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Hormonas à solta em Hogwarts

por Antero, em 16.07.09

Longe vão os tempos alegres em Hogwarts: continuando a atmosfera melancólica e desesperadora dos filmes anteriores, Harry Potter e o Príncipe Misterioso mostra o herói desencantado após a tragédia do filme anterior e com a ameaça real da volta de Lord Voldemort e dos seus Devoradores da Morte. É então que Dumbledore recruta Harry para uma arriscada missão: ele deve aproximar-se do novo professor Horace Slughorn a fim de obter uma memória deste relacionada com a juventude de Tom Riddle (Voldemort, portanto), ao mesmo tempo que deve lidar com as suas hormonas em ebulição. Enquanto isso, Draco Malfoy também vê-se incumbido de uma missão pelo Senhor das Trevas, sendo protegido e aconselhado pelo sinistro professor Snape. 

Voltando à cadeira de realizador, David Yates acertadamente mergulha o universo de Potter em sombras e escuridão, e mesmo quando o sol dá as caras, a fotografia surge em tons pálidos afastando qualquer evidência de que aquele mundo fantasioso é agora um local perigoso para viver. Com isso, a série aposta num tom opressivo que reflecte os estados de espírito das personagens principais que, alarmados com os acontecimentos recentes, surgem com um semblante demasiado carregado para adolescentes. Não que eles não actuem como tal: um dos pontos em que O Príncipe Misterioso mais investe é nos relacionamentos amorosos típicos dessa fase, acabando por exagerar na dose ao dar demasiado relevo a uma paixoneta de Weasley e à terrível falta de subtileza ao retratar os cantos de Hogwarts como locais de ‘marmelanço’. Isto poderia ser minimizado com um comentário de que os jovens, vendo-se num ambiente de guerra iminente e inquietação, tentam aproveitar ao máximo a vida, algo que é abordado nos livros (não sei se no 5º ou no 6º), mas que aqui passa ao lado. 

(Não estou a condenar o facto de adolescentes estabelecerem relações amorosas em público, isso é típico da idade. Critico é a forma como o elemento é abordado na narrativa. Basta dizer que O Cálice de Fogo – ainda o meu favorito – retrata estes mesmos aspectos de forma mais orgânica e divertida. O novo filme quase perde o foco no meio de tanto namorico e arrufos, tornando-se ocasionalmente aborrecido de acompanhar.) 

Ainda assim, O Príncipe Misterioso destaca-se por trazer duas ou três novas sequências e que vêm expandir a ameaça dos aliados de Voldemort (a ofensiva sobre Londres) e a insegurança que paira sobre Harry (o ataque à casa dos Weasley), mas, principalmente, por estabelecer uma ‘ligação’ entre Harry e o seu antagonista, Draco Malfoy. É como se este se tornasse um anti-Potter: delegado a uma missão perigosa, ele passa a carregar o peso de tamanha responsabilidade sobre os ombros (tal como Harry por ser o ‘Escolhido’), alienando-se de todos (como Harry tantas vezes esteve) com as suas dúvidas e angústias entre o dever e a sua consciência. Outro ponto forte é a relação entre Harry e Dumbledore que acaba por ditar os rumos da história. Enquanto Harry se motiva por ser parte activa contra Voldemort, quando no passado era distanciado dos perigos, Dumbledore mostra-se cada vez mais agitado ao perceber a dimensão dos planos do vilão e que, de forma directa, possibilitou a situação actual ao aceitar Riddle como aluno em Hogwarts. 

No entanto, por muito fluido que seja e por mais boas ideias que tenha, O Príncipe Misterioso não consegue esconder as fragilidades da obra em que se baseia (pessoalmente, considero o 6º livro um dos mais fracos). A história acaba por ser não trazer grandes atractivos para além do terceiro acto, o mistério do título torna-se um mero detalhe no resultado final e tudo parece ser uma grande preparação para o último tomo, algo que é salientado pela exclusão de um intenso combate em Hogwarts que ocorria no final do livro, o que não deixa de ser frustrante (apesar do mesmo voltar a acontecer, com maiores dimensões, no final da saga). Por outro lado, o enorme elenco continua irrepreensível: enquanto os actores mais jovens se mostram cada vez mais à vontade nos papéis, é nos adultos que reside a grande diversão da saga. Assim, Michael Gambon retrata a sabedoria e a humanidade de um feiticeiro poderoso e experiente como Dumbledore, Alan Rickman é perfeito como o ambíguo Snape e o seu discurso recheado de cinismo, e Jim Broadbent demonstra os ressentimentos e a vaidade de Slughorn de maneira tocante e divertida. Já para não falar do prazer que é ver actores do calibre de Helena Bonham Carter, Maggie Smith, Julie Walters, Robbie Coltrane e David Thewlis em cena, mesmo que pouco ou nada digam.

Mais violento que os filmes anteriores, Harry Potter e o Príncipe Misterioso é um capítulo com tudo no sítio certo, mas que, por azar, tinha de se basear num capítulo fraco e arrastado e, como consequência, não consegue encontrar maneiras de contornar os seus problemas. Aliás, acaba por criar outros, como o facto de escancarar a duplicidade e os motivos de determinada personagem de maneira tão óbvia, sendo que no livro isso ocorre de forma mais subtil (não posso adiantar mais do que isto, sob pena de soar spoiler). Ou então, tal como em Harry Potter e a Ordem da Fénix (livro e filme), o destino de uma certa personagem não causar o impacto devido, minimizando um dos grandes trunfos da obra literária que o originou. De qualquer forma, o filme cumpre a missão de preparar o terreno para o último capítulo, Harry Potter e os Talismãs da Morte (que será dividido em dois). Pena é que essa preparação não tenha sido a ideal.

Qualidade da banha: 13/20

publicado às 21:55



Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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