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O voo final de Buzz Lightyear. As lembranças de Jessie. O sorriso de Sulley. O desespero de Marlin. O quotidiano de Bob Parr. O discurso de Anton Ego. O bailado de WALL-E e Eva. A vida a dois de Carl e Ellie. Momentos de puro brilhantismo proporcionados pelos estúdios da Pixar, cujo impressionante currículo traçou uma meta praticamente inigualável e, ironicamente, acaba por amaldiçoá-los – afinal, como manter a fasquia tão alta? O que antes era improvável tornou-se impossível. Só que a Pixar não tem medo de ousar, vai até ao infinito e mais além e, magnificamente, volta a superar-se. Toy Story 3 é o melhor, mais complexo, humano e comovente filme da casa. O que era inicialmente uma nova sequela feita para render mais uns trocos à Disney torna-se numa obra assombrosa com um coração imenso. Se a primeira e a segunda parte já mereciam o Olimpo, o que dizer agora? Nada, a não ser levarmo-nos pela montanha-russa de emoções oferecidas por Woody, Buzz, Jessie e companhia.
Ao levar-nos pela imaginação de Andy numa das suas típicas brincadeiras, Toy Story 3 evoca um agradável sentimento de nostalgia logo nos primeiros minutos. Só que os anos passaram e Andy está crescido e prestes a ir para a universidade. O seu quarto, palco que dá sentido à vida dos bonecos, já não lembra o mesmo cenário dos filmes anteriores, sendo agora forrado com posters e decorado com adereços que retratam as actuais preocupações do jovem adulto. Os brinquedos, ou melhor, aqueles que sobraram, foram confinados a permanecer num baú e a esperar qualquer momento em que o dono repare neles, algo já antecipado no final de Toy Story 2. As opções para os brinquedos passam pela doação, o lixo ou o sótão, solução que os manteria próximos de Andy. No entanto, um lapso leva-os até ao infantário Sunnyside onde surgem novos dilemas e aventuras.
Se o primeiro Toy Story era um luminoso conto sobre identidade e objectivos, a sequela ampliava o dilema e trazia a curiosa questão “o que acontece aos brinquedos quando os donos crescem?”. No terceiro capítulo, o mais sombrio e denso de todos, Woody e Buzz devem enfrentar o seu destino e reconhecer que Andy não mais brincará com eles. A temática passa agora pela morte e aceitação. Emocionalmente carentes, os brinquedos entregam-se a qualquer instante, por mais fugaz que seja, que lhes devolva a sensação de cumprimento dos seus propósitos – e não deixa de ser comovente a ansiedade do grupo ao chegar a Sunnyside, onde poderão brincar para sempre, ou o sentimento de negação de Woody que se recusa a abandonar o rapaz ao qual foi presenteado anos atrás.
Por falar em Andy, um dos grandes acertos do novo capítulo é retratar o adolescente com extrema sensibilidade. Desenvolvido a partir da relação com os seus brinquedos e da devoção que estes lhe têm, Andy passa de figura periférica a um individuo que vê nos antigos companheiros uma reminiscência de uma fase distante e mais inocente e da qual não se quer despedir totalmente – um dilema que ressoa junto a qualquer um de nós, já que envelhecer não é fácil. Se Andy terá que seguir em frente, também os brinquedos terão que fazê-lo e a separação, por mais antecipada que seja, será sempre custosa. Se eles vivem em função do dono, o que será deles quando forem deixados de parte? Sem uma razão para viver, eles deixarão de existir? Qual o sentido de continuar? É este tipo de questões profundas que elevam Toy Story 3 a um patamar mais maduro e intrincado, acima do preconceituoso argumento de que filme de animação é só para crianças.
Não que a película seja completamente depressiva; se há coisa que a Pixar faz como ninguém é divertir e emocionar na mesma medida. Assim, para cada ocasião mais introspectiva, há uma mão cheia de tiradas hilariantes, sendo que os destaques ficam por conta do efeminado Ken, a figura caricata do Sr. Cabeça de Batata ou a reprogramação operada em Buzz. Com um sentido de humor invejável, Toy Story 3 traz uma imensidão de bonecos novos, dos quais o reprimido Lotso é mais uma prova de que a Pixar faz o que a maioria dos realizadores não consegue com actores de carne e osso: personagens tridimensionais e cheias de humanidade.
Com uma narrativa fluída e valores técnicos já característicos da Pixar (Sunnyside é de uma concepção espectacular), Toy Story 3 adopta a estrutura de filme de fuga da prisão, com influências notórias de A Grande Evasão, e conta com habilidosas e emocionantes sequências de acção. O terceiro acto, em particular, é construído com uma tensão crescente e desesperadora que culmina num momento arrebatador, na qual a firmeza dos heróis perante a provável morte é admirável e tocante. Acima de tudo, a trilogia Toy Story fala sobre valores como amizade e família e, se choramos e rimos ao longo de toda a jornada, é por que nos identificamos com aquelas carismáticas personagens.
Capaz de provocar, ao mesmo tempo, sentimentos de alegria e melancolia nos seus instantes finais, Toy Story 3 fecha com chave de ouro a caminhada do estouvado Woody, do heróico Buzz Lightyear, da esquentada Jessie, do cínico Porquinho, do mal-humorado Sr. Cabeça de Batata, do fiel Slinky, do acanhado Rex e de tantos outros que nos acompanharam por três maravilhosas longas-metragens que a imaculada Pixar teve o prazer de criar.
Qualidade da banha: 20/20
PS: ainda que Toy Story 3 faça um uso discreto da dimensão adicional, a inventiva curta que o precede, intitulada Dia e Noite, vale por si só o pagamento extra dos malfadados óculos 3D.