Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Thor (2011)
Realização: Kenneth Branagh
Argumento: Ashley Edward Miller, Zack Stentz, Don Payne, J. Michael Straczynski, Mark Protosevich
Elenco: Chris Hemsworth, Natalie Portman, Tom Hiddleston, Anthony Hopkins, Colm Feore, Stellan Skarsgård, Kat Dennings, Idris Elba
Qualidade da banha:
Desde que a editora de comics norte-americana Marvel se decidiu lançar no mercado das longas-metragens (através da sua divisão Marvel Studios), personagens secundárias da casa ganharam a devida atenção do público em geral graças a um tratamento respeitoso para com as mesmas em obras eficientes, de grande escala e com o bónus de estarem subtilmente interligadas. Homem de Ferro1e2ouO Incrível Hulkpodem até não atingir o patamar dos segundos capítulos das trilogias Homem-Aranha e X-Men, porém são filmes inegavelmente divertidos, com as suas próprias virtudes e um sentido de espectáculo que não é tragado pelo espalhafato dos efeitos especiais. Serve isto para dizer que todas estas qualidades se mantêm na adaptação de Thor, herói de origens mitológicas, e que certamente se revelou um desafio para os produtores, uma vez que os anteriores filmes da Marvel estavam calcados no mundo real e esforçavam-se para que tudo soasse o menos absurdo possível. Desafio esse passado com distinção.
No mundo de Asgard, Reino dos Deuses, Odin (Hopkins) é um líder respeitado e que tenta manter a todo custo uma trégua diplomática com Jotunheim, lar dos inescrupulosos Gigantes do Gelo, ao mesmo tempo que passa os seus conhecimentos aos filhos, Thor (Hemsworth) e Loki (Hiddleston). É o primeiro que deverá herdar o trono, mas uma acção imprudente deste faz com que a guerra se torne iminente, o que leva Odin a bani-lo para Midgard (o nosso planeta, pois claro), onde deverá aprender a ser humilde e a ser merecedor do perdão do pai. Chegado à Terra, Thor conhece a bela cientista Jane Foster (Portman), vê a sua presença investigada pela agência de espionagem SHIELD (familiar para quem viu Homem de Ferro 2) e terá de reaver o poderoso martelo Mjölnir se quiser deixar de um imortal.
Voltando a permitir que a cadeira de realizador seja ocupada por uma escolha inusitada, a Marvel Studios chamou o reputado Kenneth Branagh para o cargo e, mais uma vez, a opção revelou-se acertada. Pouco habituado a filmes de grande escala e com orçamentos inchados, o britânico soube vislumbrar o carácter épico da trajectória de Thor, bem como uma reminiscência shakespeariana do núcleo familiar da personagem. Desta forma, a rivalidade entre o Deus do Trovão e Loki e a inveja que ressente do irmão não surgem como elementos para traçá-los facilmente como "herói" e "vilão": há características e acções que pontuam as personalidades de ambos como a cumplicidade e o respeito que nutrem por Odin. Enquanto Thor é retratado como um líder valoroso (ainda que arrogante) e Loki com uma vilania mais do que apropriada, nota-se sempre uma preocupação mútua, seja por anos de convivência fraternal ou receio do que o rival seja capaz de fazer para travar os intentos do outro – o que, obviamente, ajuda a aprofundar o relacionamento entre ambos.
Não que isto torne Thor numa produção excessivamente sombria: Branagh conduz a narrativa com leveza, recheando-a de situações de bom humor, nomeadamente nas cenas passadas no Novo México quando o herói perde os seus poderes. Irreverente na forma como explora ao máximo o conceito de um ex-deus exilado no meio de mortais (o contraste entre a sua postura de divindade e o que o rodeia é hilariante), o filme oferece-lhe um interesse romântico que, como é da praxe, o ajudará a enfrentar os seus medos e a perceber a sua condição – e se há coisa na qual o filme falha terrivelmente é no desenvolvimento desta relação que, além de rápido demais, provém de momentos clichés como conversas à volta da fogueira e (não estou a brincar) troca de sedutores olhares enquanto preparam o pequeno-almoço. Por muita química que Natalie Portman tenha com Hemsworth (e tem, além de estar lindíssima), não há talento que resista a tamanha lamechice. No resto do elenco, a produção acerta em cheio: Hopkins injecta imensa nobreza e imponência a Odin, enquanto Hemsworth revela-se uma grata surpresa ao encarnar as múltiplas facetas de Thor (a altivez, a irresponsabilidade, a inadequação e, consequentemente, a sobriedade de alguém que foi rebaixado), assim como Tom Hiddleston investe na malícia e astúcia de Loki para compor um vilão a ter em conta.
Auxiliado por um design de produção majestoso e óptimos efeitos especiais (as visões da Ponte do Arco-Íris e dos aposentos em Asgard são de tirar o fôlego), Thor contrapõe a magnificência de Asgard aos cenários mais secos e sem vida dos desertos do Novo México, numa demonstração eficaz da dicotomia entre o mundo dos mortais e dos deuses – e eu quase que aposto que, dos cinco autores da história, as sequências do exílio devem ter tido mão de J. Michael Straczynski, uma vez que são claramente inspiradas pelas edições escritas por este para a revista da personagem (e, não por acaso, uma das melhores fases da mesma). No que toca à acção, o filme não desaponta: as batalhas e as cenas de destruição são grandiosas e espectaculares, fazendo uso das várias capacidades dos intervenientes (eu simplesmente pirei com o rodopio do martelo, um movimento de combate típico do herói na banda desenhada).
Conseguindo ainda incorporar elementos da vindoura produção dos Vingadores de maneira mais orgânica do que aquela feita em Homem de Ferro 2 (atenção a um certo arqueiro que aparece a determinada altura), Thor é bem sucedido ao apresentar o Deus do Trovão a uma nova geração de espectadores, numa película que equilibra competentemente as suas partes mais místicas com uma ideologia mais "realista" que vem a ser seguida pelas obras da Marvel Studios. Num filme que tinha tudo para soar ridículo ou como uma cópia mal feita d' O Senhor dos Anéis, é agradável perceber que Thor soube seguir o seu caminho e estabelecer a sua própria identidade, respeitando as suas personagens e o seu universo. E, por arrasto, o público também.
PS: há uma cena importante após os créditos.
ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Fringe 3x20: 6:02 AM EST
Faltam dois episódios para encerrar a temporada e o final, a avaliar por este vigésimo capítulo, promete ser um estrondo. Walternate inicia a tão propalada guerra dos mundos ao activar a Máquina do Apocalipse através daquela amostra de sangue retirada do seu neto. Ligada cá e lá, a Máquina começa a dizimar toda a população orgânica em vários locais e Peter já nada pode fazer, uma vez que a sua interacção com o dispositivo ficou comprometida. Com isto, Altivia já se apercebeu do objectivo de Walternate em destruir o universo paralelo, tenta impedi-lo e é capturada. Não por muito tempo, penso eu, já que Lincoln e Charlie também desconfiam do chefe e poderão ajudá-la. "Deste" lado, Sam Weiss salta da obscuridade para auxiliar Olivia e Nina quanto ao colapso do universo. O que me leva a crer que nem ele esperava a acção de Walternate em usar o ADN do neto ou, recuando ainda mais, que Peter tivesse um filho com Altivia. Se assim for, foi uma óptima reviravolta àquela questão da "escolha de amor" que Peter teria de fazer e que ditaria a salvação de um dos Lados e a completa destruição do outro.
Porém, se Fringe revela-se trepidante na acção, o drama continua muito bem doseado com as partes mais cerebrais da narrativa. Ver Walter ansioso por chegar ao momento que tanto evitou (deixar Peter) serve para dar mais profundidade à personagem, mas é na sequência da capela que John Noble se supera num desabafo desesperado e sensível sobre a sua culpa e os seus remorsos sobre os eventos que levaram à situação alarmante que o universo está envolvido (isto para não falar na referência à tulipa branca que lhe apareceu como sinal de Deus num dos melhores – se não mesmo o melhor – episódio da série). Com tantas variáveis em jogo, acho que nem Walternate pode prever as consequências da activação da Máquina e eu, sinceramente, começo a acreditar no surgimento de um terceiro universo; talvez uma amálgama dos dois que já conhecemos. Ou talvez um novo e autónomo que sirva como ponto de equilíbrio entre o Lado A e B. Ou, se calhar, a devastação total de um a favor do outro. Ou até nenhuma destas possibilidades.
O leque de opções é tão vasto quanto a criatividade de Fringe o permite.
Scream 4 (2011)
Realização: Wes Craven
Argumento: Kevin Williamson
Elenco: Neve Campbell, Courteney Cox, David Arquette, Emma Roberts, Hayden Panettiere, Marley Shelton
Qualidade da banha:
Sou admirador da trilogia Gritos e acho que cada um dos filmes originais funciona à sua maneira. O primeiro (e melhor) deu novo fôlego ao terror contemporâneo ao percorrer o caminho da sátira e atulhar-se de referências a outros filmes do género, com os seus clichés dissecados pelas personagens que seguiam as regras ao serem perseguidas pelo assassino conhecido como Ghostface (ou, na preguiçosa tradução, Fantasma). Genuinamente assustador e inteligente, Gritos deu origem a infindáveis cópias e, menos de um ano depois, surgiu a sequela que, adequadamente, apontava a sua mira para as continuações que Hollywood investe até saturar o público. O terceiro filme, lançado há 11 anos (credo!), mais parecia um filme policial que um de terror e o seu objecto de gozo já não tinha limites, já que, usando a desculpa de satirizar trilogias, toda a produção de uma longa-metragem baseada nos crimes de Woodsboro servia como mote para disparar para todos os lados e a metalinguagem parecia atingir o auge na série. Sim, parecia: Gritos 4 utiliza este recurso fartamente e grande parte do seu charme reside aí.
A sequência pré-créditos que, como não podia deixar de ser, envolve o homicídio macabro de duas personagens é um bom exemplo disto: ao brincar com cenas de filmes dentro de filmes, o argumentista Kevin Williamson (de volta à série depois do interregno do terceiro capítulo) aproveita para criticar a vertente do terror que se tornou moda na década passada – o torture porn característico de obras como Hostel ou a saga Saw que, com as suas intermináveis continuações, fazem com que a mesma vá perdendo o interesse a cada nova "revelação bombástica". Depois desta sequência, seguimos para o filme propriamente dito: a eterna vítima do Ghostface, Sydney Prescott (Campbell) está de volta à cidade natal para promover o seu livro e (coincidência gritante!) logo no aniversário do massacre que a tornou famosa. Acompanhada pelos velhos conhecidos agente Dewey (Arquette) e a sua esposa, a jornalista Gale Weathers (Cox), ela vê-se mais uma vez no epicentro de uma matança que pode estar direccionada não apenas a si, mas também à sua prima, Jill (Roberts), e ao grupo de amigos desta.
Claro que o objectivo é apresentar uma actualização da série e este novo filme surge como uma mistura de continuação, um reboot (a nova geração de potenciais vítimas) ou até mesmo uma refilmagem. Esta estrutura interna mista de Gritos 4 é um dos destaques da produção, uma vez que permite incorporar todas as tendências da Hollywood actual ao mesmo tempo que as critica, uma dualidade típica em todos os filmes anteriores e que Williamson teve a inteligência de perceber que poderia ser adoptada a um nível mais profundo. Assim, o filme mostra as garras naquilo que tornaram a série famosa: a metalinguagem. Seja em detalhes de cenas praticamente decalcadas do original, da presença constante de câmaras de filmar, de personagens que sabem que preenchem os mesmos papéis dos defuntos de outrora e que estão presentes numa refilmagem, Gritos 4 acende uma aura de nostalgia ao reconhecer a importância a franquia no seio de terror moderno, ao mesmo tempo que afirma que este se encontra esgotado e a necessitar de uma reformulação - tal como há 15 anos atrás.
Isto, porém, dirá mais ao fã do que ao espectador comum, uma vez que, como filme de terror, Gritos 4 não é dos melhores: ainda que bem-humorado, ele surge datado e completamente dependente dos acordes na banda sonora para assustar, num exercício de sadismo que já deu o que tinha a dar. Além disso, se as novas personagens estão apropriadamente a seguir as pegadas das do original, isto não as torna propriamente mais complexas, além de que algumas delas são muito burras. Desde as forças policiais ineptas à publicitária que decide deixar a segurança do carro e aventurar-se pelo escuro, passando pela perita em cinema de terror que abre uma porta que não devia, todos (ou quase todos) são merecedores de serem degolados sem piedade pelo assassino que, mesmo após quatro filmes, continua com uma pontaria lamentável (resta dizer que a "facada no ombro" também se torna alvo de uma referência).
Sem ter muito o que fazer, o trio formado por Campbell-Cox-Arquette volta ao cenário de terror com um pleno conhecimento das personagens em questão: a quase resignação de Sydney por se ver envolvida num novo banho de sangue, uma nova oportunidade para a carreira falhada de Weathers e a atrapalhação costumeira de Dewey. De resto, Wes Craven faz um bom trabalho ao encenar as sequências das mortes, mantendo o espectador interessado e divertido, conseguindo ainda incutir uma roupagem mais moderna, com referências ao Facebook a ao Twitter, embora estas não contribuam significativamente para a narrativa (ao contrário dos filmes anteriores que aproveitaram massificação da tecnologia da época: o telemóvel).
No entanto, Gritos 4 enfraquece imenso com a descoberta da identidade do assassino – e não me refiro à crítica social óbvia (e, convenhamos, infantil) que tenta dar relevância ao filme e às motivações do assassino por que até vi isto com bons olhos por oposição à revelação quase aleatória do terceiro filme. Refiro-me, isso sim, ao alongamento de sucessivos desfechos, como se Williamson não soubesse como encerrar convenientemente a narrativa. Por isso, dá-lhe mortes para aqui, justificações para ali, momentos de calmaria e depois mais sangue. Aí, já não há sátira que valha ao filme; este torna-se simplesmente cansativo.
Tal como toda a série Gritos, a bem da verdade.
ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Fringe 3x19: Lysergic Acid Diethylamide
Foi-se William Bell (aparentemente) e voltou a nossa Olivia. Uma viagem à mente da nossa heroína foi o que bastou para resgatar a sua consciência. E que viagem: cheia de símbolos marcantes do Lado B (as Torres Gémeas, o dirigível) e outros representativos do carácter reprimido de Olivia (os subúrbios labirínticos como meio de protecção), uma sequência inteira em animação (Leonard Nimoy recusou-se a voltar a gravar, mas emprestou a sua voz) que explorou ao máximo as suas possibilidades para trazer cenas de acção que, de outro modo, dificilmente poderiam ser levadas a cabo em imagem real. A forma encontrada foi aprofundar aquele recurso de mergulhar na mente de Olivia já usado anteriormente na série – só que agora com Walter e Peter conectados e a intervir nas profundezas da sua psique (num esquema semelhante ao visto emA Origem).
Com toques de humor sensacionais (o meu preferido é Peter completamente drogado a assumir que Broyles é um dos Observadores), o episódio, cujo título remete à sigla LSD, foi ágil em resolver a questão de Bellivia que perigava tornar-se um embaraço para os envolvidos, não obstante o esforço de Anna Torv em manter a seriedade da personagem. Regressa uma Olivia mais confiante, ultrapassados que estão os seus fantasmas interiores e mais próxima daquilo que conhecemos de Altivia. No final, a revelação: o homem que estava na compartição fechada a cadeado do dirigível poderá ser alguém que a matará. De onde surgiu isto? Quem é aquele indivíduo? Como Olivia pode ter esta percepção e transmiti-la de maneira tão despreocupada? De acordo com o que andei a ler por aí, no final da temporada poderá morrer uma personagem importante. Será que Fringe se arriscaria a tanto?
A resposta virá nos três episódios que faltam para terminar este fabuloso terceiro ano.
Source Code (2011)
Realização: Duncan Jones
Argumento: Ben Ripley
Elenco: Jake Gyllenhaal, Michelle Monaghan, Vera Farmiga, Jeffrey Wright
Qualidade da banha:
Sou completamente fascinado por obras que abordem viagens no tempo. Regresso ao Futuro, O Feitiço do Tempo, os dois primeiros Terminator, 12 Macacos, o mais recenteStar Trek, a quinta temporada da série televisiva LOST ou a curta-metragem 12:01 PM são alguns exemplos de obras que usam o recurso eficientemente, ainda que de diferentes maneiras. Assim, não é de admirar que um filme que mergulhe no conceito de loop temporal como O Código Base me agradasse - como, de facto, agradou. O que eu não esperava era que o filme revelasse uma faceta mais ambiciosa debaixo da sua capa de mero filme de acção para entreter as massas; uma surpresa que se desvaneceu ao ver o nome do realizador: Duncan Jones.
Realizador do óptimo Moon - O Outro Lado da Lua, uma ficção científica minimalista, mas extremamente ambiciosa do ponto de vista temático, Jones abraça novamente o mesmo género e, munido de mais recursos, conta a história do militar Colter Stevens (Gyllenhaal) que acorda numa viagem de comboio à frente de uma mulher (Monaghan) que não conhece. Aos poucos, Stevens percebe que integra uma operação experimental que consiste em ocupar o corpo de um dos passageiros do comboio durante oito minutos. A missão é descobrir uma bomba e o terrorista que a armou antes que ocorra uma violenta explosão mesmo às portas de Chicago.
Isto tudo acontece nos primeiros minutos de O Código Base e a prudência impede-me de revelar mais detalhes, mas basta referir que o conceito que sustenta o projecto que dá nome ao filme é intrigante o suficiente (ainda que absurdo) e dispara para assuntos habituais da ficção científica como viagens no tempo (ou, mais precisamente, transposição de consciências) realidades paralelas e projecções mentais. Ainda assim, a história é simples de acompanhar uma vez lançadas as regras do jogo e Jones segura-a com mão firme ao estabelecer um clima de urgência que mantém o espectador preso na cadeira, ao mesmo tempo que extrai da premissa discussões como os limites da Ciência, a eterna batalha entre o Livre Arbítrio e o Destino e a imutabilidade do tempo. Este tipo de questionamentos é a base dos melhores exemplos do género, nos quais um conceito absurdo (ou mesmo impossível) permite inúmeras aplicações no mundo real.
No entanto, nada disto teria o mesmo impacto caso não nos importássemos com as personagens e Jake Gyllenhaal faz um bom trabalho ao transmitir toda a confusão do Capitão Colter Steves ao ser confrontado com a difícil missão que tem em mãos, conseguindo ainda injectar imensa humanidade no sujeito (o que torna-se ainda mais admirável depois da tentativa falhada de o transformarem num herói de acção em Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo). As belas Michelle Monaghan e Vera Farmiga também se destacam: a primeira com uma excelente química com Gyllenhaal e a segunda a exalar, inicialmente, a segurança que alguém do seu posto deve ter ainda que, com o passar do tempo, venha a compreender o drama vivido pelo protagonista. A fechar o elenco principal vem Jeffrey Wright que serve como um manual de instruções para o espectador sobre as teorias científicas que movem a acção.
Prejudicado por um desfecho demasiado longo na tentativa de amarrar a narrativa (algo que faz eficazmente), O Código Base é daqueles exemplares cada vez mais raros de entretenimento com cérebro e que não tem medo de desafiar a inteligência do espectador ao mesmo tempo que não descura a sua vertente mais comercial. Engenhoso nas ideias e exemplar na execução, Duncan Jones é mesmo um realizador a ter debaixo de olho.
Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro (2010)
Realização: José Padilha
Argumento: Bráulio Mantovani
Elenco: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Milhem Cortaz, Seu Jorge, Tainá Müller, André Mattos
Qualidade da banha:
Em 2007,Tropa de Elitetornou-se um fenómeno no Brasil não só por ter ido parar à Internet muitos antes da sua estreia, mas também pelo retrato negro, duro e realista do combate ao tráfico de drogas. Sem fazer concessões, José Padilha exprimiu na figura do anti-herói Capitão Nascimento todas as agruras de uma guerra sem fim e de uma sociedade corrompida até à medula: competente, seguro, autoritário e seguidor do lema "olho por olho, dente por dente", Nascimento passava todo o seu aprendizado a dois possíveis candidatos ao seu lugar ao mesmo tempo que via a sua vida pessoal desabar devido à sua dedicação ao BOPE (Batalhão de Operações Especiais), os únicos capazes de entrar pelas favelas para combater o tráfico. Desta forma, não admira que Nascimento tenha sido visto como um herói por uma sociedade saturada da violência crescente e indiscriminada ou, como alguns o apelidaram, de "fascista", sem perceber que a figura que Padilha pinta é o retrato das consequências de uma vida profissional caracterizada pela tirania e abusos de força num círculo vicioso e fatal.
Sem se limitar a repetir a história do filme original, Tropa de Elite 2 adiciona novas camadas a um problema complexo e sem resolução fácil: situado vários anos após os eventos já conhecidos, Nascimento é agora Coronel e comanda uma missão fracassada do BOPE; fracasso esse agravado pelas acções do activista político de esquerda, Fraga, que desaprova os métodos da polícia de intervenção do Rio de Janeiro. Nascimento é retirado do terreno e é destacado para um cargo superior (para retrair a opinião pública que o idolatra) e Mathias, o seu antigo aprendiz, é tido como bode expiatório do falhanço da operação. Quando milícias formadas pela Polícia Municipal começam a extorquir os moradores das favelas do Rio, constituindo uma máfia implacável de campos de votos para deputados sedentos de poder, Nascimento vê-se diante de um adversário com o qual não sabe lidar: a política.
Reduzir, porém, a temática do filme à política é uma atitude preconceituosa para com o argumento complexo de Bráulio Mantovani que traça uma vasta rede de ligações entre política, comunicação social, polícia e crime organizado, acertando em todos os alvos que mira. Ao sugerir um cenário de quebra no tráfico de droga nas favelas, Tropa de Elite 2 afirma, com propriedade, que logo alguém tomaria o lugar antes ocupado por criminosos sem escrúpulos e que, agora, seriam outros indivíduos de índole retorcida a descobrirem novas formas de lucrar com o crime. Num cenário em que a hierarquia é determinada pelo grau de acções corruptas, o filme não se esquece da complacência (promiscuidade é o termo correcto) de uma comunicação social despida de valores e comprometida com facções partidárias (leia-se: grupos económicos) que a usam como arma e escudo, consoante os seus objectivos no momento – e a figura do histérico apresentador de um programa de opinião sensacionalista é a maior prova desta temática.
Enquanto isso, Wagner Moura continua a mostrar porque é um dos actores mais completos da sua geração ao carregar o filme nas costas: visivelmente mais velho e cansado, o agora Coronel pode até condenar a violência que pratica, mas admite que foi obrigado a abraçá-la para sobreviver à espiral de violência que é pago para combater. Com uma vida familiar em frangalhos, Nascimento ressente a imagem repulsiva que o filho adolescente nutre de si e não deixa de ser fascinante que ele tente conectar-se com ele através de uma luta de judo, numa acepção de que a violência o rodeia até nos actos mais intimistas. Por outro lado, o idealista Fraga surge como a outra face da brutalidade de Nascimento, com os seus discursos optimistas e eloquentes sobre direitos humanos, transparência e o fim da violência, algo que o filme trata com imenso respeito ao não retratá-lo como um obstáculo à trajectória do seu anti-herói.
Com um ritmo mais lento que o filme anterior, mas sempre intenso e denso (seja pelo confrontos verbais ou pelo choque de personalidades), Tropa de Elite 2 lança a discussão com um desfecho mais esperançoso do que seria de supor, ainda que não deixe de soar polémico: ao caracterizar políticos, polícias, comunicadores ou basicamente todos os que tenham cargos de chefia como seres com moralidades putrificadas, Padilha e Mantovani não atacam o sistema político em si, mas sim aqueles que o representam e que, ironia das ironias, são eleitos democraticamente por um povo desinformado ou, em casos mais extremos, completamente alienado da situação actual. Podemos até não viver numa sociedade com a dimensão e os problemas da brasileira, mas é inegável a universalidade desta mensagem em diferentes contextos.
Que esta lição venha numa obra espectacular e trepidante é apenas a cereja no topo do bolo.
Hoje, o FC Porto ganhou mais do que um campeonato. Mais tarde ou mais cedo o ganharia. Não é por aí. Ganhou na Luz, o que nisto das rivalidades é equivalente a um orgasmo (o que eu adorava ter ganho há um ano no Dragão...). Também não é por aí. Ganhou merecidamente e tal fiz questão de felicitar a amigos meus portistas ao vivo e por SMS. Não me aborreceu por aí além, embora a vantagem pontual seja escandalosamente empolada em benefício de uns e prejuízo de outros. Não vale a pena falar disso agora. O que me chateou solenemente foi o triste espectáculo dado pelo meu clube antes e depois do jogo (já lá vamos ao durante). Hoje, o Benfica que eu conheço - mais: que eu idolatro - deu uma valente facada na sua identidade: tentou brincar ao jogo que Pinto da Costa e seus acólitos jogam há décadas e perdeu por inexperiência.
Desligar as luzes e ligar os aspersores de relvado revelam um mau perder e uma mesquinhez que eu só vislumbrei em duas instituições com culturas parecidas (dizem eles) e completamente distorcidas: FC Porto e Barcelona. Que eles não saibam ganhar e que Villas Boas ou Pinto da Costa venham com discursos inflamados, hipócritas e totalmente alheados da realidade, isso é problema deles. Se eles não mostram a nossa bandeira e recusam adereços do nosso clube no estádio deles, isso só revela o complexo de inferioridade deles. Se nos agridem, atiram pedras, insultam e não nos deixam festejar na cidade deles, é lutar contra isso, sim senhor. Mas não descer ao nível deles! Hoje, tornámo-nos iguais a eles e, por muito que eles mereçam uma resposta na mesma medida, não podemos dar-lhes um enorme pedregulho para nos arremessarem em cima quando a oportunidade surgir. Que eles façam do desporto uma guerra (mote de Pinto da Costa desde sempre), nós não podemos alinhar no esquema. Que adeptos acéfalos (uma minoria em qualquer clube) desatem à porrada por dá cá aquela palha, as direcções têm mais é que condenar veemente tais comportamentos, algo que nunca vi o FC Porto fazer sem acrescentar umas atenuantes (ah!, mas daquela vez...) e que o Benfica faz muito levemente. Não chega. Atitudes como a de hoje resvalam para tudo aquilo que eu abomino no FC Porto ou em qualquer outro clube. Hoje, o Benfica foi um clube qualquer e não o meu clube.
Quanto ao jogo em si, o FC Porto foi superior e Roberto, Sidnei e (principalmente) Cardozo foram os algozes de uma exibição pálida, nervosa e desconcentrada. A poucos minutos do fim e a jogar contra dez é inadmissível que um jogador faça aquilo que Cardozo fez e o mais espantoso é que não é algo inédito. Duarte Gomes esteve péssimo para ambos os lados, mas cheira-me que o moço não dá para mais. Falcao é um grande jogador, bem melhor que o Hulk e merece ser reconhecido como tal. Moutinho não perde velhos hábitos de "ai, não me toques" seja de verde ou de azul. Saviola e Salvio estão numa forma lastimável, Javi Garcia não aguenta o meio-campo todo sozinho e até tremo só de pensar na saída de Coentrão. Dois penaltis muito forçados que foram assinalados e, assim meio que a torcer o nariz, decisões acertadas. Quanto ao ambiente no estádio, foi quentinho sim, com arremesso de objectos (algo tristemente banal no nosso futebol), mas ninguém no seu perfeito juízo pode comparar o mesmo com o terror vivido vastas vezes no Dragão (o que aconteceria se o Benfica tivesse sido campeão nas Antas?) ou, mais recentemente, em Braga. E não estou a ver grandes indignações com o dispositivo policial (necessário, diga-se) que acompanhou a equipa do FC Porto por oposição a comentários jocosos quando o Benfica requisita ou se queixa da ineficácia do mesmo em deslocações mais aqui para Norte. No entanto, esperar coerência do adepto de futebol (ainda mais do portista) é uma utopia.
No fundo, o campeonato não se perdeu aqui; ficou irremediavelmente perdido nas primeiras jornadas com muitos erros próprios do Benfica potenciados por arbitragens miseráveis. Uma chatice que tenha sido na Luz, mas ainda há tanto para ganhar e a diferença entre uma época histórica, boa ou má é muito ténue. Temos Taça da Liga, Taça de Portugal (repitam este mesmo resultado e vão de vela...) e uma Liga Europa para fazer boa figura (ganhá-la seria extasiante, mas o meu pessimismo crónico não alimenta grandes esperanças). Há que trabalhar para isso, ser humilde, não inventar e contar com uns pozinhos de sorte. Se a coisa correr mal, há que saber perder como saber ganhar. Já temos tantos problemas, ainda temos que arranjar outra mão cheia para nos maçar? Para o ano há mais, minha gente!
Parabéns ao FC Porto, merecido campeão 2010/2011 e viva o Benfica, sempre! Mas não este Benfica.
Sucker Punch (2010)
Realização: Zach Snyder
Argumento: Steve Shibuya, Zach Snyder
Elenco: Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens, Jamie Chung, Carla Gugino, Oscar Isaac, Scott Glenn
Qualidade da banha:
Zach Snyder é o novo menino bonito da Warner Bros.. Eu já tinha esta opinião e o seu mais recente filme, Sucker Punch - Mundo Surreal, veio apenas confirmar esta teoria. Ao lidar pela primeira vez com um argumento original, Snyder mostra o mesmo olhar acertado para planos belíssimos e evocativos que marcaram as suas obras anteriores, O Renascer dos Mortos, 300 eWatchmen(não vi A Lenda dos Guardiões). O problema é que a estética apurada não encontra reflexo na frágil história e que, pecado mortal, revela uma inacreditável insolência nos minutos finais. O que, claro, é uma pena, já que Sucker Punch revela-se uma das apostas mais insólitas e originais vindas do lado mais comercial de Hollywood e tinha potencial para ser mais do que aquilo que realmente é: uma descartável obra na qual fantasias masculinas são personificadas no grande ecrã para deleite da plateia, mas sem um escape emocional que sustente a jornada.
Quando refiro fantasias masculinas, não uso o termo por acaso: internada num hospício devido a um acidente trágico após tentar proteger a irmã de ser molestada pelo padrasto, a jovem Baby Doll refugia-se nas suas fantasias para engendrar uma fuga do local, onde será submetida a uma lobotomia em cinco dias. Assim, ela imagina estar a viver num cabaré/prisão e une-se a outras bailarinas (leia-se: outras pacientes internadas) de modo a formar uma equipa para escapar do local. Este plano consiste em várias “missões” que, novamente, são personificadas por outro tipo de fantasias de Baby Doll e que vão desde cenários de guerra, jogos de vídeo que devem muito ao fantástico ou até uma época mais futurista.
Sempre vestidas em trajes mínimos, Baby Doll e restantes companheiras surgem como objectos sexuais prontos a satisfazem a libido masculina ao mesmo tempo que são endeusadas pelo efeito que causam no sexo oposto. Num filme que leva a noção de espectáculo ao extremo (a começar pela cortina e o palco que abrem a narrativa, numa reminiscência de Moulin Rouge), certos exageros na caracterização das personagens são até justificáveis. No entanto, isto retira força à história, uma vez que nas variadas sequências oníricas que se referem às missões do grupo nós sabemos que a raparigas não correm perigo de vida, tornando as longas sequências de acção num exercício de estilo meramente sensitivo, algo que atinge o ponto de saturação na cena do comboio futurista, onde Snyder abusa da câmara lenta como se congratulasse a si mesmo por achar-se tão inventivo.
Ainda assim, a produção liberta-se sempre que entra na mente de Baby Doll ao encontrar no delírio visual o arrebatamento e a elegância que fazem de Sucker Punch uma experiência extasiante: do mundo “real” cinzento e triste, às cores vivas do cabaré com detalhes que não deixam de ter presente que o local é uma prisão, passando pelas trincheiras da Primeira Guerra Mundial e visões de zepelins e aviões militares, e acabando no castelo do dragão, tudo no filme busca a espectacularidade e a imaginação sem limites, sendo que também é divertido ver como a narrativa flui com as missões que reflectem o que se passa no cabaré que, por sua vez, reflecte o que se passa no hospício.
Com aspectos técnicos irrepreensíveis (o design de produção é deslumbrante), Sucker Punch conta com um elenco de beldades femininas que dão (muito) corpo e (pouca) alma a personagens unidimensionais, ao passo que os homens são, na sua maioria, retratados coom feios, sebosos e repulsivos, numa visão feminista que se adequa à proposta do filme. O que já não se adequa mesmo nada é o desfecho com ares filosóficos de quinta categoria e que serve tentar injectar profundidade numa narrativa que em momento algum quis parecer mais do que aquilo que é: um monumento ao talento imagético de Snyder e à sua incapacidade em perceber que uma estética primorosa não vale muito sem uma boa história por trás.