois capítulos seguintes) e sucesso de público, Singer cimentou o paradigma a ser acompanhado por outras obras e os comics nunca estiveram tão em voga no cinema como nos últimos dez anos.
Criados na turbulência de uma América mergulhada nas questões raciais, os X-Men servem como metáfora para qualquer minoria da sociedade: geneticamente diferentes do Homo sapiens, os mutantes possuem habilidades extraordinárias e são excluídos e odiados por muitos daqueles que juraram proteger, os humanos. Assim, Charles Xavier (Professor X) e Erik Lehnsherr (Magneto) surgem como forças antagónicas neste tabuleiro. Enquanto o primeiro age como um diplomata crente na convivência pacífica entre humanos e mutantes, o segundo, sobrevivente do Holocausto, já experienciou o pior da natureza humana e prega o domínio da sua espécie através do uso da força. A dinâmica de respeito/ódio entre os dois indivíduos e as suas ideologias era um dos pontos altos da trilogia original e é resgatada com brilhantismo nesta semi-prequela/semi-reformulação (há detalhes cronológicos que não batem certo, mas isso não é importante) da saga que se dedica aos primeiros tempos da equipa e como Xavier e Erik se conheceram. E, claro, como se desentenderam.
Iniciando-se na década de 40 ao trazer o jovem Erik (Fassbender) num campo de concentração polaco, X-Men: O Início investe boa parte da sua introdução a apresentar a juventude sofrida de Magneto às mãos do inescrupuloso Sebastian Shaw (Bacon) em função dos seus poderes – uma adolescência que é o oposto da do adolescente Charles (McAvoy), cuja família abastada lhe proporcionou estudos e diversão, o que obviamente reflecte-se na postura vivaz de Xavier por contraste ao carácter amargurado de Lehnsherr. Este passa os anos do pós-guerra fixado na ideia de encontrar o seu antigo carrasco e matá-lo, o que o levará a conhecer Xavier e a encetarem, com o apoio da CIA, uma busca por outros mutantes que possam ajudá-los a perseguir Shaw, cujos objectivos passam por inflamar as relações entre os EUA e a União Soviética.
Ao ambientar a narrativa nos anos 60, Vaughn encontra a desculpa perfeita para abraçar a estética comum aos comics, com as suas cores berrantes, salas com designs devidamente retro e uniformes absurdos e pouco práticos. Além disso, o realizador emprega acertadamente um clima que deve muito às primeiras aventuras de James Bond, seja pelo vilão de excelência representado por Bacon e os seus recursos (que submarino de luxo é aquele?) ou pelos diversos países que Erik atravessa na sua vingança pessoal (e Fassbender daria um óptimo 007). Hábil ao lidar com imensas personagens que têm o devido tempo de antena, Vaughn até pode sacrificar a acção a certo instante, mas o que perdemos em adrenalina ganhamos em complexidade das relações das personagens, o que se tornará vital para quando as espectaculares cenas de acção aparecerem, uma vez que o nosso envolvimento emocional nunca é comprometido.
Encarnando um Xavier jovial que certamente não estaríamos à espera, McAvoy transforma-o repleto de ternura, bon vivant e astuto, ainda que inexperiente, como se o seu carácter mais pacato que conhecemos (e esperaríamos ver) fosse moldado com eventos futuros. Por outro lado, Fassbender injecta rancor e ódio em Magneto, mas não o torna num vilão: impulsivo e pragmático, ele é unicamente direccionado pela sua raiva e é o seu receio em ver a História repetir-se que dita os seus actos cada vez mais violentos e impensados. Ele sabe como a humanidade pode ser cruel com aqueles que julga diferentes, ao passo que Xavier acredita na capacidade de aceitação dos humanos – e é do choque entre estas faces da mesma moeda (um simbolismo fartamente usado no filme) que vêm os melhores momentos de X-Men: O Início.
Mas não é só: recentemente nomeada ao Oscar por Despojos de Inverno, a jovem Jennifer Lawrence compõe Raven (ou Mística) como uma rapariga insegura e dividida entre viver com a sua verdadeira aparência ou resguardar-se perante a sociedade. Uma trajectória que encontra paralelo na do precoce Hank McCoy, cuja deformidade leva-o a ressentir-se de comentários alheios e a procurar desesperadamente uma cura que o encaixe naqueles que o rodeiam. Desta forma, X-Men: O Início analisa as suas personagens com sensibilidade e cuidado para que nada saia gratuito: quando Xavier se arrisca por Erik, é por que ele sabe o potencial do amigo na sua luta e, mais tarde, quando o futuro líder dos X-Men suplica ao colega para que não ceda aos seus instintos assassinos, percebemos como aquele discurso soa trágico por todo o abalo que aquela amizade sofrerá.
Divertido e recheado de personagens fascinantes, X-Men: O Início usa a crise dos mísseis de Cuba como estratégia para ancorar aquele universo na realidade e conta com um terceiro ato intenso, da qual se destacam duas cenas: a visão de dezenas de mísseis em direcção ao mesmo alvo, o que expõe a índole destruidora da Humanidade, e o belíssimo plano que acompanha o movimento de uma moeda que retrata tristemente a cisão de valores entre os envolvidos. Envolvente do início ao fim, o filme é um bom exemplo de como as malfadas prequelas não têm necessariamente de ser previsíveis (basicamente já sabemos como tudo se desenrolará) e que podem, de certo modo, providenciar novos olhares sobre acontecimentos posteriores.
Uma lição que não pode nem deve ser ignorada.