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Alguns esclarecimentos:
Depois disto tudo, haveria alguém que objetivamente acreditasse que Portugal chegaria às meias-finais da competição, sendo eliminada nos penaltis pela Espanha campeã europeia e mundial? Por tudo isto, Paulo Bento está de parabéns: não se deixou abater pelas adversidades e pela desconfiança, incutiu um espírito coletivo no grupo (tínhamos grandes jogadores, mas não tínhamos equipa) ainda que com bastantes percalços pelo meio, confiou nos que tinha à disposição e estes não o deixaram ficar mal. Para mim, cujas expectativas eram pouco mais que zero, esta campanha é nada menos que excelente.
Esta Espanha pode não ter o fulgor dos últimos anos, mas não deixa de ser a Espanha que enfia no seu onze a força do Real Madrid e a magia do Barcelona. Portugal bateu-lhes o pé, anulou-lhes o jogo e fez 90 minutos sólidos em que o equilíbrio foi dominante. Depois veio o prolongamento e, aí sim, Portugal não teve pernas para os acompanhar, limitando-se a resguardar a baliza de Patrício enquanto a Espanha ia subindo e subindo no terreno. Sinceramente, a haver vencedor sem penaltis seria a Espanha: teve mais pulmão, mais cabeça e lutou mais para que o jogo não passasse do prolongamento. Portugal lutou muito e bem, mas foi inofensivo nos 30 minutos extra. Na lotaria final, alguém tinha de cair. Caímos nós. Acontece. Já estivemos do outro lado da barricada; alguma vez teria de ser ao contrário.
Não queria atirar pedras a ninguém, mas acho que alguns reparos devem ser feitos. Nani foi inconsequente durante todo o torneio. Nelson Oliveira foi pouco mais que uma aposta falhada (tem potencial, mas está na linha ténue que separa o sucesso do flop). Hugo Almeida é um inútil a atacar, mas ajudou nas tarefas defensivas e talvez tenha descoberto aqui a sua verdadeira vocação. João Pereira e Bruno Alves têm de ter mais calma a abordar certos lances (e isto não vem de agora). Paulo Bento podia ser mais ambicioso nas substituições, mas preferiu jogar em contenção e ele lá saberá. Desde o Sporting que João Moutinho não serve para marcar penaltis, mas... enfim.
E foi assim que acabou a participação no Euro 2012. Contra todas as críticas e olhares de soslaio (eu que o diga). Tudo o que espero agora é uma fase de qualificação tranquila para o Mundial 2014. Paulo Bento mostrou que há matéria-prima para isso. É que já chega da turbulenta calculadora e play-offs da treta para nos safarem.
Se há umas semanas me tentassem vender a ideia de que a Seleção Nacional seria eliminada nos quartos-de-final do Euro 2012, eu comprá-la-ia na hora. Agora, convenhamos, ser atirado borda fora por esta frágil República Checa depois de passar um grupo de dificuldade máxima seria algo difícil de engolir. Tal não aconteceu e ainda bem, mas era evitável que Portugal fizesse um jogo de nervos, sempre sobre brasas, até pela confiança injetada depois do jogo com a Holanda (e salientada por infelizes tiradas sobre supostos "traidores") e, mais do que isso, por que os checos nunca mostraram ser ameaça por aí além.
Em tempo de São João, o que mais se viu foram balões: pontapé para a frente e fé em Ronaldo (muito bom) e Nani (fraco). Das vezes que Portugal criou oportunidades foram maioritariamente de bola corrida e que, muitas vezes, acabavam numa valente estouro para a bancada. Tirando as bolas no poste de Ronaldo, uma grande defesa de Petr Cech a um remate de Moutinho e uma incursão de Nani, não há ali ninguém que atine na hora do remate. Postiga lesionou-se (GOLO!!!), entra Hugo Almeida (bolas!), o que, bem vistas as coisas, até era o ideal para o irritante chuveirinho no qual a equipa insistia. O problema é que Almeida não é jogador, é uma barata. Tonta. Perdida em campo. Há um lance cómico à entrada da área checa em que um jogador português (Ronaldo? Nani?) tem de cruzar, mas acaba por fletir para o centro por que o nosso enorme ponta-de-lança demora uma eternidade até se pôr em linha. Se Portugal não tem pontas-de-lança de jeito, por que não tentar rotinar a equipa para jogar sem ele?
Isto, porém, terá de ficar para outra altura. Paulo Bento tem levado a água ao seu moinho mesmo sem ter um plantel estrondoso à sua disposição, mostrando ser um excelente gestor de recursos ainda que à custa de muita passividade e previsibilidade na leitura do jogo (as substituições são sempre as mesmas e sempre na mesma altura). Hoje tivemos o Ronaldo que se pede, um incansável Coentrão e um sempre impecável Pepe. O resto cumpriu sem deslumbrar (onde é que o meio-campo e especialmente Moutinho fizeram um jogaço?) ou passeou sem comprometer (Nani, Postiga, Almeida, João Pereira).
Venha de lá mais uma semana de mamadas intermináveis, estatísticas da treta e anúncios insuportáveis para o CR7 e seus companheiros. Desde que Portugal ganhe, até o circo se torna um pouco (pouquinho) mais tolerável.
Depois de muitas (e merecidas) críticas, é chegada a altura dos elogios. Portugal sobreviveu ao grupo da morte e está nos quartos-de-final onde encontrará a República Checa (curiosamente, o duelo político Alemanha versus Grécia será transportado para os relvados). No jogo de todas as decisões, a Seleção disse presente e recambia a desilusão do Euro 2012 para casa: finalista do último Mundial, com uma equipa de topo e uma qualificação irrepreensível, a Holanda abandona a competição com três derrotas no bolso e prestações globalmente fracas, nomeadamente no capítulo da defesa.
Convém perceber isto pois foi por aqui (a Holanda defendeu mal e porcamente) que Portugal arrancou para uma excelente exibição coletiva – mas com o mal dos outros podemos nós bem. No entanto, nada nos primeiros dez minutos fariam prever a reviravolta: os holandeses entraram a todo o gás e, provavelmente com a memória do nosso irregular jogo com a Dinamarca, pressionavam pelo corredor onde estava Fábio Coentrão sozinho contra o Mundo e marcaram um golaço (eu nem me contive e gritei "Que grande golo!"). A partir daí, a equipa atinou de vez e desatou a criar oportunidades atrás de oportunidades que só a já crónica miserável finalização não permitiu que o marcador tomasse proporções históricas. Ao mesmo tempo, a defesa ia dando conta do recado nas poucas e assertivas vezes que o ataque holandês construía algo com pés e cabeça, mas logo a bola era recuperada e lançada para o ataque português. O golo da consolação, porém, só surgiu aos 74 minutos por um Ronaldo ao seu melhor nível – simplesmente aquele que se suplicava que aparecesse de vez. Hoje foi o dia e que jeito deu!
No geral, toda a equipa esteve bem: as perdidas de Nani acabam por não apagar a agilidade que deu ao seu flanco e mesmo que eu ache que Bruno Alves esteve algo nervoso é só por que, do seu lado, esteve um monstro chamado Pepe a ofuscá-lo. Contudo, eu noto que o rapaz até se esforça, mas Postiga é muito fraco e o rácio das suas boas opções deve de 1 para 10 (eu sei que Nélson Oliveira não tem mostrado muito mais e nem venham dizer que Hugo Almeida é solução para qualquer coisa). Felizmente, a noite foi de Ronaldo e convém esclarecer um ponto: assim como não éramos a pior equipa ontem, hoje também não somos a melhor. Se os elogios fazem sentido hoje, também as desconfianças fizeram sentido ontem. Ninguém está imune à crítica. Eu que sempre apontei que não temos um coletivo forte, hoje vi-me obrigado a repensar esta ideia. E como isto é bom, caraças!
A Seleção pode ter um coletivo sólido se trabalhar para tal. Que Paulo Bento e, principalmente, Cristiano Ronaldo saibam aproveitar este embalo e façam boa figura contra os checos. O grupo da morte fica para trás e o céu é o limite!
Primeira parte positiva de Portugal: entrou a medo, virou o controlo do jogo, marcou dois golos (um deles de Postiga!!!!!) e recuou como é apanágio das equipas de Paulo Bento e... mamou com um golo como é apanágio das equipas de Paulo Bento. Segunda parte sofrível da Seleção, a roçar o anedótico: ninguém se entendia, foi só bombear bolas, recuar e sofrer muito. Ainda assim as melhores oportunidades até pertenceram a Portugal e Ronaldo falhou inacreditavelmente um golo cantado. Golo da Dinamarca logo a seguir e quando o empate já seria um mal menor, eis que aparece Varela a falhar o domínio, mas a acertar à segunda e garantir três preciosos e sofridos pontos que, a bem da verdade, Portugal viu-se e desejou-se sem necessidade nenhuma para os arrecadar.
Se no texto anterior referi que não podemos esperar o Ronaldo de Madrid visto que a Seleção não é o Real Madrid, hoje dou a cara à chapada e retiro o que disse. Em mais um jogo infeliz de um dos melhores jogadores do Mundo, Ronaldo só desiludiu aqueles que não prestam (ou não querem prestar) atenção ao que tem sido o seu percurso de quinas ao peito. As (poucas) esperanças lusas recaem sobre os seus ombros do seu melhor jogador, algo perfeitamente natural e legítimo. O que já não é tão natural é que Ronaldo corresponda tão pouco e tenha uma atitude tão apática em campo – o que contrasta com a sua influência no colosso espanhol. Não temos um coletivo forte, mas temos um jogador capaz de fazer a diferença e que vem embalado por uma das suas melhores épocas de sempre. Sem Ronaldo na sua melhor forma (física e principalmente mental), é praticamente impossível que Portugal faça um brilharete.
Paulo Bento repetiu o onze e os resultados foram irregulares. Se o ataque desenhou boas jogadas e o meio campo (até ao segundo golo) soube controlar as operações, a defesa cometeu erros infantis (embora Pepe tenha sido o melhor em campo) e o selecionador deixou Coentrão com dois jogadores sozinhos pela frente. Já que é para defender e ser conservador, por que não ousar um pouco e substituir Ronaldo? Ah, já sei... patrocícios e tal...
Alguns pensamentos de um jogo que não vi na íntegra já que, para além de estar num delicioso convívio entre amigos, fui prestando mais atenção ao Benfica x FC Porto em hóquei em patins:
Venha a Dinamarca para ver se ainda temos uma palavra a dizer ou se a palhaçada vai acabar tão cedo quanto o previsto.
Prometheus (2012)
Realização: Ridley Scott
Argumento: Jon Spaihts, Damon Lindelof
Elenco: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Logan Marshall-Green, Idris Elba, Guy Pearce
Qualidade da banha:
Certos filmes almejam ser tão ambiciosos que acabam por dar um passo maior que a perna, espalhando-se ao comprido (o recenteCosmopolispoderá ser encaixado nesta categoria). Há outros, porém, que são eficazes em levantar questões profundas e que depois mostram as suas fragilidades ao não explorá-las a fundo – e, infelizmente, Prometheus, a prequela do seminal Alien - O 8.º Passageiro, faz parte deste grupo.
Trazendo de volta o britânico Ridley Scott ao universo e ao género que o alçou à fama, Prometheus inicia-se no planeta Terra, num passado distante, onde um alienígena humanoide comete suicídio ao ingerir uma substância líquida que o desintegra. Muitos milénios depois, no ano 2093, a nave que dá título ao filme viaja para o asteroide LV-223 com o intuito de seguir uma carta celeste descoberta pelos arqueólogos Elizabeth Shaw (Rapace) e Charlie Holloway (Marshall-Green) que preveem que a mesma os levará à origem da vida que, creem eles, terá sido arquitetada por uns seres denominados de “Engenheiros”. A tripulação, composta pelo robot David (Fassbender), a arrogante diretora Vickers (Theron) e outros que mais não são do que carne para o abate, decide então explorar uma estrutura que poderá conter as respostas que procuram, mas também perigos que eles não previram.
Dizer que Prometheus não tem ligação direta com a saga Alien não é bem verdade: para além de pegar na raça extraterrestre vista no início desse filme e dar-lhe uma mitologia própria, o filme é praticamente uma homenagem tanto ao nível do fabuloso design de produção como da fotografia que brinca com as sombras e é constituída por uma palete de cores dominada pelos tons de cinza. Além disso, repete a mesma estrutura: uma viagem a um território desconhecido e hostil, um encontro imediato e, posteriormente, a luta pelas vidas do grupo. Curioso é que, apesar de se situar muitas décadas antes do filme que deu a conhecer Sigourney Weaver, os equipamentos vistos aqui soam muito mais avançados e ergonómicos, o que é perfeitamente aceitável visto que acompanhamos uma expedição financiada pela obscura Weyland Corp. enquanto que a Nostromo de Alien era uma simples transportadora sem muitos recursos.
A nível temático, Prometheus envereda pelas grandes questões da humanidade: quem ou o que nos criou? Qual o nosso papel neste mundo? Será que temos alguma importância ou somos um ponto insignificante na imensidão do cosmos? Neste aspeto, é Elizabeth quem personifica estes questionamentos, uma vez que é a sua sede de poder que reboca a narrativa. Profundamente crente, a arqueóloga serve como contraponto à executiva Vickers cujo pragmatismo remete mais à Ciência e à constante luta para que esta se imponha sobre a Fé. É uma pena, portanto, que esta seja retratada por Charlize Theron no registo "sou fria, arrogante e má como as cobras" (culpa do argumento) quando é ela que toma as decisões mais sensatas ao longo do filme, como, por exemplo, não deixar embarcar um possível "infetado" na nave.
Por outro lado, Noomi Rapace continua a não exibir o mesmo carisma da trilogia sueca Millennium desde que pousou em Hollywood – e a sua Elizabeth, embora delineada como a nova Ripley, não possui a mesma força emocional, visto que os seus conflitos resumem-se a uma relação paterna (uma rápida aparição de Patrick Wilson) interrompida precocemente e que foi a origem para a sua personalidade devota. Claro que a figura de uma cientista que paradoxalmente se revela aberta à Fé poderia dar-lhe uma bem-vinda dose de complexidade, mas o máximo que o filme consegue é que sejam outras personagens a apontar a ironia da situação e logo esquecer o assunto, o que é uma surpresa vinda de Damon Lindelof que, como co-criador e showrunner da saudosa série LOST, soube trabalhar maravilhosamente estes tópicos. Neste particular, Michael Fassbender é o único a entregar uma prestação sólida e densa como o "sintético" David: desenvolvido à imagem do ser humano, ele é uma máquina e não possui uma "alma".
Mas o que é verdadeiramente uma "alma"? A nossa personalidade? A consciência? Algo que nos torna simultaneamente únicos e indiferenciados? Ora, David emula Peter O'Toole em Lawrence da Arábia, desenvolve gostos, consegue ser mordaz e até sorrir subtilmente quando as coisas correm como o previsto - aspetos nada característicos de uma máquina. É também por David que passam as grandes reflexões de Prometheus: vendo-se na companhia de semelhantes ao seu Criador que buscam a sua própria origem, o robot é, naquela situação, o ser humano consciente da sua evolução, algo que os tripulantes procuram a todo o custo. Assim, ele dá outra perspetiva à situação e, ao afirmar meio jocosamente que espera "não ser tão igual aos humanos", ele demonstra toda a sua desilusão pelas falhas de caráter da espécie que o criou – o que não invalida que o mesmo não possa acontecer a Elizabeth e companhia. É como se ele pensasse "como alguém tão falho pode ter criado algo supostamente perfeito e controlável?" e, assim, como esperar algo de diferente do suposto Criador do ser humano?
É triste, portanto, que Prometheus chegue ao seu ato final e deixe de aprofundar estas questões sensíveis e prefira dar espaço ao típico "corre e foge" que permeiam todas as banalidades do género. E ainda que Ridley Scott consiga manter um clima tenso ao longo de toda a narrativa (com destaque para uma aterradora cirurgia de urgência), o certo é que os últimos vinte minutos tresandam a covardia de argumentista que tem de respeitar a necessidade imperiosa de estabelecer uma franquia e futuras sequelas e, com isso, deixar as respostas pela rama ou, pior do que isso, interrompendo-as para serem abordadas futuramente. Com isto, o impacto da narrativa é posto em segundo plano para valorizar objetivos comerciais e isto é simplesmente reprovável.
Desta forma, Prometheus pode ser resumido pelo revelador diálogo entre David e Charlie, no qual o primeiro, após perguntar sobre o porquê da sua criação e ouvir um cliché como resposta ("Por que nós podemos!"), remata com um: "não seria uma desilusão ouvir algo semelhante do vosso criador?". Aparentemente, ele recomendaria que víssemos a(s) sequela(s).
ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Game of Thrones: temporada 2
Insultem o quanto quiserem, mas esta segunda temporada foi um aborrecimento terrível. Só para clarificar: eu não li os livros, não sei o que está igual, diferente ou foi adaptado, acredito que não seja fácil a transposição para o pequeno ecrã, mas Game of Thrones é uma série de televisão e é na televisão que tem de funcionar. Trazer as obras literárias para a discussão não faz muito sentido, uma vez que é pelo produto televisivo que aferimos se o trabalho final resultou ou não. Infelizmente, este segundo ano até me fez sentir mal por ter reclamado tanto datemporada anterior: a série é bem-feita, linda, cara, é da HBO, carregada de hype, promete o mundo, mas simplesmente não cumpre.
Tudo o que eu criticara antes tomou proporções gigantescas: excesso de personagens e falta de foco da narrativa. Há que dar tempo a todas em cada episódio e isso dilui o impacto dos acontecimentos. Quando a história começava a empolgar, saltavam para outro candidato ao trono e assim sucessivamente. O pior é que cada uma das narrativas paralelas parecem caminhar para lado nenhum: se já não suportava Jon Snow, vê-lo a deambular pelas montanhas com a sua patrulha atingiu o ponto de saturação. Ou Robb Stark muito revoltado com a mãe (outra que não serviu para nada) e a descobrir o seu amor por uma enfermeira. Ou então ver o chato do Theon a regressar a casa e a ter de provar o seu valor ao conquistar Winterfell. E sexo, muito sexo! E violência, muita violência! Se limassem estas cenas e desenvolvessem as personagens, talvez não fosse tão entediante.
O mais deprimente, porém, foi ver o que fizeram com Daenerys, cuja trajetória emocional havia sido um dos destaques do ano anterior que, não por acaso, encerrava com uma cena importante envolvendo a pretendente ao trono e os dragões recém-nascidos. Seria de supor que ela ganharia mais relevância, certo? Errado! Ela não faz nada a não ser andar de um lado para o outro com a lengalenga do "sou a verdadeira Rainha e preciso do vosso apoio que depois pago em dobro, juro pelo meu sangue e pelos deuses XPTO e dos que virão!" e, pelos vistos, o seu arco resume-se a arranjar um barco para uma travessia qualquer. E já não há palavras para qualificar a tremenda lata dos produtores em usar os White Walkers para atiçar os espetadores: ora, depois de abrirem a série com eles numa cena impressionante, nunca mais foram mencionados até ao final da primeira temporada para serem sumariamente esquecidos até aos últimos minutos do segundo ano. E o que dizer do delicioso Jaime Lannister que, tudo somado, deve ter aparecido por uns 5 minutos?
Por outro lado, houve histórias que conseguiram contornar estes defeitos: as partes de King's Landing com os Lannisters e as de Arya com o patriarca deste clã davam continuidade às intrigas políticas e ao clima de ambiguidade que marcaram o ano anterior, mas também sofriam do ritmo apressado e do pouco tempo de antena a que tinham direito. Não é de admirar, portanto, que o nono episódio, Blackwater, viesse como um bálsamo para as minhas queixas: focado unicamente no ataque a King's Landing e ao reinado de Joffrey, este capítulo demonstra que a solução ideal passa por incluir uma ou duas narrativas distintas em cada episódio para que o ritmo seja mais fluído e nos possamos envolver no drama das personagens (além de que foi realizado pelo talentoso Neil Marshall que imprime o tom épico que tanto faltou na restante temporada).
Resta esperar que o próximo ano faça justiça às expectativas, já que este falhou em toda a linha. Game of Thrones ainda tem de comer muita sopinha se quiser ser mais do que uma porreira, mas sobrevalorizada, série.
Cosmopolis (2012)
Realização: David Cronenberg
Argumento: David Cronenberg
Elenco: Robert Pattinson, Kevin Durand, Sarah Gadon, Jay Baruchel, Paul Giamatti, Juliette Binoche, Samatha Morton
Qualidade da banha:
Cosmopolis é uma treta disfarçada de filme profundo e que nos convida a refletir sobre as suas ideias - isto é, até percebermos que a obra em questão não vale o tempo perdido com divagações sobre os seus temas. Não é difícil perceber o que terá atraído David Cronenberg a levar o livro de Don DeLillo ao grande ecrã; incompreensível é que tenha realizado um produto que quanto mais questiona mais vazio e irritante se revela.
Eric Packer (Pattinson) é um jovem bilionário e uma verdadeira ratazana da alta finança que mete na cabeça que tem de ir cortar a cabelo. Para isso, terá de cruzar uma Nova Iorque em autêntico clima de ebulição, visto que o Presidente dos EUA e outras figuras políticas se encontram na cidade, o que dá um prato cheio para violentas manifestações de anarquistas. Sem dar ouvidos ao seu guarda-costas (Durand) que acredita que a sua vida corre perigo, Eric vai-se cruzando com diversos indivíduos, ora colaboradores profissionais ora completos estranhos, que o levarão a meditar sobre o seu rumo.
Hábil a lidar com temas que mergulham na psique humana e nos seus conflitos, Cronenberg tenta ensaiar um estudo sobre os malefícios do capitalismo desenfreado e de como a tecnologia se tornou uma máquina de fazer dinheiro que suga a humanidade de todos os agentes ao mesmo tempo que lida com um protagonista que, obviamente, representa aquele 1% da população que detém a riqueza e cuja sede de poder parece não ter limites. Eu escrevi "tenta" por que a verdade é que tudo sai ao lado: Cosmopolis quer ser tanta coisa ao mesmo tempo que se esquece de ser um filme.
As cenas sucedem-se sem a mínima coesão que não a da lógica temporal – o que já é uma proeza ao lado de personagens que se comportam de maneira absurdamente robótica e debitam diálogos atrozes ("Porque se chamam aeroportos?") e que nem respeitam as leis de uma conversa a dois: ninguém parece falar para outra pessoa, mas para si mesma, exatamente como num monólogo e, muitas vezes, sem responder ao que é perguntado. Claro que isto poderia refletir a alienação da sociedade atual e nota-se que Cronenberg tenta imprimir esta abordagem na narrativa, só que a mesma cai por terra devido à teatralidade das ações daqueles indivíduos.
Para piorar, Cronenberg retrata os manifestantes como uma turba incontrolável que, nos tempos mortos, dedica-se a invadir restaurantes com animais mortos e uma das ideias de Cosmopolis é a de que ratazanas se tornariam a nova moeda corrente – e peço desculpa por achar esta metáfora completamente indecifrável e mal explorada. Também o que esperar de um filme onde os seres humanos reagem como se fossem simulações de computador e que inclui momentos idiotas como aquele em que Eric cruza-se, no meio do trânsito, com um taxi que leva a sua esposa ou aquele em que o bilionário não esboça a mínima reação ao dispararem sobre ele, o que me leva a suspeitar que ele não se trata realmente de um humano e sim de produto de um argumento que se acha erudito e que, para ser sincero, é apenas fútil.
Claro que o elenco pouco pode fazer com personagens tão rasas: dói ver nomes como Juliette Binoche, Samantha Morton e Paul Giamatti (naquela que está mais próxima de um ser tridimensional) serem desperdiçados por diálogos sofríveis e situações irracionais e Robert Pattinson bem tenta, mas é inexpressivo e nada convincente para que consiga manter o interesse. Até o "duelo final" é boicotado pela monotonia de Pattinson e pelo fim abrupto que é dado à mesma, numa tentativa de acabar numa nota contemplativa e reflexiva que falhou em toda a linha.
Agradeço a Cronenberg o esforço em fazer-me pensar, mas o melhor é que ele pense em voltar a fazer bons filmes.