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James Cameron é um visionário, um cineasta que parece estar sempre um passo à frente do seu tempo. A sua filmografia é relativamente curta (apenas 6 filmes anteriores - descontando Piranha 2, que o próprio não reconhece), mas todos os seus filmes são espectáculos visuais recheados de adrenalina, um dos expoentes máximos do cada vez mais raro "entretenimento com cérebro". Guardado na gaveta à espera dos avanços na área dos efeitos especiais, o argumento de Avatar voltou a chamar a atenção de Cameron nos últimos anos e após longos meses de produção, elogios que o consideravam 'revolucionário' e como o 'futuro do cinema', e grande antecipação depois de ter afundado o Titanic e estourado as bilheteiras, chega agora as salas o filme que traz o planeta Pandora como cenário principal. A experiência é realmente revolucionária: o detalhe na criação, o foto-realismo e a quase imersão que o espectador experiencia é algo do outro mundo. Pandora existe aos nossos olhos e isso é o que basta para contornar qualquer defeito.
Ou quase. Escrito por Cameron, o argumento vai buscar elementos de filmes como Pocahontas (a certa altura pensei que ia ouvir o Quantas Cores o Vento Tem...), Danças Com Lobos, O Último dos Moicanos ou A Missão para contar a história de Jake Sully, um paraplégico chamado para substituir o falecido irmão gémeo numa missão em Pandora, no ano 2156. Ele terá de controlar um corpo artificial (um avatar) desenvolvido para simular o povo Na'vi que habita o planeta e, uma vez enviado para aquela atmosfera tóxica para os humanos, terá de ganhar confiança com o povo nativo e convencê-los a deixar as suas terras serem exploradas pelos terráquos, que tem interesse num metal valioso. Chegado àquele mundo fascinante, Sully é acolhido pelos Na'vi e passa a conhecer a sua cultura através de Neytiri (por quem se apaixona), o que o fará pôr em causa os seus objectivos. Se a nível técnico Avatar é um passo gigantesco para o Cinema, a nível narrativo não podia tresandar mais a mofo.
Não que isso seja um grande problema: a trajectória de Sully é terrivelmente previsível e as personagens não fogem muito a estereótipos, mas isso não é um empecilho desde que estes sejam bem usados. Não seria num filme arriscadíssimo como este que se pediria para não se jogar pelo seguro. Porém, como realizador, Cameron continua em grande forma e o planeta Pandora, totalmente saído da sua imaginação, é a maior prova disso: retratando nos mínimos detalhes aquele ecossistema cheio de cores vibrantes e cujos habitantes vivem em comunhão com a Natureza, o realizador reserva os dois primeiros actos de Avatar para apresentar ao público um mundo imaginativo e hipnotizante. Poucos são aqueles que sabem utilizar efeitos especiais em benefício da narrativa, mas Cameron nunca vai contra os seus princípios e, apesar dos fartos efeitos gerados por computador, estes surgem sempre integrados na história e, o melhor de tudo, altamente realistas e quase simulando na perfeição a percepção do olho humano.
No entanto, é nos Na'vi que está o grande trunfo de Avatar: ao contrário de obras como Final Fantasy, Polar Express ou Beowulf, as personagens digitais - emoludas a partir das interpretações do elenco no processo conhecido como performance capture - movem-se com total fluidez e são incrivelmente expressivos (os olhos estão repletos de vida, por oposição ao olhar "morto" das personagens dos filmes acima enunciados). Os avatares de Jake Sully e Grace contêm todas as expressões faciais do seus intérpretes humanos, respectivamente, Sam Worthington e Sigourney Weaver. Isto facilita imenso a identificação do espectador com aqueles seres estranhos, uma vez que o trabalho de composição do actor acaba por ser fulcral em todo e processo e, neste particular, Zoë Saldana oferece uma estupenda actuação como a decidida, mas terna, Neytiri (algo diferente não se podia esperar de James Cameron, basta ver as mulheres duras, audazes e que rejeitam o rótulo de sexo fraco da sua filmografia: a Tenente Ripley de Aliens, a Sarah Connor de T2 ou a Helen Tasker de A Verdade da Mentira, entre outras).
Porém, como eu já referi, o argumento deixa a desejar em alguns momentos: apesar da louvável mensagem ecológica e a alegoria com vários momentos da História norte-americana (a colonização dos índios; o metal valioso remete à procura pelo ouro e, mais recentemente, ao petróleo) e não só (a época dos Descobrimentos), Cameron comete alguns deslizes em certos diálogos pavorosos e situações mal resolvidas, como o ponto de viragem numa importante batalha perto do final do filme. Por outro lado, o filme merece aplausos pela mensagem anti-Guerra e por não ter medo de retratar as forças militares norte-americanas como bestas sem escrúpulos, capazes do pior em prol de benefícios económicos.
Obrigatória a visualização a versão 3D para ter a sensação de imersão mais apurada (algo que perder-se-á com o lançamento para o mercado de vídeo e exibições televisivas), Avatar tem uma meia hora final recheada de acção trepidante, a grande especialidade do realizador afinal de contas. E apesar da tão publicitada experiência transcendental estar mais relacionada com a forma e menos com o conteúdo, Avatar é um filme que merece ser visto no cinema e, se Cameron avançar com a sequela, eu quero estar na fila da frente para voltar a Pandora.
Qualidade da banha: 16/20