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Sucker Punch (2010)
Realização: Zach Snyder
Argumento: Steve Shibuya, Zach Snyder
Elenco: Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens, Jamie Chung, Carla Gugino, Oscar Isaac, Scott Glenn
Qualidade da banha:
Zach Snyder é o novo menino bonito da Warner Bros.. Eu já tinha esta opinião e o seu mais recente filme, Sucker Punch - Mundo Surreal, veio apenas confirmar esta teoria. Ao lidar pela primeira vez com um argumento original, Snyder mostra o mesmo olhar acertado para planos belíssimos e evocativos que marcaram as suas obras anteriores, O Renascer dos Mortos, 300 eWatchmen(não vi A Lenda dos Guardiões). O problema é que a estética apurada não encontra reflexo na frágil história e que, pecado mortal, revela uma inacreditável insolência nos minutos finais. O que, claro, é uma pena, já que Sucker Punch revela-se uma das apostas mais insólitas e originais vindas do lado mais comercial de Hollywood e tinha potencial para ser mais do que aquilo que realmente é: uma descartável obra na qual fantasias masculinas são personificadas no grande ecrã para deleite da plateia, mas sem um escape emocional que sustente a jornada.
Quando refiro fantasias masculinas, não uso o termo por acaso: internada num hospício devido a um acidente trágico após tentar proteger a irmã de ser molestada pelo padrasto, a jovem Baby Doll refugia-se nas suas fantasias para engendrar uma fuga do local, onde será submetida a uma lobotomia em cinco dias. Assim, ela imagina estar a viver num cabaré/prisão e une-se a outras bailarinas (leia-se: outras pacientes internadas) de modo a formar uma equipa para escapar do local. Este plano consiste em várias “missões” que, novamente, são personificadas por outro tipo de fantasias de Baby Doll e que vão desde cenários de guerra, jogos de vídeo que devem muito ao fantástico ou até uma época mais futurista.
Sempre vestidas em trajes mínimos, Baby Doll e restantes companheiras surgem como objectos sexuais prontos a satisfazem a libido masculina ao mesmo tempo que são endeusadas pelo efeito que causam no sexo oposto. Num filme que leva a noção de espectáculo ao extremo (a começar pela cortina e o palco que abrem a narrativa, numa reminiscência de Moulin Rouge), certos exageros na caracterização das personagens são até justificáveis. No entanto, isto retira força à história, uma vez que nas variadas sequências oníricas que se referem às missões do grupo nós sabemos que a raparigas não correm perigo de vida, tornando as longas sequências de acção num exercício de estilo meramente sensitivo, algo que atinge o ponto de saturação na cena do comboio futurista, onde Snyder abusa da câmara lenta como se congratulasse a si mesmo por achar-se tão inventivo.
Ainda assim, a produção liberta-se sempre que entra na mente de Baby Doll ao encontrar no delírio visual o arrebatamento e a elegância que fazem de Sucker Punch uma experiência extasiante: do mundo “real” cinzento e triste, às cores vivas do cabaré com detalhes que não deixam de ter presente que o local é uma prisão, passando pelas trincheiras da Primeira Guerra Mundial e visões de zepelins e aviões militares, e acabando no castelo do dragão, tudo no filme busca a espectacularidade e a imaginação sem limites, sendo que também é divertido ver como a narrativa flui com as missões que reflectem o que se passa no cabaré que, por sua vez, reflecte o que se passa no hospício.
Com aspectos técnicos irrepreensíveis (o design de produção é deslumbrante), Sucker Punch conta com um elenco de beldades femininas que dão (muito) corpo e (pouca) alma a personagens unidimensionais, ao passo que os homens são, na sua maioria, retratados coom feios, sebosos e repulsivos, numa visão feminista que se adequa à proposta do filme. O que já não se adequa mesmo nada é o desfecho com ares filosóficos de quinta categoria e que serve tentar injectar profundidade numa narrativa que em momento algum quis parecer mais do que aquilo que é: um monumento ao talento imagético de Snyder e à sua incapacidade em perceber que uma estética primorosa não vale muito sem uma boa história por trás.