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A saga Harry Potter é um pequeno milagre nas grandes produções de Hollywood e não é preciso gostar da mesma para reconhecer méritos como a consistência mantida ao longo de sete longas-metragens, seja no núcleo de actores ou na condução da narrativa. Num meio em que a qualidade do produto é muitas vezes sabotada em prol do lucro fácil, é um regalo ver como a saga trata com imenso respeito os livros de J. K. Rowling bem como os espectadores que investiram tempo e dinheiro a acompanhá-la. Obviamente há obras melhores que outras, mas não há um exemplar realmente mau e a coesão desta extensa jornada é um dos pontos fortes das adaptações cinematográficas que, não por acaso, começaram de forma infantil (e isto não é um defeito) e, aos poucos, foram evoluindo para terrenos mais ambiciosos e sombrios. Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 1 é o culminar desta evolução: nunca os nossos heróis estiveram tão perto do perigo e em constante conflito interno, nem o Mal esteve tão próximo de atingir os seus intentos.
Após a morte de Dumbledore emO Príncipe Misterioso, Lorde Voldemort e o seu exército obtém o controlo de Hogwarts e do Ministério da Magia. Não é só o mundo mágico que está ameaçado e os Devoradores da Morte patrulham o mundo dos muggles em busca de Harry. Este, Ron e Hermione decidem terminar o trabalho de Dumbledore e encontrar os restantes horcruxes (objectos nos quais a essência de Voldemort ficou aprisionada) para derrotar o senhor das trevas. Assim, partem numa missão arriscada e desgastante que os levará ao limite das suas forças.
Dividido em duas partes por razões claramente comerciais, esta Parte 1 acaba por beneficiar com a divisão, já que dá a oportunidade de desenvolver certas situações e tornar a narrativa menos episódica (algo que afligiu a grande maioria dos filmes anteriores que sacrificavam o desenvolvimento a favor da narrativa). Desta forma, cabe ao trio de protagonistas carregar com o filme às costas e a tarefa revela-se uma tremenda vitória: todos eles se vêm afectados com os acontecimentos anteriores e aquele mundo mágico há muito que deixou de ser uma fonte de alegria e brincadeiras. Neste aspecto, Daniel Radcliffe destaca-se como nunca no papel de um Harry que acusa o peso da responsabilidade de ser o Escolhido e o quanto isso custou àqueles que ele amava (Sirious, Dumbledore) e as consequências que a sua missão tem naqueles que o rodeiam, ao passo que Rupert Grint abandona o cargo de alívio cómico renegado a Ron e adopta uma postura mais explosiva, digna de alguém que se cansa das tragédias que passaram a pontuar a sua vida e os seus.
No entanto, é Emma Watson que demonstra um colossal avanço dos filmes anteriores, recheando a sua Hermione de detalhes que a tornam ainda mais interessante. Longe da marrona de outrora, Hermione tenta sempre manter o controlo em ocasiões desesperadoras, mas vai esmorecendo aos poucos com o passar do tempo e a falta de progresso da missão (a sua entrega ao choro após um teletransporte é comovente). Neste particular, Os Talismãs da Morte: Parte 1 é eficaz ao retratar o isolamento e o cansaço em planos amplos que descortinam a tenda do trio como um ponto minúsculo no mapa e muitos serão aqueles que reclamarão da falta de acção destes momentos, sem perceberem que poucas vezes em toda a saga houve um desenvolvimento tão denso das personagens, como comprova a sensível cena da dança ao som de Nick Cave que serve como escape para todas as fatalidades que se abateram sobre o grupo.
Correctamente mergulhado numa paleta de cores escuras, frias e sem vida (obra do português Eduardo Serra), Os Talismãs da Morte: Parte 1 mais uma vez aproveita o potencial da sua história para fazer alegorias políticas ao trazer o Ministério da Magia tomado por um governo ditatorial que, como sempre acontece, usa os media como meio de propaganda e alienação de massas enquanto reprime a mínima oposição. Isto não é de admirar num realizador como David Yates: habituado a obras de cariz político, ele conduz a narrativa com a fluidez necessária, alternando cenas mais calmas com sequências mais tensas onde o perigo é cada vez mais palpável, das quais se destaca aquela passada no Ministério da Magia que é absolutamente sensacional. Ainda assim, ele não consegue evitar que a história se torne confusa para os pouco familiarizados com a saga, mesmo aqueles que só tenham acompanhado os filmes (por exemplo, a aparição de Dobby pode soar gratuita para alguns, embora isto não aconteça nos livros).
Irrepreensível nos seus aspectos técnicos, desde o design de produção (o tribunal com uma arquitectura opressora é um achado) aos efeitos especiais que, de tão bons, quase passam despercebidos, Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 1 tem o seu calcanhar de Aquiles no desfecho que, ainda que conte com um bom cliffhanger, soa abrupto e anti-climático, uma vez que todas as decisões ficam adiadas para o último capítulo, a ser lançado no Verão de 2011. Fica assim impedido aquele que poderia ser o melhor filme da saga, mas que poderá proporcionar uma óptima sessão dupla no próximo ano e um maravilhoso encerramento para Harry Potter nos cinemas.
Qualidade da banha: 16/20