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Apesar de uma ou outra escorregadela, Batman: O Início é um óptimo filme de super-heróis, servindo para fazer tábua rasa sobre as atrocidades cometidas por Schumacher e companhia, principalmente em Batman & Robin, uma das maiores porcarias que Hollywood já teve o prazer de vomitar (considero os dois Batman de Tim Burton apenas razoáveis). Voltando tudo à estaca zero, o filme estabeleceu um universo mais palpável, coeso, permeado de personagens com motivações reais e complexas por natureza e fazendo de Gotham City uma metrópole assolada pela violência e pela corrupção. Em O Cavaleiro das Trevas há a vantagem de o universo já estar delineado, pelo que Christopher Nolan e o seu irmão Jonathan criam um argumento que, apesar de demorar para arrancar de vez, é tão intenso e complexo que aprofunda ainda mais as personagens já conhecidas, bem como faz importantes adições à história. No filme, o que menos interessa são as cenas de acção (que são boas), mas sim o duelo travado entre Bruce Wayne/Batman, Joker e Harvey Dent e as consequências para aqueles que são arrastados no processo.
Situado alguns meses dos eventos do filme anterior, O Cavaleiro das Trevas traz Gotham City mais controlada graças aos esforços de Batman no combate ao crime e aos esforços de Harvey Dent, um promotor público que encabeça uma equipa que tem aprisionado muitos membros da máfia que antes controlava a cidade. Rachel Dawes (aqui interpretada por Maggie Gyllenhaal, muito melhor que Katie Holmes) faz parte da equipa de Dent e encara-o, assim como toda a população, como a última esperança para pôr um termo na violência de Gotham. Por outro lado, a máfia, vendo-se cada vez mais enfraquecida, trata de arranjar o apoio de Joker para eliminar Batman e Dent. Como foi abordado de relance no filme anterior, a existência de alguém absurdo (ou aberração) como Joker é justificada pela figura absurda de Batman, como se um super-herói obrigasse a existência de um vilão do mesmo calibre (aliás, isto é regra na mitologia dos comics).
Temos assim um triângulo de personagens, cujas motivações começam a entrar em conflito: Bruce Wayne deseja terminar a sua encruzilhada contra o crime e vê Dent como o seu sucessor, o símbolo que Gotham deve seguir; Dent age como um cavaleiro da luz, aquele que não tem medo de mostrar a cara para acabar com o mal que grassa na metrópole; e Joker num vértice oposto, uma contradição da essência dos dois: ele é pura anarquia. Christian Bale está excelente como Bruce Wayne: cada vez mais afundado numa luta da qual não consegue sair, ele vê como os seus actos podem ter consequências nefastas e acabamos por notar, aqui e ali, um certo descontrolo da sua parte; Aaron Eckhart surge confiante e empenhado na sua luta até que, com o desenrolar dos acontecimentos, vê os seus ideais esfumarem-se; Gary Oldman confere grande intensidade ao Tenente Gordon, surgindo como a facção incorruptível de Gotham; Michael Caine, mesmo aparecendo pouco, continua a ser o elo de ligação de Bruce com o mundo real no papel do mordomo Alfred; e Morgan Freeman, como o aliado de Bruce, Lucius Fox, tem o seu ponto alto ao questionar uma determinada acção deste, mesmo que esta tenha fins louváveis.
É então que chegamos à interpretação mais impressionante de todas: Heath Ledger É o Joker. Contrapondo à caricatura de Jack Nicholson em Batman – O Filme (que, mesmo assim, roubava todas as atenções), o Joker deste filme é tremendamente insano, imprevisível e amedrontador. Não se interessando por dinheiro ou poder, tudo o que ele quer é provocar o caos e levar as suas vítimas a uma tortura psicológica antes de qualquer coisa, algo que culmina na última meia-hora, capaz de rebentar com os nervos do espectador. Assumindo uma postura de um louco saído do manicómio, com a sua risada estridente e atitude irrequieta, Heath Ledger tem uma interpretação hipnotizante: tudo o que ele fala, todas as suas nuances, tudo pensado ao pormenor. Uma nomeação póstuma ao Óscar não é descabida. Se Johnny Depp conseguiu num filme de puro entretenimento como Piratas das Caraíbas: A Maldição do Pérola Negra, não vejo como o mesmo não possa ocorrer aqui.
O tema mais recorrente da filmografia de Christopher Nolan continua presente em O Cavaleiro das Trevas: as obsessões que regem os actos de cada um e as consequências tanto para nós como para aqueles que nos rodeiam. E se o filme demora a arrancar é porque Nolan se delicia em posicionar cada uma das personagens em rota de colisão uns com os outros, dando espaço para que cada uma delas se desenvolva. E se o filme já seria um óptimo entretenimento, é a meia-hora final que o leva para outro patamar, transcendendo a mera obra baseada em comics: com cenas em que a tensão atinge níveis estratosféricos, o filme carrega na densidade de Batman e, principalmente, de Dent de uma forma demolidora, quase trágica. Sem revelar muito, basta dizer que, ao chegar àquele ponto, não há volta possível para aquelas personagens, que abrem mão daquilo que lutam por um bem maior, desaguando num final melancólico e desesperador.
Exaustivo nas suas duas horas e meia de duração, O Cavaleiro das Trevas é uma obra superior, complexa e intensa, atingindo o Olimpo dos filmes baseados em comics, onde eu incluo Homem-Aranha 2 e Super-Homem: O Filme. A espera valeu toda a pena.
Qualidade da banha: 19/20