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O dia em que a Terra morreu de tédio

por Antero, em 13.12.08

 

Hollywood tem mesmo uma mentalidade peculiar, para dizer o mínimo. Basta ver esta refilmagem do clássico de ficção-científica de 1951, O Dia Em que a Terra Parou: partindo da mesma premissa, o filme actual tem muita parafernália, mas nem um décimo da espessura do antecessor. É como se um dos produtores olhasse para trás e dissesse: "este filme tem uma história engraçada e que merece ser actualizada". Ao que outro diria: "Ah! Mas a história é tão ingénua!"  e responde outro: "Não tem mal. Metemos uma carrada de efeitos especiais, chamamos um monte de gente famosa, mudamos algo aqui e ali e inserimos umas marcas em certas alturas. Ai, que já vejo o filme quase pago!". Ao que outro concordará: "É isso mesmo! E como o original já tem mais de 50 anos ninguém se lembra dele. Afinal, quem vê um filme com mais de cinco décadas?". O resultado final é um misto de O Dia da Independência, A Guerra dos Mundos e Eu Sou A Lenda. Ou seja, um filme sem identidade.

 

O filme começa em 1928, quando um explorador numa região remota e gelada do planeta toma contacto com uma esfera brilhante e, cuja origem vimos a saber mais tarde, é extraterrestre. Salto para a actualidade: uma enorme esfera aterra em Manhattan (os povos extraterrestres parecem ter uma fixação com Nova Iorque) de onde sai um ser que é atacado pelos militares norte-americanos que recebem retaliação de GORT, um robô incumbido de proteger a esfera e o tal ser. Esse ser vem a revelar-se como Klaatu, um alienígena cujo corpo é o do tal explorador - no único rasgo de originalidade desta nova versão que explica que os alienígenas já se encontravam entre nós para estudar a raça humana - que tem como missão alertar os humanos da sua extinção iminente devido aos males causados ao planeta. Cabe a Helen Benson, uma astrobióloga famosa, tentar fazer com que Klaatu mude de ideias enquanto se preocupa com o seu enteado Jacob que lamenta a ausência do pai morto um ano antes.

 

Tentando deixar a ingeniudade do original de lado (que alertava para os perigos da guerra entre os povos e isto no início da Guerra Fria), O Dia Em que a Terra Parou acaba por se revelar um filme cobarde: temos uma menção à mentalidade belicista dos EUA (que tentam resolver tudo na base dos ataques armados), mas os comentários de Jacob de que os extraterrestres deviam ser atacados soam vazios, já para não falar que um miúdo de 8 anos dificilmente reagiria com tamanha naturalidade aos factos que vão ocorrendo ao longo do filme (ataques, mortes e afins). Falando nos ataques, o filme nunca faz menção às prováveis vítimas mortais, o que é rídiculo, principalmente quando vemos a desvastação provocada no final do filme (há edifícios a serem desfeitos, mas é melhor evidenciar uma placa a ser destruída para mostrar que Nova Iorque é o alvo). Mas, acima de tudo, o mais irritante nesta refilmagem é que tudo é feito para não ferir susceptibilidades, uma vez que a mensagem ecológica de protecção do planeta fica-se pelo óbvio ("vocês fazem mal... o planeta está a morrer..."). E com isto, apesar de revelar intenções louváveis, o filme torna-se deveras aborrecido ao antecipar uma catástrofe que nunca chega, pelo menos nos moldes que é prometida. Até O Dia da Independência tem cenas de destruição em massa melhores e já lá vão 12 anos!

 

Para agravar o tédio que se instala durante a projecção existem as interpretações burocráticas de todo o elenco: desde a expressão monocórdica e os diálogos insípidos de Keanu Reeves (cuja inexpressividade do actor joga a favor dele na maior parte do filme, mas quando chega a altura de revelar alguma emoção perde-se tudo); a postura "eu-é-que-mando-aqui" de Kathy Bates; aos problemas que não interessam a ninguém do enteado de Helen interpretado por Jaden Smith (filho de Will Smith) que, basicamente, só sabe fazer beicinho; até a de Jon Hamm, cuja personagem, num constante e inexplicável desespero, parece ter sucumbido aos fantasmas interiores do seu Don Draper da sérieMad Men, passando pela expressão "só-estou-aqui-para-pagar-as-contas" de John Cleese. Assim, a única que se destaca é, como não podia deixar de ser, a lindíssima Jennifer Connelly que tenta com que a sua Helen Benson seja mais do que aquilo que se pretende: uma actriz famosa que faça de ponte entre o filme e o público, se bem que chega a certo ponto que as suas falas resumem-se ao básico "nós podemos mudar", mas aí a culpa é do argumento desajeitado.

 

Ainda assim, o filme ainda consegue revelar-se falho na sua grande aposta: os efeitos especiais. Usando e abusando de fracos efeitos por computador e do mais que evidente chroma-key, O Dia Em que a Terra Parou ainda se dá ao "luxo" de conter duas ou três cenas em que as esferas se elevam no céu e que devem ter sido desenvolvidas com o pior que o After Effects tem para oferecer. E porquê fazer de GORT um robô gigantesco se isto não tem qualquer função narrativa que inove do filme original? Resposta: para gastar mais uns milhões em efeitos especiais, embora os seus movimentos soem mecânicos e sem fluidez alguma. No fundo, maior não necessariamente significa melhor. Tal como esta refilmagem, no final de contas.

 

Qualidade da banha: 6/20

 

publicado às 16:35



Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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