Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro (2010)
Realização: José Padilha
Argumento: Bráulio Mantovani
Elenco: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Milhem Cortaz, Seu Jorge, Tainá Müller, André Mattos
Qualidade da banha:
Em 2007,Tropa de Elitetornou-se um fenómeno no Brasil não só por ter ido parar à Internet muitos antes da sua estreia, mas também pelo retrato negro, duro e realista do combate ao tráfico de drogas. Sem fazer concessões, José Padilha exprimiu na figura do anti-herói Capitão Nascimento todas as agruras de uma guerra sem fim e de uma sociedade corrompida até à medula: competente, seguro, autoritário e seguidor do lema "olho por olho, dente por dente", Nascimento passava todo o seu aprendizado a dois possíveis candidatos ao seu lugar ao mesmo tempo que via a sua vida pessoal desabar devido à sua dedicação ao BOPE (Batalhão de Operações Especiais), os únicos capazes de entrar pelas favelas para combater o tráfico. Desta forma, não admira que Nascimento tenha sido visto como um herói por uma sociedade saturada da violência crescente e indiscriminada ou, como alguns o apelidaram, de "fascista", sem perceber que a figura que Padilha pinta é o retrato das consequências de uma vida profissional caracterizada pela tirania e abusos de força num círculo vicioso e fatal.
Sem se limitar a repetir a história do filme original, Tropa de Elite 2 adiciona novas camadas a um problema complexo e sem resolução fácil: situado vários anos após os eventos já conhecidos, Nascimento é agora Coronel e comanda uma missão fracassada do BOPE; fracasso esse agravado pelas acções do activista político de esquerda, Fraga, que desaprova os métodos da polícia de intervenção do Rio de Janeiro. Nascimento é retirado do terreno e é destacado para um cargo superior (para retrair a opinião pública que o idolatra) e Mathias, o seu antigo aprendiz, é tido como bode expiatório do falhanço da operação. Quando milícias formadas pela Polícia Municipal começam a extorquir os moradores das favelas do Rio, constituindo uma máfia implacável de campos de votos para deputados sedentos de poder, Nascimento vê-se diante de um adversário com o qual não sabe lidar: a política.
Reduzir, porém, a temática do filme à política é uma atitude preconceituosa para com o argumento complexo de Bráulio Mantovani que traça uma vasta rede de ligações entre política, comunicação social, polícia e crime organizado, acertando em todos os alvos que mira. Ao sugerir um cenário de quebra no tráfico de droga nas favelas, Tropa de Elite 2 afirma, com propriedade, que logo alguém tomaria o lugar antes ocupado por criminosos sem escrúpulos e que, agora, seriam outros indivíduos de índole retorcida a descobrirem novas formas de lucrar com o crime. Num cenário em que a hierarquia é determinada pelo grau de acções corruptas, o filme não se esquece da complacência (promiscuidade é o termo correcto) de uma comunicação social despida de valores e comprometida com facções partidárias (leia-se: grupos económicos) que a usam como arma e escudo, consoante os seus objectivos no momento – e a figura do histérico apresentador de um programa de opinião sensacionalista é a maior prova desta temática.
Enquanto isso, Wagner Moura continua a mostrar porque é um dos actores mais completos da sua geração ao carregar o filme nas costas: visivelmente mais velho e cansado, o agora Coronel pode até condenar a violência que pratica, mas admite que foi obrigado a abraçá-la para sobreviver à espiral de violência que é pago para combater. Com uma vida familiar em frangalhos, Nascimento ressente a imagem repulsiva que o filho adolescente nutre de si e não deixa de ser fascinante que ele tente conectar-se com ele através de uma luta de judo, numa acepção de que a violência o rodeia até nos actos mais intimistas. Por outro lado, o idealista Fraga surge como a outra face da brutalidade de Nascimento, com os seus discursos optimistas e eloquentes sobre direitos humanos, transparência e o fim da violência, algo que o filme trata com imenso respeito ao não retratá-lo como um obstáculo à trajectória do seu anti-herói.
Com um ritmo mais lento que o filme anterior, mas sempre intenso e denso (seja pelo confrontos verbais ou pelo choque de personalidades), Tropa de Elite 2 lança a discussão com um desfecho mais esperançoso do que seria de supor, ainda que não deixe de soar polémico: ao caracterizar políticos, polícias, comunicadores ou basicamente todos os que tenham cargos de chefia como seres com moralidades putrificadas, Padilha e Mantovani não atacam o sistema político em si, mas sim aqueles que o representam e que, ironia das ironias, são eleitos democraticamente por um povo desinformado ou, em casos mais extremos, completamente alienado da situação actual. Podemos até não viver numa sociedade com a dimensão e os problemas da brasileira, mas é inegável a universalidade desta mensagem em diferentes contextos.
Que esta lição venha numa obra espectacular e trepidante é apenas a cereja no topo do bolo.