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ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Fringe 4x10: Forced Perspective
A adolescente Emily tem um problema: consegue prever quando e como alguém vai morrer. Amaldiçoada pela sua condição, ela tenta avisar os infelizes através de desenhos, embora nunca tenha sido bem-sucedida. A sua família tenta protege-la a todo o custo, mudando de cidade em cidade sempre que são reconhecidos, devido a breves experimentos feitos pela Massive Dynamic quando Emily era uma criança (tal como Olivia, para os mais distraídos). A resposta é dada por Walter: ecos temporais, acontecimentos traumáticos que "ecoam" através da linha temporal e que são "captados" pela garota antes de todos os outros.
Claro que depois de receber um aviso do Observador que iria morrer de qualquer maneira (curioso que ele tenha vestígios da Gripe Espanhola no seu ADN; talvez tenha lá a cura da SIDA também... – o que reforça a ideia de serem humanos), Olivia percebe que isto tem tudo a ver com ela mesma: estará o Destino traçado? Ou poderá ser evitado? Com o ato terrorista a ser impedido em cima da hora, Olivia tenta provar a si própria que o Observador pode estar errado, embora a explicação dada por Peter sobre a essência destes seres e como eles interagem com o Tempo de forma distinta (tal como Emily) a tenha assustado de sobremaneira. Até temos o exemplo de Peter: o facto de este não "existir" nestes universos não impediu que ambos entrassem em conflito. De certo modo, o fim seria sempre o mesmo, embora Peter esteja cá para que este não se repita. Confuso?
Detalhes do episódio que convém reter: a hipnose mais elaborada de Walter em relação à feita na primeira temporada (verde-verde-verde-vermelho – lembram-se?); Peter e o pai a trabalharem em conjunto numa solução para a Máquina do Apocalipse, já que esta variante não deverá responder a um Peter que não deveria existir; Nina Sharp a sobrepor o seu entusiasmo pela Ciência à sua ética como mãe adotiva de Olivia, o que desperta nesta uma certa desconfiança. E, obviamente, o surgimento de um novo Observador nos últimos segundos. Será Março? É que a avaliar pelo glifo desta semana...
J. Edgar (2011)
Realização: Clint Eastwood
Argumento: Dustin Lance Black
Elenco: Leonardo DiCaprio, Armie Hammer, Naomi Watts, Judy Dench, Josh Lucas, Jeffrey Donovan
Qualidade da banha:
Louve-se a coragem de um octogenário Clint Eastwood em abraçar a biografia de J. Edgar Hoover, o polémico diretor do FBI por 47 anos, com um enfoque maior na sua vida privada do que propriamente na sua trajetória no seio da agência. Os elogios, porém, ficam-se mesmo pelas intenções, visto que J. Edgar é uma obra irregular, aborrecida e – acima de tudo – cobarde. Não adianta mergulhar no Homem se é para ignorar pontos relevantes com o objetivo de suavizar a sua personalidade: Hoover era um canalha sem escrúpulos, mas Eastwood e o argumentista Dustin Lance Black (de Milk) fazem com o mesmo seja digno de pena e, de certa forma, as suas ações reprováveis tenham alguma justificação.
Retratando as várias décadas que Hoover esteve no poder do ponto de vista do próprio (que pretende registar as suas memórias), J. Edgar adota a velha dinâmica de analepses e prolepses que, surpreendentemente, acabam por não confundir o espectador, embora não consigam contornar o problema de soarem episódicas. Assim, num momento vemos um jovial Hoover (DiCaprio) a tentar implementar mecanismos mais avançados nas investigações (como a ciência forense) em plena Grande Depressão e, noutros, um envelhecido ser que relembra a sua vida, sempre com a fiel secretária Helen Gandy (Watts) a seu lado e com aquele que viria a tornar-se o seu braço direito, o advogado Clyde Tolson (Hammer), e alvo das suspeitas que de um romance entre os dois, ainda que casto.
O preocupante em J. Edgar é o facto de que, por ser uma biografia, este aprofunda pouco o seu objeto de estudo: quem era realmente J. Edgar? Por que Gandy e Tolson o acompanharam por tantos anos se ele revelasse uma pessoa mesquinha, paranóica e vingativa? Como conseguiu ele escapar por tantos anos incólume à base de chantagens de segredos sexuais dos seus inimigos políticos? Ele serviu oito presidentes; como ninguém lhe deitou a mão? As respostas, infelizmente, acabam abordadas ao de leve e o seu compromisso com o trabalho é refletido numa espécie de submissão à mãe (Dench), que quase o transforma num Norman Bates. A sua relação com Tolson, por outro lado, é construída com subtileza e com uma tensão sexual constante, mas não materializada, sendo apenas estragada por pavorosos diálogos como "teremos que almoçar e jantar juntos todos os dias, para sempre" ou um "amo-te Clyde" dito por Hoover quando o companheiro se ausenta.
Com uma óbvia palete de cores frias e cinzentas e uma iluminação que deixa várias cenas decorrerem na escuridão total (o que é péssimo), J. Edgar faz uma boa e consistente reconstituição de época, o que é notável para uma história que abarca cinco décadas distintas, mas a película espalha-se ao comprido no quesito da maquilhagem usada para envelhecer as personagens que é simplesmente medonha (DiCaprio parece um boneco de cera ambulante). E por falar no protagonista, resta dizer que o ator faz um trabalho tão calculado nos tiques e no tom de voz que soa tudo menos natural e mais como alguém desesperado por um Oscar. Já Naomi Watts surge apagada, tal como Judi Dench, e só mesmo Armie Hammer provoca alguma comoção na cena em que confronta J. Edgar e dá a entender que compreende melhor a relação entre ambos do que o seu parceiro, que basicamente recalca os seus sentimentos e impulsos (como visto noutra ótima cena em que Hoover tenta explicar a sua condição à mãe).
Sem saber o que fazer com as acusações de homofobia, racismo e misoginia que cercaram a figura do diretor após a sua morte, Eastwood passa uma esponja sobre o assunto e ainda se dá ao desplante de fazer com que J. Edgar se oponha à caça aos comunistas levada a cabo pelo execrável Senador Joseph McCarthy, como se ambos tivessem ideologias muito diferentes. Já as alegações de travestismo e homossexualidade são tratadas com outro rigor e sensibilidade, embora o veterano realizador force a mão ao retratar o quarto de Hoover como um amontoado de figuras fálicas e vestes femininas.
O pior, no entanto, é ver que J. Edgar tinha a desculpa ideal para traçar um retrato mais simpático de Hoover, já que a ideia que move a narrativa são as suas memórias (o que não isenta o filme da sua moralidade falhada, claro), apenas para arruinar tudo numa cena em que Tolson expõe várias mentiras perpetuadas por J. Edgar no livro do qual é autor – e se houve coragem para, num último fôlego, revelar o cinismo e a corrupção da sua personagem principal, por que não houve para tudo o resto?
J. Edgar Hoover foi tudo menos um coitadinho e desconfio que até o próprio desprezaria esta biografia.
Imaginemos os seguintes cenários:
Bem, de acordo com o Projeto de Lei 118, a reformulação que querem fazer à Lei da Cópia Privada vigente, os suportes de armazenamento digitais terão uma taxa extra por cada GB. A desculpa? Direitos de autor. É a forma arranjada para compensar os titulares dos direitos por eventuais casos de pirataria – que, como sabemos, tornou-se prática corrente. É mesmo assim: parte-se do princípio que somos todos culpados e vamos fazer asneiras, o que não só é uma ação de má-fé como também me cheira que seja inconstitucional.
Mas voltemos aos exemplos de cima:
É neste ponto que a porca torce o rabo. Quem é a entidade responsável pelo ressarcimento dos autores? É a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). Vejam bem: Portuguesa. Vão compensar os autores estrangeiros? E quem não está registado (sim, é preciso registo) nas suas fileiras? Não é considerado autor? Se alguém copiar este texto na íntegra sem a minha autorização e fizer um audiobook contra este Projeto de Lei, posso recorrer a vocês? E como será feito o processo de compensação? Vão dividir por todos em parcelas iguais? Ou o Tony Carreira leva mais que os Deolinda?
É que se me pedem para pagar por algo que poderei vir a fazer, gostaria de ver mais transparência do outro lado.
Para acalmar o incêndio ateado na blogosfera e nas redes sociais nos últimos dias, a SPA lançou umdocumentoque explica porcamente os pressupostos da Projeto de Lei, chegando ao cúmulo de cometer argoladas como estabelecer um padrão de consumo sem mostrar um único estudo fiável que sustente as suas afirmações (o gráfico no final do ficheiro só pode ser piada); de afirmar que a taxa será cobrada ao fabricante sem que o consumidor saia lesado (como se vivêssemos no País das Maravilhas) ou declarar que equipamentos com maior capacidade venham ser inventados futuramente, provando que desconhecem em absoluto o material que pretendem taxar. Já para não falar que, se isto for avante, o risco das compras online em países com tarifas mais suaves aumenta em flecha. Até me admira as Associações Empresariais, a DECO, uma Fnac ou uma Worten ainda não terem mostrado as garras.
Compreendo a necessidade de preservar os direitos de autor e a justa compensação por eles. A pirataria está aí em força e as indústrias de entretenimento (com a fonográfica à cabeça) levam tareia de todos os quadrantes. E percebo a posição de certos autores em"subscrever"um abaixo-assinado, embora eu creia que muitos deles nem estão verdadeiramente inteirados sobre isto e estejam a ser mal aconselhados.
Não é a aprovar esta Lei abusiva, leviana e imbecil que se resolve a questão da pirataria. Sim, da pirataria, que isto relaciona-se com tudo menos com direitos de autor. Esta não é a melhor forma de lidar com ela, ainda mais com o lobby nojento da SPA e as suas desculpas esfarrapadas.
No entanto, o mais deprimente é que, na mesmanotícia, lemos que todos (TODOS!) os partidos representados na Assembleia da República deram feedback positivo ao Projeto de Lei. Para nos complicar ainda mais a vida, já sabem remar todos para o mesmo lado.
Ide mas é...
The Descendants (2011)
Realização: Alexander Payne
Argumento: Alexander Payne, Nat Faxon, Jim Rash
Elenco: George Clooney, Shailene Woodley, Amara Miller, Judy Greer, Beau Bridges, Matthew Lillard, Robert Forster
Qualidade da banha:
O espectador que entrar na sala de cinema para ver a nova obra de Alexander Payne à espera de uma comédia que os faça gargalhar abundantemente, é por que não tem prestado atenção à carreira do realizador. Mais interessado em fazer estudo de personagens do que em arrancar risos do público, Payne desenha indivíduos normais com preocupações triviais - e, por isso mesmo, profundamente humanas. Em Eleição era a ambição de Tracy Flick; em As Confissões de Schmidt era a crise de terceira idade de Warren; em Sideways era a dependência alcoólica de Miles: seres solitários, alienados daquilo que os rodeia e propensos a desvalorizar as suas qualidades ou tudo o que já haviam conquistado. As ocasionais gargalhadas surgiam naturalmente devido à nossa identificação com o drama daquelas personagens que, de certo modo, projetam as nossas próprias dúvidas.
Baseado no livro da havaiana Kaui Hart Hemmings, Os Descendentes traz George Clooney como Matt King, um advogado que mora no Havai e que é o único depositário de um fundo familiar que abrange 25 mil hectares na ilha de Kauai. Quando a família está prestes a firmar um acordo de venda do terreno, a esposa de Matt sofre um acidente de barco e entra em estado de coma. Matt, cuja relação com a parceira não era das melhores, deve então cuidar das duas filhas, a jovem Scottie (Miller) e a adolescente rebelde Alex (Woodley), que nunca foram muito próximas do pai, enquanto lida com o negócio que renderá uma fortuna ao seu clã e tem de decidir se desliga ou não o suporte de vida que mantém a sua esposa.
Usando os cenários do Havai não como postal ilustrado, mas sim para pontuar o clima que quer imprimir no filme, Payne insere as suas personagens num ambiente tropical, mas os seus conflitos são tudo menos pitorescos: Matt tenta reaproximar-se das filhas após o acidente da esposa, mas ironicamente é esta casualidade que os unirá naturalmente e sem recorrer a situações forçadas (não há cá provas desportivas ou musicais para ultrapassar) – o mundo de Matt desaba de vez quando fica a saber do duradouro caso extraconjugal e fica obcecado em saber mais sobre a traição do cônjuge. A partir deste ponto, os incidentes sucedem-se espontaneamente e respeitando os carateres daqueles indivíduos.
O curioso é que nenhum deles é fundamentalmente má pessoa: Brian (Lillard), o amante, poderia ser encarado como um rival de Matt, mas é apenas um homem de família comum que trai a esposa e arrepende-se disso. Mesmo o sogro de Matt, Scott Thornson (Forster), é carrancudo e antipático para com o genro (mas sem exageros) como qualquer sogro seria e isso deriva mais da sua preocupação com a filha (e as suas escolhas) do que propriamente de um choque de personalidades. Até Alex deixa rapidamente os seus lapsos de rebeldia de parte por perceber a gravidade da situação do pai e Scottie é protegida por todos por ainda não ter maturidade suficiente para assimilar o que se passa à sua volta, exatamente como alguém faria com uma criança de tenra idade. Mesmo o estouvado Sid revela-se alguém com uma sensibilidade insuspeita com o decorrer da história.
No entanto, é o cuidado com que Matt é desenvolvido que garante o sucesso de Os Descendentes: ator com um carisma inesgotável, Clooney faz com que simpatizemos instantaneamente com Matt e, apesar de ser um pai ausente e um marido distante, compreendamos a complicada situação para que foi atirado. A sua demanda em tentar atingir algum tipo de resolução antes que a esposa faleça é comovente e Clooney é sensível ao retratar o desgaste dos seus problemas emocionais e familiares e, melhor ainda, tem a inteligência de transparecer uma subtil ambiguidade na cena em que questiona os sentimentos de Brian pela sua esposa: se ele o faz para saciar a sua curiosidade sobre um possível futuro da relação entre os dois, por outro lado percebe que a mesma estaria sempre destinada ao fracasso por causa do estado clínico dela (saber a resposta nunca faria a diferença). Um papel que só poderia recair num experiente ator e um erro de casting aqui poderia pôr tudo em causa.
Payne acompanha todos estes intervenientes de maneira fluida e sóbria: vemos em detalhes a vida emocional de Matt em cacos e percebemos as implicações que envolvem o processo de venda dos terrenos – e, sem forçar muito, Payne mostra-nos que ambas estão intimamente ligadas. Além disso, o realizador tem algumas boas ideias como aquela em que ele desce a câmara para dentro de uma piscina e segue a reação de Alex à notícia do acidente trágico. Com uma lição de moral já batida, mas bem empacotada, Os Descendentes encerra-se numa nota esperançosa e acreditamos que as provações que aquele lar passou nos últimos dias poderão ser ultrapassadas: basta que permaneçam unidos.
ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Fringe 4x09: Enemy of My Enemy
Título mais apropriado era impossível. David Robert Jones firma-se como a grande ameaça aos dois universos e consegue aquilo que eu suplicava desde o início da temporada: ver os dois Lados a trabalhar em sintonia total em prol do bem de todos. O que não será fácil, uma vez que Jones conta com o Broyles de lá e a Nina Sharp prontos a sabotarem qualquer iniciativa da Divisão Fringe. Só que está lá Peter a fazer a diferença, a variável com que Jones não contava, a deixar os seus planos de regresso para outra altura e disposto a ajudar as Olivias, os Lees e os Walters.
E por falar em Walter(s), acho sensacional como Walternate, visto como o grande vilão da série, reformulou-se para um indivíduo capaz de deixar rancores e mágoas antigas para trás e focar-se essencialmente em proteger o seu universo, percebendo, no processo, que uma aliança é inevitável e será a melhor forma de combater Jones. Walter, porém, recebe a inesperada visita de Elizabeth que, à sua maneira, torna-se a tulipa branca que o cientista encarou como um sinal de redenção (num dos melhores episódios da série) e este decide ajudar o "filho" a regressar ao seu lugar. No final, ficamos com a clara perceção de que a nossa Olivia será fundamental aos planos de Jones. Será que as injeções patrocinadas por Nina revelarão os seus poderes originados pelos testes de cortexiphan (que, nesta realidade, Olivia não chegou a concluir)? Será que Jones os usará para poder cruzar universos mais facilmente e sem sofrer danos colaterais?
Quem tinha dúvidas quanto aos rumos de Fringe na quarta temporada, pode começar a fazer as pazes com esta linha temporal.
The Girl with the Dragon Tattoo (2011)
Realização: David Fincher
Argumento: Steve Zaillian
Elenco: Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgård, Robin Wright, Steven Berkoff, Joely Richardson
Qualidade da banha:
NOTA: não posso avaliar a fidelidade da trilogia Millennium em relação às obras literárias que lhe deu origem, uma vez que não as li. Sendo assim, qualquer comparação terá como base a trilogia cinematográfica sueca, falada sucintamenteaquieaqui.
Havia necessidade de Hollywood adaptar os livros do falecido Stieg Larsson quando estes foram levados ao grande ecrã há meros dois anos e que foram um sucesso em todo o Mundo? No aspeto comercial, há sempre necessidade: como os norte-americanos são avessos a legendas, é preferível refazer tudo por um balúrdio do que gastar um ou dois milhões de dólares a adquirir os direitos do original, legendá-lo e distribui-lo. Esta lógica distorcida dita os rumos da indústria há décadas e é mais uma prova da sua falta de criatividade. Por outro lado, do ponto de vista artístico, esta nova versão de Os Homens que Odeiam as Mulheres é perfeitamente válida e tem os seus méritos, embora não seja assim tão superior à película sueca que a antecedeu.
Primeiro capítulo da trilogia Millennium, Os Homens que Odeiam as Mulheres traz o jornalista Mikael Blomkvist (Craig) caído em desgraça após perder um processo em tribunal por difamação contra um influente empresário. Decidido a afastar-se do cargo de editor da revista Millennium e com as finanças arruinadas, Mikael aceita o convite de um velho industrial do norte da Suécia, Henrik Vanger (Plummer), para que se instale na sua moradia e desvende um mistério com 40 anos: o desaparecimento da sua sobrinha-neta, Harriet, que ele acredita ter sido morta por alguém do seu clã. Enquanto isso, Lisbeth Salander (Mara), uma analista e pirata informática que já investigara o passado de Mikael, vê a sua já tumultuosa rotina virar do avesso com o colapso do seu tutor legal e terá uma nova oportunidade quando for recrutada para ajudar na investigação da morte de Harriet.
Escrito pelo experiente Steve Zaillian a partir do livro de Larsson, o argumento mantém a ação na Suécia fria e melancólica do original, uma decisão acertada que visa conservar a ambientação sombria que rodeia as personagens ao mesmo tempo que respeita e explora o grande tema da trilogia: o peso do passado. Tal como aqueles indivíduos vivem em conflito por causa de atos obscuros que vivenciaram, a própria Suécia, país dito evoluído e estável, tem os seus esqueletos no armário refletidos na ascensão do clã Vanger e as suas ligações antigas ao partido Nazi (embora não deixe de ser curioso ver atores de Hollywood a interpretarem suecos que se expressam em inglês com sotaque).
Objeto mais cinematográfico que o original (que era notoriamente um produto televisivo), Os Homens que Odeiam as Mulheres é menos explícito e violento e, aqui sim, podemos afirmar que é um filme "americanizado", mas que não deixa de retratar mortes, torturas e violações – e fugir destes tópicos seria trair a essência da história. David Fincher, habituado a estas andanças, faz um bom trabalho a conduzir uma narrativa intrincada e a estabelecer um clima soturno de perigo e mistérios que inquieta e fascina na mesma medida. No entanto, Fincher não consegue escapar a um terceiro ato que se estica para lá do ideal (algo que já afligia o original) e que a resolução se dilua num sentimentalismo que não combina com o que viramos antes (e isto não acontecia no filme sueco), mas estou tentado a perdoar-lhe estes percalços apenas pela ótima ideia de usar uma cover da Immigrant Song dos Led Zeppelin no brilhante genérico inicial.
E se a narrativa é intrigante, muito deve às suas personagens e ao cuidado com que estas são desenvolvidas: Mikael não é um indivíduo isento de falhas, mas é o seu apego à verdade que guia as suas ações, o que condiz com o seu perfil investigativo. Metódico e altamente racional, ele faz as perguntas certas sem temer as respostas e agarra-se aos factos mesmo quando o caso começa a ameaçar a sua segurança pessoal. Vanger, por outro lado, surge como um idoso vivido que respeita e acarinha os laços familiares e até encara com bom humor as zangas entre os seus, embora deixe transparecer uma certa paranoia e desgaste por uma questão que o consome há décadas, ao passo que Robin Wright, numa participação pequena, demonstre imenso profissionalismo como colaboradora de Mikael na Millennium sem deixar que a saúde financeira da revista a impeça de se preocupar com o colega e amante ocasional.
E eis que chegamos a Rooney Mara e à sua Lisbeth Salander, o centro emocional da história. Com uma existência marcada pela violência, Lisbeth sofreu abusos de todos aqueles que exerciam algum tipo de autoridade sobre ela e não é de admirar que ela adote uma postura defensiva (quase autista, diria) em relação àqueles que a rodeiam – não por acaso, ela traz tantas marcas (tatuagens, piercings) no corpo e se comporte como uma marginal, apenas encontrando conforto nas suas atividades ilícitas e em encontros sexuais fugazes. Em contrapartida, há algo de vulnerável na sua pessoa, como se ela estivesse em constante busca por alguma paz interior que acalme as suas experiências e é na parceria que se desenvolve com Mikael que ela se depara com alguém em quem pode confiar plenamente. No original, a sua impressão positiva sobre Mikael surge aquando a sua investigação privada; aqui, cresce naturalmente à medida que o caso avança. É um papel de total entrega de Mara, com uma transformação física que só encontra paralelo na intensidade com que é levada ao ecrã. Os seus esforços só perdem pelo fator novidade, já que a visceral prestação anterior de Noomi Rapace foi marcante e ainda está fresca na memória.
Mesmo sem abordar a fundo no passado de Lisbeth (uma curta menção e só) que será o estopim dos capítulos seguintes, Os Homens que Odeiam as Mulheres está uns furos acima da película sueca que a precedeu e deixa excelentes indicações de que poderão levar os próximos filmes a outro nível, algo que os originais falharam redondamente. Quando Hollywood pensa e executa com cuidado, só podemos esperar coisas boas.
ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Fringe 4x08: Back To Where You've Never Been
Primeiro episódio do ano de Fringe, audiências péssimas e a Máquina do Cancelamento promete ser mais aterradora que a Máquina do Apocalipse. Tudo por que este reboot que deram à série mostra-nos novas camadas numa estrutura narrativa pensada ao pormenor: este quarto ano é análogo à primeira temporada. E nada como brincar com todas as possiblidades de novos universos sem cair na repetição, como as variações das personagens que já conhecemos, mas que surgem frescas aos nossos olhos, com outras motivações embora sejam, essencialmente, as mesmas. Será uma pena se a série for cancelada antes de atingir todo o seu potencial.
Depois de receber uma nega de Walter em ajudá-lo a voltar para "casa" (numa ótima cena onde John Noble brilha ao recordar o suicídio da esposa), Peter decide invadir o Lado D para pedir auxílio a Walternate, mas Lincoln e Olivia têm outros planos e decidem ajudá-lo de maneira a reunirem provas que sustentem a tese que o outro universo é o responsável pelos transmorfos 2.0. Do lado de lá, as coisas complicam-se para Lincoln e Peter é reconhecido pela sua "mãe" (noutra ótima cena) que o leva a Walternate. Este revela-se tudo menos o responsável pela variante dos transmorfos e até daquele lado a infiltração destes seres em altas cúpulas atingiu dimensões alarmantes. Walternate promete ajudar Peter se este colaborar a resolver esta conspiração, algo que Peter relutantemente aceita.
Em mais uma demonstração de que a história desenvolve-se a partir de ideias já vistas, porém com novas nuances, é o facto de trazer novamente David Robert Jones, o tal da organização ZFT (lembram-se?) e morto no final da primeira temporada (é ele a quem Peter se refere quando diz que matou um sujeito ao desativar o portal), como o autor por trás dos planos com os transmorfos, embora seja improvável que estejam relacionados diretamente com William Bell, já que este não deverá aparecer mais devido à recusa de Leonard Nimoy. E quais serão os seus motivos? Estarão novamente ligados com a Massive Dynamic? Sabemos que o Broyles do Lado D (Droyles?) trabalha com ele e "deste" lado? E como e porquê Setembro foi baleado e, mais importante, que quis ele dizer ao afirmar que em todos os futuros possíveis Olivia terá de morrer? Como assim? A morte dela é essencial na resolução de tudo? Só esta Olivia ou todas as existentes?
Confesso que já tinha saudades de me debruçar sobre questões assim. Ainda bem que Fringe voltou!
My Week With Marilyn (2011)
Realização: Simon Curtis
Argumento: Adrien Hodges
Elenco: Michelle Williams, Eddie Redmayne, Kenneth Branagh, Emma Watson, Judi Dench, Dominic Cooper, Zoë Wanamaker, Dougray Scott
Qualidade da banha:
Em 1957, duas lendas da Sétima Arte uniram esforços para dar vida ao casal da película O Príncipe e a Corista: Sir Laurence Olivier (Branagh) e Marilyn Monroe (Williams). Realizado e produzido pelo primeiro, o filme exigiu que Monroe viajasse para o Reino Unido a fim de participar numas filmagens que se revelariam turbulentas devido ao seu apego pelo Método criado por Lee Strasberg (e desprezado por Olivier), a sua notória dependência química (que atrasava a rodagem) e aos problemas da sua vida pessoal. É neste ambiente que o jovem Colin Clark (Redmayne), terceiro assistente do realizador, aproxima-se da diva que o fascina e acompanha-a na tal semana do título, que se refere ao período em que a produção foi suspensa e o marido de Marilyn, o escritor Arthur Miller (Scott), ausenta-se para os EUA com a desculpa de ir visitar os filhos.
Baseado em duas autobiografias escritas por Clark, A Minha Semana Com Marilyn retrata a difícil rodagem e a sua problemática protagonista. Dona de um carisma único e infindável frente às câmaras, Monroe estava longe de corresponder à imagem de estrela que a rodeava: insegura, carente e toxicodependente, Marilyn era uma figura para a qual ter o Mundo a seus pés não era o suficiente. Rodeada de indivíduos que viviam para mima-la, Monroe buscava afeto genuíno naqueles à sua volta e quando recebe um elogio da consagrada Dame Sybil Thorndike (Dench) ela reage com a emoção de uma criança inocente, como se precisasse de comprovar o que a veterana atriz acabara de dizer. Outro aspeto abordado era a sua constante demanda por uma figura paterna (ela nunca conheceu o pai) e, assim, é natural que ela tenha crises de confiança com a desaprovação de Olivier, a autoridade no estúdio, para com as suas prestações e tenha tido um historial de envolvimentos românticos com homens mais velhos.
Por outro lado, se Marilyn não era a mais talentosa das atrizes (e não era), ao menos tinha interesse em aprender mais sobre o ofício e, mais importante, estava ciente do seu magnetismo perante as objetivas e sabia como transbordar sensualidade para os olhares alheios. Havia uma imagem a defender e Marilyn fazia-o como poucas. Todas estas facetas são personificadas num trabalho assombroso de Michelle Williams: o andar, os trejeitos, o olhar simultaneamente doce e vulnerável, o sorriso contagiante e principalmente a voz, tudo é feito ao pormenor numa incorporação total de Williams que ultrapassa a mera imitação. Nós não conhecemos Marilyn em toda a sua plenitude, mas não é difícil acreditar que tenha sido algo assim - ou melhor, Williams faz-nos acreditar que tenha sido assim.
Colin, por sua vez, tem o olhar esperançoso digno da sua juventude e os esforços do rapaz em subir na vida sem recorrer à sua abastada família são louváveis. Completamente hipnotizado pelo brilho de Marilyn, o seu fascínio é justificado pela sua imaturidade emocional - e mesmo quando o lado negro da estrela é-lhe escancarado, ele tem o impulso de protegê-la e não de condená-la (o que também revela um claro traço de manipulação da parte dela). Olivier, com um monstruoso ego só comparável ao seu imenso talento, desmistifica a atriz à medida que esta o tira do sério com os seus vedetismos e recaídas, mas reconhece-lhe valor por ter subido na vida e sobrevivido ao "veneno de Hollywood". Num dos melhores diálogos do filme, Colin descreve-os como "um grande ator que quer ser uma estrela e ela como uma estrela que quer ser uma grande atriz".
Com um elenco competente a dar vida a figuras míticas como Vivien Leigh ou Paula Strasberg (esposa de Lee), A Minha Semana Com Marilyn não tem um arco narrativo na verdadeira aceção da palavra. Podia ser sobre a ilusão e consequente desilusão de um jovem com o seu ídolo, mas isto não é muito aprofundado (sim, Colin cresce com a experiência, mas a sua vida segue normal). Podia ser sobre a rodagem de O Príncipe e a Corista, mas isto serve apenas para pontuar a narrativa e não se torna o centro absoluto da mesma, apesar da recriação credível dos estúdios Pinewood. O filme é mesmo de Marilyn Monroe. Da lenda do cinema. Da frágil mulher que lhe dava corpo. Da tragédia que se avizinhava. Do seu poder e das suas fraquezas. De tudo o que tinha e tudo o que lhe faltava.
É também o filme de Michelle Williams, uma excelente atriz que pode ter aqui a sua merecida consagração.
Sherlock Holmes: A Game of Shadows (2011)
Realização: Guy Ritchie
Argumento: Kieran Mulroney, Michele Molroney
Elenco: Robert Downey Jr., Jude Law, Noomi Rapace, Jared Harris, Stephen Fry, Kelly Reilly, Rachel McAdams
Qualidade da banha:
Em 2009, Guy Ritchie apresentou uma variação sobre a figura icónica do detetive Sherlock Holmes: direcionado para as gerações recentes, Holmes é agora o típico herói de ação, mas sempre acompanhado do inseparável Watson e ainda é o inferno da sua senhoria. Altamente perspicaz e inteligente, a personagem respeitava a essência das obras de Sir Arhur Conan Doyle apesar de todos os exageros impostos pelo faro comercial. Assim, não deixa de ser dececionante que Ritchie, após ser bem-sucedido na tarefa introduzir um renovado Holmes, repita a mesma fórmula do original, ampliando o que aquele filme tinha de pior.
Escrito pelo casal Molroney, Sherlock Holmes: Jogo de Sombras passa-se algum tempo depois dos eventos do primeiro filme: uma série de atentados terroristas, mortes de figuras célebres e aquisições em larga escala levam a que Sherlock (Downey Jr.) relacione-as com o temível Professor Moriarty (Harris). Com o fiel Watson (Law) prestes a casar com Mary (Reilly), Holmes decide levar a investigação avante apesar da recusa do amigo em acompanhá-lo – algo que os fará ir no encalço de Simza, uma cigana que inadvertidamente foi envolvida nos planos de Moriarty.
Situado na mesma Londres vitoriana suja e sombria e depois passando para faustosos cenários europeus como Paris e os alpes suíços, Sherlock Holmes: Jogo de Sombras tem no design de produção e na fotografia os seus pontos fortes: da Ópera de Paris aos bosques alemães, passando pelas ruelas londrinas e na utilização de inovações da época como o automóvel e a massificação dos comboios, tudo surge com um misto de elegância e negrume sem que estas facetas distintas se anulem uma à outra e – com o auxílio de abundantes efeitos especiais – se complementem numa atmosfera de intrigas e mistérios.
É triste, portanto, que o argumento não tenha ponta por onde se lhe pegue e insista, mais uma vez, numa história desnecessariamente confusa e absurda, desperdiçando até o potencial de contar com o arqui-inimigo de Sherlock, cujos planos mirabolantes têm a megalomania de um vilão de James Bond e não da sofisticação digna do detetive. Sofisticação que aparece somente no último confronto entre os dois com uma partida mental de xadrez mas, a esse ponto, já os viramos em confrontos físicos e em ocasiões em que Moriarty tenta eliminar o rival com... armamento pesado!
Talvez cansado de personificar figuras excêntricas (e de carregar filmes nas costas), Robert Downey Jr. está no piloto automático como um Holmes cuja genialidade é substituída pela corrida desenfreada e lutas constantes, enquanto Jude Law parece tão cansado como o seu Watson por ser obrigado a aturar e a ajudar o amigo vezes sem conta – e a dinâmica entre ambos, tão salutar, fluida e divertida no primeiro filme, surge aqui como uma quase dependência por parte de Holmes (o médico quer estar com a amada, porém é arrastado para um novo caso... outra vez!) e um frete da parte de Watson. Por outro lado, Jared Harris dá tudo o que pode como Moriarty e se o vilão não é mais assustador a culpa não é sua, mas sim do argumento, ao passo que Noomi Rapace torna-se, em pouco tempo, nasegundaintegrante do cinema nórdico a não causar impressão alguma numa superprodução de Hollywood (e nem vou abordar as pequenas participações de Kelly Reilly e Rachel McAdams que, com pouco tempo de antena, limitam-se ao mesmo... que já não era memorável.).
Com uma história aborrecida e um elenco subaproveitado, não admira que Sherlock Holmes: Jogo de Sombras seja tão entediante apesar dos esforços de Guy Ritchie em que o espectador não perceba a mísera história que tem em mãos. Mesmo o seu reconhecido virtuosismo acaba por resvalar para o excessivo com as gratuitas câmaras lentas que aparecem em toda a projeção (e esse exagero culmina na sequência em que as personagens fogem por uma floresta debaixo de fogo intenso). Tudo isto seria perdoável se Ritchie aproveitasse a oportunidade para expandir aquele universo (cenários diferentes não contam) e mergulhar a fundo nas motivações das personagens. Assim, temos o indivíduo peculiar com faro para conspirações, o fiel companheiro que se junta a ele por razões desconhecidas e o mauzão que almeja conquistar o mundo.
E explosões, muitas explosões.